Quanto mais alto o carro, melhor?

Eu-um-Carro-e-a-Cidade

Sou valorizador do automóvel mais baixo, que estimula a experiência de direção, contra a corrente dos dias de hoje

 

Se você dirige — como eu — um automóvel e não um utilitário esporte, é grande a chance de você parar em um semáforo na faixa do meio de uma avenida qualquer e, ao olhar para um dos lados, ver na linha dos olhos uma maçaneta. Na época em que os carros tinham apenas a altura suficiente para uma pessoa normal caber sentada, o comum era olhar para os lados e ver um outro ser humano ao volante do carro, ou os passageiros, através dos vidros laterais. Hoje, isso só será possível se você também fizer parte do time dos portadores de SUVs e dirigir distante alguns bons centímetros acima do chão.

São carros bonitos, até, mas nos afastam da essência emocional da direção. Os grandes centros urbanos têm sua parcela de culpa na popularização desse conceito de carro. Pena. Os autos afogaram-se na sua própria maldição e a verdade é que ninguém mais anda como gostaria. Por conta disso, dirigir se transformou para muitos em uma experiência detestável, posicionada na margem oposta à do prazer, e o resultado foi a demonização do carro. A difusão de SUVs talvez venha desses tempos que vivemos, pensados para anestesiar nossos momentos de direção que eram, nos primórdios, uma diversão de adultos.

 

Carro mais baixo segue a lógica da pilotagem, em que o piloto sente a velocidade de forma mais visceral por estar próximo ao elemento estático: o chão

 

Não se trata de ignorar a experiência de um BMW anabolizado, mas de valorizar o contato corpo-máquina-solo

É triste, pois essas pessoas não experimentam o que se pode classificar como “experiência verdadeira de direção”. Certo, o leitor pode me chamar de pateta por ignorar a experiência de coisas como um Porsche Cayenne ou um desses BMWs anabolizados que são utilitários de 250 km/h. Mas não é disso que falo. Falo de contato corpo-máquina-solo. Para ser mais acessível, vou num exemplo bem prosaico, mas que ilustra bem: os Volkswagens Gol e Fox.

Num Fox, que é da tal escola van-SUV, o motorista se senta como se estivesse em uma cadeira na cozinha, mesmo na posição mais baixa. A coxa fica paralela ao solo e a perna faz um ângulo de 90 graus no joelho. Acionar os pedais é o suplício da má ergonomia, esmaga a coxa contra o assento e acelera a trombose. Tudo porque quer dar ao motorista uma sensação de isolamento do chão – quanto menos chão, melhor. Veja você: venderam como novidade algo que a Kombi fazia desde os anos 40…

No Gol, é o oposto. A posição mais baixa é realmente muito baixa. O assento faz um ângulo ascendente, pois as pernas traçam um ângulo mais agudo. Se apoiar os pés no assoalho, as coxas de desgrudam do assento. Acionar pedais fica mais intuitivo. A alavanca de transmissão fica mais próxima à mão sem precisar ser longa ou montada em um alto console. O chão está mais perto. É a lógica da pilotagem, onde o piloto sente a velocidade de forma mais visceral por estar próximo ao elemento estático: o chão. Rolimã a 5 km/h parece a mach 0,9. O SUV tem a lógica do avião, onde a 900 km/h parece que se está a 20 por falta de referência visual. Isso para mim não é dirigir, é ser conduzido.

 

 

Coisas diferentes têm ciclos

Existe pressão por novidades o tempo todo no mundo do consumo e com automóveis não é diferente. Excetuando-se o essencial — picapes, hatches e sedãs, que representam o mais básico na hierarquia móvel — os segmentos onde circula uma certa quantidade a mais de dinheiro é ávido por coisas diferentes que têm lá seus ciclos. Vestuário é assim, tecnologia é assim.

Há não muito tempo a voga eram as minivans, e quem não se lembra? A tal van-filosofia, que trouxe milhares de Chevrolets Zafira, Citroëns Xsara Picasso e Renaults Scénic às ruas. O barato era parecer mais alto, era ter espaço pra cima e não pros lados. A Volkswagen estragou o Polo pra fazer o Fox, altinho. Na Europa, fizeram o tal Golf Plus na quinta geração, altinho. A GM conseguiu a proeza de transformar um ovo (o primeiro Corsa nacional) em uma caixa para extrair o Agile, altinho. E Meriva, Fiat Idea, Nissan Livina… Saudosos carros (menos o Agile, claro).

Teve tempo em que o importante era atribuir ao carro uma aura de bólido de pista. A modinha da diferenciação era ter versão esportiva de verdade. Quem queria carro e tinha prata desejava siglas: XR3, GTS e GTI, GSI, SS e por aí vai. Isso era de um período onde o automóvel representava, ainda, uma experiência de direção e havia espaço para tal.

Na minha pífia e desimportante opinião, ainda acho que a tendência do carro alto é uma grande moda e nada mais. Vai passar. Quando todo santo ser vivo nesse planeta, dos humanos aos protozoários, estiver a bordo de utilitários esporte, haverá espaço para novas ideias. Todos querem ser iguais e quando, finalmente, todos se igualam, buscarão o diferente: esse é o humanoide. Quem sabe a nova moda seja de anfíbios do tipo hovercrafts? Diante do jeito que São Paulo fica nas tardes de verão, vamos torcer.

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A coluna expressa as opiniões do colunista e não as do Best Cars

 

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