Febre nos anos 90 e 2000, o desenho inspirado em automóveis antigos perde o apelo e a adesão de várias marcas
Não há consenso sobre quem teve a ideia. Para uns foi a Chrysler com o Dodge Viper, apresentado como carro-conceito em 1989 e que parecia uma reinterpretação do Shelby Cobra. Para outros coube à Mazda com o primeiro MX-5 Miata, lançado no mesmo ano, embora mais pela proposta que pelas formas. E alguns atribuem o pioneirismo à Volkswagen com o Concept One de 1994, primeira releitura do Fusca, que daria origem ao New Beetle quatro anos mais tarde. O fato é que logo vieram mais casos, como o BMW Z3 de 1995 e o primeiro estudo para um novo Mini, ainda pelas mãos da Rover, dois anos depois.
Cada um com sua proposta, esses carros tiveram algo em comum: a inspiração de desenho em automóveis do passado da mesma marca ou de outro fabricante. Um formato que ganhou força na década passada, mas parece estar caindo em desuso.
Dodge Viper e Mazda MX-5 em 1989, BMW Z3 em 1995, VW New Beetle em 1998: exemplos do começo da onda que trouxe de volta linhas do passado
Uma das criadoras do “estilo retrô”, a Volkswagen tirou de produção o Fusca (ou Beetle, Maggiolino, Coccinelle…) que sucedeu ao New Beetle e, ao menos por enquanto, não se prevê o lançamento de outro “besouro”. Por várias vezes, minivans de conceito da marca apareceram em salões com formas que lembravam as da Kombi original, a primeira delas (Microbus) 18 anos atrás, mas nenhuma chegou à produção.
A onda nostálgica também perdeu o sentido para outras marcas. Embora mantenha o Dodge Challenger com certa semelhança ao dos anos 70, a Chrysler não fez sucessor para o PT Cruiser (fabricado de 2000 a 2010), tampouco para o Plymouth Prowler — lançado em 1997, renomeado Chrysler quando a divisão Plymouth foi abolida, em 2001, e tirado de linha no ano seguinte. A mais recente geração do Viper também tinha pouco de “retrô” e, afinal, o grande carro esporte agora é passado.
No Mustang atual, a tentativa de lembrar antigas gerações não vai além das lanternas em três seções e da clássica simulação de tampa de bocal de combustível
A Ford não tem boas lembranças de sua ressurreição do Thunderbird, em 2001: com vendas em constante declínio, deixou o mercado norte-americano em 2005 sem sucessor. No Mustang as tentativas de lembrar antigas gerações ficaram para trás. O modelo atual, lançado em 2014, não vai além de usar lanternas em três seções e a clássica simulação de tampa de bocal de combustível na traseira. O supercarro GT de 2017 também mostra escassa semelhança ao carro de corrida GT40 que venceu a Ferrari em Le Mans — bem menos que o GT anterior de 2004 a 2006.
Outra que desistiu de olhar para o passado foi a General Motors. Foram só três anos (2003 a 2006) de fabricação da SSR, misto de picape e roadster que remetia aos anos 50. O utilitário HHR durou pouco mais, de 2006 a 2011, mas nenhum deles teve sucessor. No Camaro a releitura de desenhos da década de 1960, evidente na quinta geração de 2008, foi bastante diluída em seu sucessor de 2015 que hoje vemos nas ruas.
Na BMW, o passado inspirou os roadsters Z3 de 1995 e Z8 de 1999, mas não houve sequência. No sucessor do primeiro, o Z4 de 2002, a ousadia predominava e o Z8 saiu de linha um ano depois sem substituto. Também abandonaram a onda a Toyota com o FJ Cruiser de 2006, inspirado no Land Cruiser que no Brasil tivemos como Bandeirante, e a Alfa Romeo com o 8C Competizione de 2007. E algumas nem chegaram a aderir: ficaram no conceito o Lamborghini Miura de 2006, releitura do esportivo de 1966, e o Renault Fiftie de 1996, que lembrava o 4CV de 1947.
A inspiração no passado permanece firme, é verdade, na Mini e na Fiat. O pequeno hatch inglês do grupo BMW, que deu continuidade à linhagem do original de 1959, já está na terceira geração e rendeu uma variada família com cinco-portas, conversível, Clubman e Countryman. É curioso que de “míni” os atuais Minis não têm mais nada, com o comprimento que chega a 4,3 metros no último daqueles modelos.
Mini e Fiat 500 seguem firmes com desenho nostálgico, já na terceira geração do primeiro deles, mas não houve sucessores para Chrysler PT Cruiser e Ford Thunderbird
Na italiana, a recriação do 500 em 2007 — precedida pelo conceito Trepiuno três anos antes — deu tão certo que o modelo ainda é produzido, além de ter dado origem aos maiores 500L e 500X, todos com o “bigodinho” cromado na frente. Há também o novo hatch elétrico Honda E, inspirado no N360 dos anos 60. Mas são exceções à regra.
Por que a nostalgia passou? Alguns fatores podem explicar.
Primeiro, não é fácil renovar o que foi desenhado olhando para trás. A Volkswagen até foi bem-sucedida com o último Fusca ao optar por um formato mais esportivo que o do New Beetle, enquanto a Mini tem conseguido evoluir o tema de seu hatch sem abandonar a ligação com o carrinho de pequenas rodas de Alec Issigonis. Para as outras marcas, porém, a missão de fazer um novo carro vinculado ao passado parece ter sido infrutífera.
Não é fácil renovar o que foi desenhado olhando para trás: para várias marcas, a missão de fazer um novo carro vinculado ao passado parece ter sido infrutífera
Segundo, o estilo “retrô” raramente é funcional, pela difícil associação entre os padrões atuais de eficiência e segurança a formas de 50 ou 70 anos atrás. Quem entrou no New Beetle lembra o quanto era estranho o para-brisa lá adiante, com um painel imenso, enquanto o espaço no banco traseiro e o de bagagem eram sacrificados para permitir a linha curva do teto. Ele nada tinha da praticidade do Golf que lhe cedia plataforma e mecânica. Há também a questão aerodinâmica, cuja importância aumenta com a atual necessidade de reduzir o consumo e as emissões de CO2. Para dar uma ideia, o coeficiente aerodinâmico (Cx) de 0,39 do PT Cruiser era típico de carros 20 anos mais velhos.
A principal razão do declínio, porém, parece ser a mesma que originou a tendência: a emoção, o desejo do consumidor. Houve um tempo em que o estilo nostálgico trazia charme, era a última moda, e assim várias marcas reviraram os arquivos para encontrar desenhos e detalhes que merecessem releitura. Esse tempo passou, novos desejos surgiram — como o de ter um utilitário esporte, mesmo sem qualquer uso de aptidão fora de estrada. E assim o desenho retrô, com perdão pelo trocadilho, ficou no passado.
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