Com algumas dicas, é mais fácil saber qual comprar — e como cuidar do mais importante equipamento de segurança
Comprei um capacete! Grande coisa, você poderia dizer. Afinal, são vendidos quase dois milhões de capacetes por ano no Brasil. O surpreendente dessa notícia é que desde 1977 eu não entrava numa loja para comprar capacete! O último tinha sido um SS Induma, com entrada de ar, imitação de um Simpson australiano. Com esse capacete eu corria de kart e andava de moto. Logo depois virei jornalista e piloto de teste e passei a ganhar tanto capacete que nunca mais comprei… até uns meses atrás.
Dizem que homens compram as coisas porque precisam. E as mulheres compram porque — elas dizem — está barato. Eu tive meu dia de mulher. Dificilmente eu entraria numa loja para comprar um capacete, uma vez que eles é que vêm até mim. Mas em um passeio por Morungaba, interior de São Paulo, entrei na loja de um grande e velho amigo.
Não pretendo revelar marcas nem nomes por questão de ética, mas dei de cara com uma coleção nova de capacetes italianos, réplicas de pilotos dos anos 70/80 como Giacomo Agostini, Mike Hailwood, Kenny Roberts e Johnny Cecotto. Eram lindos e icônicos, mas também muito leves e bem-acabados. Aí fiz aquilo que jamais deveria: vesti o capacete. Ai, ai, o tecido era muito suave e ele envolveu minha cabeça como se fosse feito por encomenda.
Ainda estava em dúvida porque realmente não preciso comprar um capacete, assim como um tenista profissional não precisa comprar uma raquete. Perguntei o preço e veio a surpresa: era muito mais barato do que imaginava e, para piorar, o dono da loja ainda ofereceu um megadesconto. Não teve jeito: comprei a réplica do Johnny Cecotto, campeão mundial de motovelocidade de 350 cm³ em 1975, que conheci pessoalmente. E realmente é ótimo.
Há modelos com custo decente e alto nível de proteção, mas tente interpretar o valor como investimento, no qual o maior rendimento é a segurança
Comprar capacete envolve certa dificuldade: são centenas de opções, com preços que variam de R$ 150 a R$ 5.500. Por isso decidi criar um guia de escolha.
Primeiro, lembre que é a sua vida que está em jogo. Vejo pessoas até esclarecidas comprando o que existe de mais barato com a única intenção de cumprir a lei. O cérebro é um órgão vital (sim, o bolso também é) e uma lesão pode gerar sequelas graves e permanentes. Por isso, a primeira dica é: não economize na sua vida.
Se existe uma variedade de preços tão grande, não apele para as extremidades — nem o de R$ 5.500 e muito menos um de R$ 150. No meio do caminho há modelos com custo decente e alto nível de proteção. Mas tente interpretar o valor como investimento, no qual o maior rendimento é a segurança. Lembre que capacetes duram muito. Se não ocorrer nada de grave, pode calcular cinco anos de uso normal. Motofretistas consomem mais rápido porque ficam expostos mais tempo ao sol e o ato de tirar e colocar o capacete comprime a camada de estireno (isopor). Portanto, um capacete de R$ 5.000 significa R$ 83 por mês, pouco pelo enorme benefício que oferece.
A segunda pergunta é: para que eu quero um capacete? Existe desde o capacete de fora de estrada até os jets ou abertos. Vejo nas ruas pessoas com capacete aberto porque rodam de scooters: saiba que a dureza do asfalto não muda com o tipo de moto — e 35% dos traumas crânio-encefálicos acontecem por compressão do maxilar. As velocidades mais comuns de acidentes são abaixo de 50 km/h. Por isso não importa o tamanho da moto, mas sim o tamanho da pancada.
Um modelo bem versátil são os de fora de estrada, que permitem boa ventilação, mas devem ser usados com óculos próprios e não são recomendados para alta velocidade, porque a pala empurra o capacete para cima. Já o modelo articulado (“Robocop”) é um dilema: versátil para quem trabalha nas ruas todos os dias, mas usá-lo aberto o tempo todo reduz sua eficiência. Além disso, uma lei federal exige a retirada do capacete para entrar em locais públicos, até posto de gasolina.
Às vezes ficamos horas com o capacete enfiado na cabeça, portanto ele precisa ser confortável. Deve ficar justo, sem pressionar demais, mas nunca folgado. Alguns capacetes ficam tão folgados que parecem um sino de Igreja. O capacete deve “abraçar” com suavidade o rosto do motociclista.
Pequeno, médio ou grande
Apesar de o Brasil ter um mercado de motos bem estabelecido, as marcas de capacete ainda trabalham com grade reduzida de tamanhos. Para saber qual o número do seu, meça com fita métrica o perímetro da cabeça na altura da testa. O número que aparecer na fita é o do capacete. Em geral entre os homens é de 57 ou 58, mas só as marcas mais sofisticadas têm numeração de 1 em 1 cm. Os capacetes mais simples só oferecem números pares: 56, 58, 60, etc. Entre o maior e o menor, escolha o menor porque ele laceia rapidamente. Se usa óculos de grau, prove o capacete com eles.
Existem dois tipos de fivela: a de duas argolas, comum em modelos de competição, e a de engate rápido, tipo de cinto de segurança. As duas oferecem alto grau de segurança, mas o engate rápido de plástico apresenta desgaste — as argolas de metal têm a durabilidade do capacete.
Com relação ao material do casco, há dois tipos: plástico injetado e fibras compostas. Ambos são seguros e aprovados pelas normas técnicas de vários países. O de plástico, por ser injetado, tem produção em larga escala e menor custo. A laminação tem processo mais lento e escala menor, o que eleva o preço. Capacetes de fibra podem resistir a mais de uma batida no mesmo local, porque a fibra regenera-se em segundos, enquanto no de plástico a área impactada fica comprometida. De toda forma, se cair e bater o capacete no chão, ele deve ser substituído.
Tão importante quando o material do casco é a espessura da calota interna de estireno (isopor). Esse material não tem efeito memória como uma espuma: ao ser amassado, não volta ao tamanho original. É isso que deixa o capacete folgado depois de alguns anos. O simples ato de tirar e colocar já causa esse afrouxamento. Quando um capacete fica folgado a ponto de girar na cabeça, é hora de trocar: ele pode até sair da cabeça durante uma queda. Lembre, sua vida está em jogo.
Capacete deve ser flexível: quem distribui e absorve a maior parte da energia não é o casco, mas o estireno interno — por isso, é melhor que haja uma camada grossa
Existe um mito sobre capacetes: pensam que ele deve ser duro, quando na verdade deve ser flexível. Se fosse para ser duro, seria feito de ferro fundido. O casco não é o responsável pela absorção do choque: quem distribui e absorve a maior parte da energia é o estireno. Portanto, quanto mais grossa for essa camada interna, melhor.
Daí vem outro acessório: a viseira escura interna. Para abrigar essa viseira, a camada de estireno precisa ser reduzida pela metade na altura da testa. Se por um lado é confortável, saiba que sua cabeça está mais exposta. E se rodar com a viseira externa aberta e a interna abaixada, ainda pode ser multado, porque o Denatran não reconhece a viseira interna como peça homologada.
Até aqui não comentei a estética. Motociclistas que amam moto (como eu) fazem do capacete uma extensão da personalidade. Por isso precisa ser bonito (como eu!) e refletir a paixão pelo veículo. Capacete velho ou sujo, com a viseira riscada, indica uma pessoa relaxada e descuidada. Manter um capacete é bem mais fácil do que parece.
A limpeza externa é feita apenas com esponja, água e sabão. Nada de solventes, álcool, etc. Há produtos específicos para limpar plástico, mas água e sabão são suficientes. A viseira merece atenção especial — um pequeno risco pode ser um eterno aborrecimento, e viseiras são caras. Limpe com algodão, seque bem e passe um polidor para que as gotas de água não grudem na viseira quando chover.
A parte interna merece muita atenção, porque o suor gera fungos e bactérias que causam odor e aspecto viscoso. Quando pegar chuva, o ideal é secar com secador de cabelo na temperatura média. Deixe exposto com a abertura para o sol. Pelo menos uma vez por mês, pode-se aspergir spray de desinfetante tipo Lisoform. Capacetes precisam de luz, mas não gostam de ficar muito tempo no sol — deixe somente o necessário para secar a espuma interna.
Podemos ajustar o capacete quando ele fica folgado? Existem especialistas que conseguem trocar a forração interna para ajustar ao tamanho da cabeça. Se for um ajuste fino ao comprar um novo, tudo bem. Se for porque ele ficou velho, é melhor trocar: a camada de estireno já deve estar muito compactada.
Uso capacete desde os 12 anos, quando ganhei minha primeira moto. Bati muito a cabeça ao longo de todo esse tempo, competindo nas mais diferentes modalidades de motociclismo, e — aparentemente — estou normal. Além disso uso capacete na bicicleta, nas escaladas e agora no skate. Em todas essas modalidades já sofri acidentes nos quais o capacete salvou minha cabeça; por isso, conheço bem de perto sua importância.
E se engana quem acha que capacetes de bicicleta são enfeites. Uma das principais funções do capacete é reduzir a desaceleração causada por uma queda, que pode ser muito devagar (até a pé) ou em velocidade. O trauma crânio-encefálico começa pela desaceleração pelo impacto, que pode iniciar uma concussão cerebral, evoluir para um edema e até a morte cerebral. Acha capacete uma frescura? Faça o seguinte: venha correndo a pé e bata a cabeça na parede com tudo. Depois me conte como foi lá no hospital!
Coluna anteriorTite Simões é jornalista e instrutor de pilotagem dos cursos Speed Master e ABTrans
A coluna expressa as opiniões do colunista e não as do Best Cars