Fiat Toro: ousadia de estilo bem executada

Com desenho criativo e marcante, a picape conseguiu um sucesso que é incomum na marca em segmentos mais altos

Texto: Danillo Almeida – Fotos: divulgação

 

No mercado automobilístico, alcançar o sucesso é uma tarefa ingrata. Uns fabricantes “chegam lá” executando as mesmas estratégias por anos a fio, enquanto outros precisam se reinventar continuamente. E vários fazem tanto uma coisa quanto outra — como a Fiat. Nas últimas décadas, a marca ítalo-mineira lançou mão de criatividade com modelos como a Palio Adventure e as Stradas de cabines estendida e dupla, ideias que foram copiadas por outras marcas, mas também insistiu na repetição em casos como o Palio de segunda geração, de pouco sucesso.

Finalmente, em 2016, a picape Toro virou motivo para os italianos sorrirem de orelha a orelha.

Até os anos 90, os carros do grupo Fiat eram bem divididos entre suas marcas. Isso se perdeu porque as mudanças na demanda e as dificuldades financeiras obrigaram-no a repensar sua linha, cada vez mais, com o fim de mantê-la competitiva. A marca Fiat saiu prejudicada por uma questão de imagem: foi a mais difundida fora da Europa, mas ficou atrelada a carros pequenos e baratos. Podia trazer bons resultados financeiros, só que limitados a uma porção do mercado.

 

 

Naturalmente, os italianos gostariam de mudar isso. Modelos como Croma, Tempra, Marea, Stilo e Bravo bem que tentaram, mas não cumpriram a missão de fazer o público ver a Fiat como opção interessante em segmentos de preço mais alto. Embora cada um deles tenha tido defeitos específicos, pode-se afirmar que o maior era, mesmo, de imagem. Em princípio, a Toro atua em um segmento tão hostil quanto os citados, mas teve destino diferente porque sua estratégia também foi outra: a Fiat procurou desviar-se do problema da imagem.

 

 

Além de respeitar a intenção de aventurar-se em categorias superiores, a nova picape precisava manter distância da irmã, a líder de vendas Strada. Contudo, seguir a receita de picape média implicaria competir com Chevrolet S10, Toyota Hilux e similares, o que seria um tiro no pneu. A Fiat preferiu, então, fundar um nicho de mercado: a Toro é um pouco menor, um pouco mais voltada ao uso urbano e um pouco mais barata que aquelas. O suficiente para tornar-se ideal para quem gosta e/ou precisa desse tipo de carro, mas considera que as opções tradicionais ficaram excessivas.

Embora esse posicionamento por si só já a torne interessante, a Toro tem outros atrativos. Um é a construção geral, compartilhada com os Jeeps Renegade e Compass, o que permite o uso de tração integral e até motor a diesel. O outro é o que se vê mais facilmente e que melhor simboliza a intenção da Fiat: o estilo, que fez a picape causar impacto no lançamento e a manteve em evidência na mente (e na garagem) das pessoas desde então.

 

 

Como na maioria dos automóveis, a porção dianteira é a mais marcante no estilo da Toro. Ele deriva do visto no FCC4, carro-conceito que a Fiat apresentou no Salão do Automóvel de 2014. Os modelos que vão às ruas sempre são mais conservadores, porque há todo um desempenho de mercado que se espera deles, mas este é um raro caso em que essa mudança foi positiva: a dianteira da Toro parece mais equilibrada e harmônica que a do FCC4. Como seu estilo é dominado por uma divisão tripla e horizontal dos componentes, sua análise começa por aí.

A região superior traz um friso cromado e os leds diurnos. O primeiro item não faz entrada de ar e o segundo não faz a iluminação principal, mas ambos têm forma e posição tais que acabam sendo vistos como a parte principal da dianteira. Nós os percebemos assim, porque estamos acostumados a ver essas peças dominando o estilo dianteiro e deixando as demais com papel secundário. Por causa disso, a dianteira como um todo acaba parecendo imponente e elevada sem precisar de tamanho realmente grande e/ou formas retilíneas, como as das picapes norte-americanas.

 

 

No “andar debaixo” ficam os faróis e a entrada de ar principal, os quais precisam ser grandes para desempenhar bem suas funções. Os três têm forte integração visual e aparência que os destacam na dianteira — em princípio, a receita certa para poluir o visual. No entanto, como a Fiat se valeu do truque óptico mencionado no item anterior, não chegamos a ter essa percepção. O tamanho desses elementos foi dissimulado tão bem, que precisamos de atenção para reparar que é sua forma externa que o “T” do logotipo do modelo replica.

Como as porções superior e central dominam a dianteira, não é de se estranhar que a inferior tenha ficado em segundo plano. Ela fica mais alta na região das luzes para dar-lhes o tamanho necessário e porque fica logo abaixo dos faróis, região onde a área “vazia” da carroceria é maior. No centro, adota perfil mais baixo e estilo ainda mais discreto. O acabamento se faz inteiro em plástico preto nas versões mais baratas; nas demais, as luzes ganham uma moldura cromada e a porção central inferior tem um aplique em prateado fosco, ambos mantendo a discrição.

Embora muito versátil, a plataforma da Toro ainda é de automóveis. Ela usa motor em posição transversal e com tração dianteira e isso, por sua vez, traz certas limitações à forma externa da dianteira. O balanço, tipicamente grande, foi dissimulado com um acentuado formato de “U” quando a dianteira é vista de cima ou de lado. Isso deu ao capô um formato de cunha mais próximo ao de carros que ao das picapes médias tradicionais, o qual volta a reforçar a proposta original do fabricante. São poucos os ângulos em que a dianteira parece volumosa.

 

 

Enquanto a dianteira foi incumbida de distinguir a Toro, até mesmo dos demais Fiat atuais, as laterais receberam a missão de expressar sua proposta no mercado. Os vincos fortes e horizontais não chamam atenção para si: sua função é ressaltar o comprimento da carroceria. Por outro lado, a porção inferior usa a solução já conhecida do revestimento em plástico preto para dissimular a altura total. O único deslize está nos para-lamas: como têm aquela parte em plástico preto e um vinco suave por cima, acabam fazendo as rodas parecerem pequenas.

A intenção de fazer a Toro parecer comprida vale somente na parte inferior da carroceria: por ser uma picape de cabine dupla, a região das janelas é grande por si só. Por causa disso, a Fiat optou por não aplicar os recursos típicos para fazê-la parecer maior. Não há vigias adicionais ou mesmo aqueles complementos de plástico preto à frente ou atrás das janelas —cuja adição só poluiria o visual gratuitamente. Para evitar uma aparência de simplicidade, as versões mais caras adicionam acabamento cromado em alguns detalhes.

Coluna traseira espessa é recurso comum para conferir robustez ao visual. O que chama atenção aqui, no entanto, é sua inclinação: torna a transição entre cabine e caçamba muito mais suave e agradável aos olhos que a das picapes tradicionais. Prova disso está nas picapes do segmento superior ao dela, que buscam essa suavidade no uso de “santantônio”. Esse desenho de coluna só é possível porque a Toro usa carroceria monobloco, na qual cabine e caçamba são uma peça só.

A caçamba da Toro é alta, para ter capacidade de carga interessante para o público-alvo, mas também é curta o suficiente para que seu comprimento total não quebre o equilíbrio do estilo. Isso explica a harmonia de dimensões obtida pela Fiat: vista de lado, a caçamba tem forma parecida à da dianteira e quebra o excesso de área vazia da carroceria com vincos simples e lanternas com contorno “esticado” rumo as laterais. A maior desvantagem desse desenho de caçamba é atrapalhar a visibilidade traseira, mas isso se contorna em parte com o uso de câmera de manobras.

Próxima parte

 

 

Aquela inclinação das colunas traseiras tem fins de estilo e rigidez estrutural. Seria possível fazer o vidro traseiro segui-la, mas isso não seria interessante: a caçamba perderia volume e a cabine o ganharia de forma inútil, porque ainda não seria possível recuar o banco traseiro. Com esse artifício, a Fiat consegue não só as vantagens mostradas no item 3 da imagem anterior como também uma melhoria aerodinâmica. Essas colunas “falsas” ajudam a suavizar o fluxo de ar na transição rumo à região da caçamba da mesma forma que as peças usadas por VW Amarok, Ford Ranger e Chevrolet S10.

Em picapes, a tampa traseira deve ter a maior área possível para facilitar carga e descarga. A maioria dos modelos lida com isso usando lanternas verticais, o qual lhes dá uma uniformidade de estilo pouco desejável. A Fiat resolveu isso com lanternas levemente quadradas, que invadem muito pouco do espaço da tampa — aqui não há a opção de colocar uma parte das luzes na tampa, que deve ser removível. Em paralelo, as lanternas se valem de posição elevada e contorno irregular, repuxado nas laterais, para quebrar a área vazia de carroceria naquela região.

 

 

Os maiores destaques da tampa traseira da Toro são a abertura bipartida e com dobradiças verticais, mas ambos são estritamente funcionais. Sob o ponto de vista do estilo, o ponto mais interessante é o puxador. A Fiat usou uma peça grande o suficiente para ser usada pelas duas partes da tampa, o qual evita poluição visual, e a revestiu de plástico preto, o qual contrasta com o cromado do letreiro da marca. A Toro, aliás, foi o primeiro Fiat brasileiro atual a usar o logotipo traseiro assim, sem o escudo vermelho. Isso permite que o letreiro fique maior e mais chamativo.

A Fiat preferiu concentrar as atenções no logotipo e na traseira. Sendo assim, a tampa é adornada meramente por dobras, que usam o jogo de luz e sombra para preencher a área de carroceria, e a seção inferior tem estilo voltado à função: repete o revestimento em plástico preto visto no item 1 da imagem anterior, para reduzir os problemas com riscos e pequenos impactos, e abriga as luzes de ré e os sensores de estacionamento com formas simples e discretas. O fato de essa região ser mais alta que as demais em plástico ajuda a disfarçar a altura da caçamba nessa região.

 

 

No volante, o raio inferior vazado o torna visualmente mais leve e permite variações de acabamento, como o uso de cor secundária. Os raios laterais são dominados por teclas que comandam funções como telefone, controlador de velocidade e navegação pelos menus do computador de bordo. Os de áudio ficam atrás dos raios, uma tradição da Chrysler que foi adotada pelos italianos após sua absorção em 2009.

O console central segue a tendência de formas horizontais: evita a aparência de coluna, que avança rumo aos passageiros e parece dividir a cabine, e dá mais espaço aos componentes. Por outro lado, formas conservadoras e comedimento no uso de acabamento cromado procuram reforçar o parentesco da Toro com Renegade e Compass. O único pecado notório na cabine é oferecer central de áudio com tela pequena: fica feia por si só, ao precisar de botões grandes para o uso, e destoa do ar de modernidade da picape.

 

 

Como convém a um veículo de caráter mais sério, o restante do painel é simples como um todo, com alguns acessórios em cor contrastante. As saídas de ar são mais verticais que na maioria dos automóveis, para evocar a imagem das picapes maiores. Como esse tipo de veículo tem cabine alta, em geral, usa-se esse formato das saídas para otimizar a climatização do ambiente.

Talvez para não elevar o custo de produção, a Fiat optou por dar aos painéis das portas estilo independente do painel central. Alto-falantes e puxadores têm um tamanho que só não parece exagerado por se tratar de um veículo de grande porte. A porção do revestimento em tecido (ou couro, de acordo com a versão) é grande o suficiente para um contraste agradável com a região de plástico preto, a fim de evitar uma sensação de pobreza que seria imperdoável nessa faixa de preço.

 

 

A grafia interna dos instrumentos pode ser alterada facilmente e com custo baixo. Além disso, é um item que o motorista consulta com frequência, portanto é comum idealizar um estilo para cada carro. Aqui, o quadro da versão Ranch reforça sua origem fora de estrada ao usar a cor marrom e ao marcar o limite de rotações com uma mancha de lama. As luzes-piloto ao redor da base dos ponteiros ajuda na simetria e torna a aparência geral mais limpa.

Telas nessa posição já são comuns entre os carros modernos. A da Toro chama atenção pelo formato arredondado nas laterais, que segue o dos instrumentos analógicos. Não chega a permitir ver mais informações, mas o impacto no visual é muito positivo: a tela se torna mais integrada aos componentes que a rodeiam e a área vazia fica menor. A impressão de atenção aos detalhes faz toda a diferença.

 


 

No que se refere a estilo, é fácil perceber que a Toro tem tudo para, finalmente, firmar a Fiat da América Latina em categorias de mercado superiores. Essa missão se torna mais louvável quando se nota um detalhe: o fabricante não está mais tentando se encaixar no padrão dessas categorias, como fez com sedãs e hatches. Em vez disso, resgatou a vontade de inovar e enfrentar aqueles padrões de frente. A julgar pelos registros de vendas, ela encontrou o caminho certo.

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