Como o
menino inglês, o CrossFox do comercial é criado por animais e,
ao encontrar seus pares, decide permanecer no mundo selvagem
Texto: Kleber Nogueira - Fotos:
reprodução
Adotado pela tigresa, o CrossFox
brinca com os "irmãos" tigrinhos: o objetivo é associar o carro a
Tarzan, que também foi criado por animais
Após o encontro com seus pares,
o carro dá marcha à ré, assume o caráter selvagem e mostra que prefere
ficar com a família que o adotou
Não
há como desmontar os signos de um filme como "Tigres", criado pela
AlmapBBDO para a Volkswagen, sem abordar a importância do funcionamento
da mente humana na construção de marcas duradouras e de sucesso.
"Tigres" conta em 60 segundos a fábula de um CrossFox laranja que é
adotado por uma tigresa. Com o passar do tempo, o carro acaba se
tornando um deles e, quando reencontra os companheiros "da mesma
espécie", é assaltado pela dúvida — mas acaba decidindo ficar onde
cresceu e foi criado, no mundo selvagem.
Pois é, caro leitor. Analisando esta história racionalmente, não há
lógica nenhuma, claro. Imagine só: um carro criado por tigres, que tem
personalidade, emoções e ainda toma decisões cruciais de vida! Pare para
pensar: um carro é apenas um amontoado de aço, plásticos, espuma e
borracha. Mas o ser humano não consegue se relacionar racionalmente com
as coisas, pois é movido pela emoção. O homem é um ser puramente
emocional e por essa fresta é que as marcas são construídas.
Quando você foi se desfazer de seu último carro, não sentiu um aperto no
coração, como se estivesse se despedindo para sempre de um ente querido?
Muitas pessoas dão apelidos ou nomes carinhosos a seus automóveis. E
quando a relação com o carro é meio tempestuosa, por defeitos
recorrentes ou por qualquer outro motivo, a gente pega birra, briga com
ele e faz ameaças do tipo "você não perde por esperar: logo, logo vou
despachar você!". Aquilo é pura matéria sem vida! Não ouve, nem sente
nada. Mas o ser humano é assim, projeta vida e personalidade em tudo a
seu redor.
O objetivo primordial dos anúncios publicitários, quando têm a
finalidade de convencer alguém a comprar alguma coisa, é fazer com que o
espectador possua Atenção, Interesse, Desejo e Ação — o "AIDA", como é
falado no marketing. E conseguir esses quatro estados mentais no
consumidor não é tarefa simples sem o uso de estereótipos. Os
estereótipos são capazes de produzir algumas características e
comportamentos esperados, como a afeição, o medo, o desejo e outras
emoções humanas. Por exemplo, homens resistem a aceitar mulheres jogando
futebol, devido ao estereótipo que diz que mulheres são frágeis.
Estereótipos são como modelos mentais que representam, de certa forma,
uma ideia, uma emoção ou, no caso da publicidade, algo que é comumente
almejado — ser um homem rico, uma mulher magra e atraente, ter sucesso.
Como automóveis representam algo além de sua própria essência de
transportar pessoas e coisas (podem significar também poder, status,
sucesso, masculinidade), a publicidade usa os estereótipos para
construir as marcas no nível do universo psíquico.
A publicidade de automóveis é repleta de exemplos de marcas que
obtiveram sucesso usando personagens míticos, que se baseiam em
arquétipos ou estereótipos para transmitir benefícios e atributos
psicológicos e emocionais do produto. Muitos desses personagens
tornam-se muito identificados e relacionados com a marca, a ponto de
representarem sua essência na mente do consumidor, como é o caso de
Sylvester Stallone (o eterno Rambo) e o VW Gol. A empresa vive até hoje
no Brasil do estereótipo herdado do Fusca de que "Volkswagens são carros
inquebráveis". Associar o Gol ao mito "Rambo" reforça esse estereótipo.
E a mesma VW torna a usar outro mito para estereotipar o CrossFox na
mente do consumidor. Tarzan e o "Mito da Liberdade" — daquela tradição
mitológico-literária dos heróis que são criados por animais. Tarzan é um
menino inglês, mas foi criado por macacos. Tenta estabelecer relações
com os humanos, mas tem dificuldade em deixar suas raízes selvagens,
assim como o CrossFox laranja, que reencontra os "familiares" vindos da
cidade, mas não consegue abandonar os tigres.
De forma previsível, mas totalmente mitológica e inconsciente, a VW
tenta construir uma realidade emocional na qual Fox foi feito para ser
"selvagem". Isso não é verdade porque, no universo físico, concreto e
conceitual, o "automóvel" Fox não tem características de um carro
pensado para ser um fora-de-estrada. Mas, no processo de formação de uma
marca, é a emoção que atua na criação do desejo, e é esse o caminho
trilhado brilhantemente pelos publicitários que criaram "Tigres". Parece
ironia, mas a verdade é que a publicidade do CrossFox passa por uma
trilha fácil que já foi aberta e desbravada antes por outras marcas,
desde o século passado, e que já não tem mais nada de aventureira. Mas é
muito difícil para o homem vencer a força inconsciente de um
estereótipo.
A VW espera com "Tigres" obter, ao longo do tempo, a solidificação no
CrossFox do estereótipo "criado selvagem, sempre selvagem", da mesma
forma que Rambo transferiu seu mito ao Gol. Ou será o contrário?