Comandos e instrumentos: como devem ser e atuar

Editorial

Há diversas abordagens para a forma e a função do que cerca o motorista: essas são minhas preferências no assunto

 

Não está escrito em lugar nenhum como os comandos dos automóveis devem ser projetados. Carro precisa de alavanca de transmissão automática ou bastam botões? São mais práticos controles giratórios ou telas e painéis táteis para o máximo de funções? Onde devem estar os comandos de vidros?

Embora a prática já tenha indicado em muitos casos as melhores soluções em termos de forma e função, ainda se vê grande variedade, seja entre as marcas, seja entre os modelos do mesmo fabricante. Portanto, estamos longe de um consenso: influem preferências, tradições e abordagens em relação ao fator custo — cada vez mais importante em qualquer segmento.

Dezoito anos de avaliações de automóveis, mesclando marcas e categorias, trouxeram-me algumas convicções sobre como prefiro os comandos e recursos de um carro. É uma questão pessoal: provável que o caro leitor ou leitora tenha outras predileções, as quais terei prazer em conhecer pelo espaço de comentários. Vamos então revisitar minha concepção de como deve ser a interação entre homem e máquina, em ordem alfabética.

• Alavanca de transmissão automática: não faço questão da tradicional, que muitas marcas vêm abandonando, pois já não existe conexão mecânica entre alavanca e caixa. Uma minialavanca como na Citroën C4 Picasso, botões no console (como em Ferraris, Maseratis e… Fiat Uno) ou o botão giratório da Jaguar e da Land Rover (foto) são válidas alternativas. Mas precisam ser bem feitas: o comando dessas inglesas me incomoda pela lentidão em “aparecer” ao dar partida e em aceitar as mudanças de posição.

• Ar-condicionado: rejeito a interface com painel sensível ao toque, como nos Hondas City e HR-V. Sem botões físicos, é preciso olhar para o painel para os ajustes (o tato de nada serve) e ainda se pode desviar o dedo da função desejada por causa de uma irregularidade da via, tão comum no Brasil. Ainda que pareçam antiquados, botões de girar para as funções básicas de temperatura e rotação de ventilador são insuperáveis. Carro não é celular, ao contrário do que muitos devem achar hoje.

 

Difusores devem distribuir o ar pela região superior da cabine: não se refrigeram os ocupantes, mas o ambiente

 

• Comando de faróis: gosto mais de girar a alavanca esquerda da coluna de direção. Para comutar entre fachos alto e baixo prefiro puxá-la contra o volante, desde que: 1) o farol sempre se acenda em baixo; e 2) exista um batente bem definido para evitar passar ao alto quando se quer lampejá-lo. O arranjo de alguns Fiats é ideal nesse quesito.

• Conexões de áudio: auxiliar, USB, padrão Apple, HDMI, cartão SD… A variedade cresce e as fábricas já não querem deixá-las à mostra, pelo fator estético ou para manter ocultos os aparelhos conectados. Sem problemas colocá-las em porta-objetos fechado, mas escondê-las sob o console fixo, como no Honda HR-V, é incompreensível. Também não gosto de conexões no porta-luvas pelo acesso desconfortável. E nada justifica hoje a ausência de conexão USB, como no VW Up com navegador e alguns Audis.

• Controle elétrico de vidros: prefiro na porta do motorista com repetidores em cada porta, para acioná-los com a mesma mão que pagou o pedágio ou obteve acesso ao condomínio, por exemplo. Botões no console estão protegidos da chuva, mas alguns ficam muito à frente e outros muito recuados, como comandos traseiros montados aos pés de quem viaja atrás.

• Difusores de ar: devem distribuir o ar pela região superior da cabine, onde se concentra o ar mais quente (e leve). Não se refrigeram os ocupantes, mas o ambiente. O aumento dos sistemas de entretenimento tem levado a difusores centrais distantes entre si (acabam emitindo ar nos passageiros), muito baixos (caso dos Peugeots 208 e 2008 — já foi um mal crônico dos Fiats) ou atrás da tela, como no Volkswagen Up.

 

 

• Freio de estacionamento: aprovo o acionamento elétrico e sua liberação automática, assim como o sistema de retenção (Auto Hold) que mantém o carro freado nas paradas, dispensando a pressão contínua ao pedal. Obsoleto e inadequado é o pedal de modelos com foco no mercado norte-americano como o Honda CR-V.

• Iluminação dos mostradores: vermelho e laranja são muito funcionais, mas saíram de moda a tal ponto que o branco se tornou obrigatório. Nada errado com ele, assim como o também esquecido verde. Ruim era o azul escuro e sem contraste adequado com o fundo preto dos Volkswagens de anos atrás, absorvido pela JAC no Brasil.

• Instrumentos digitais: são bom recurso hoje, com resolução e detalhamento muito maiores que nos “mostradores de relógio” dos anos 80 e 90, mas cabe cuidado para não poluir o conjunto. Uso o repetidor digital de velocidade sempre que disponível.

• Marcha à ré: minha forma preferida de engate é à direita da quarta (ou da sexta), sem anel-trava, pois já existe bloqueio interno na transmissão contra o engate indevido. Acionar anel-trava ou apertar a alavanca para baixo é necessário quando ela fica ao lado da primeira, mas já aconteceu de não se liberar a trava na mudança sucessiva primeira-ré, mantendo a ré engrenada quando pensava ter posto a primeira.

 

Quadro de instrumentos à frente do motorista, sempre: o central varia de aceitável (C4 Picasso) a lamentável (Etios)

 

• Navegador: a inserção de endereços deve ser prática, com toques na tela, bons comandos de voz (como em alguns Fords) ou, melhor ainda, comandos no console como usam Audi e BMW (leia mais adiante). A PSA Peugeot Citroën enfim está abandonando a infeliz inserção por botão giratório, letra por letra. Contudo, nos grandes centros só vejo sentido em sistemas com atualização de trânsito como o Waze: navegadores convencionais me ajudam pouco mais que uma bússola.

• Quadro de instrumentos: à frente do motorista, sempre. A montagem central varia de aceitável (como na C4 Picasso, com quadro digital de ótima leitura) a lamentável (no Toyota Etios, com mostradores analógicos em arco). Não me oponho à leitura por cima do volante, como nos 208 e 2008 (todo o quadro) e no Honda Civic (parte dos mostradores), mais próximos do campo visual ao dirigir.

• Seleção manual de marchas em caixa automática: na alavanca, acho essencial o canal à esquerda. Nada de mudanças laterais, como nos Mercedes-Benz e Chryslers de outrora, nem de botão no pomo da alavanca, como em alguns Fords e Chevrolets. Prefiro subir marchas para trás e reduzir para frente, o “padrão BMW”, que corresponde aos movimentos de nosso corpo pela inércia ao acelerar e frear. Para comandos no volante, gosto que o acompanhem em seu giro: os solidários à coluna de direção ficam fora do alcance em curvas.

• Regulagem de altura do banco: o tipo mais comum, em que se puxa a alavanca para cima (subir o assento) ou para baixo (descê-lo), funciona bem. Lamentável é aquele em que a alavanca destrava o assento, regulado então pelo peso do motorista sobre ele: no primeiro uso é certeza se “desabar” para a posição mais baixa, não raro tomando um susto.

• Retrovisores externos: sem dúvida, lente biconvexa em ambos os lados. A convexa é razoável; a plana, inaceitável para mim, pelo campo visual limitadíssimo. Também não gostei da pequena lente convexa acoplada a espelho plano que a Ford usou em alguns Fiestas e Fusions: a lente é diminuta e sua proporção de tamanho da imagem, diferente do que se usa em qualquer carro, dificulta o cálculo de distância em mudanças de faixa.

• Tela de navegação e entretenimento: a interface por toques é limitada, pois a tela não pode ficar tão alta (seria cansativo um acionamento mais longo) nem tão baixa (ficaria menos visível enquanto se dirige). Por isso, a melhor solução é a de marcas como Audi (ao lado) e BMW: comandos no console, em posição cômoda para o braço, controlam a tela em posição elevada. De quebra, ao não se tocar na tela evitam-se manchas com dedos engordurados.

• Toca-CDs: pode ser útil para alguns, mas já não uso há anos.

• Tomada de 12 volts: como ainda preciso do celular à vista para usar o Waze na maioria dos carros, a tomada deve ficar a distância razoável do para-brisa e não lá atrás no console, como acaba de ocorrer na versão 4×4 da Fiat Toro. Há carros que substituíram a tomada por uma saída USB de alta amperagem para carregar dispositivos: sem problemas.

• Travamento central de portas: botão na porta do motorista, sempre. É chato estar fora do carro, precisar abrir portas de passageiros ou porta-malas (muitos carros abrem-nas em dois estágios, para segurança pessoal) e ter que se debruçar até o painel para alcançar o botão.

• Volante: nada melhor que o clássico padrão de quatro raios com o botão de buzina no centro.

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Fotos: Fabrício Samahá (transmissão e freio) e divulgação

 

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