A história do grande evento francês, realizado desde 1898,
que se reveza com o de Frankfurt como principal salão da Europa
Texto: Fabrício Samahá – Fotos: divulgação
As “carruagens sem cavalos” ainda eram pouco numerosas na França quando, em 1895, o Automobile Club de France assumiu a tarefa de divulgar o automóvel a uma maior parcela da população. Três anos mais tarde era realizado o primeiro salão internacional de carros, bicicletas e esporte. Para comprovar que se tratava de um automóvel funcional, cada veículo exposto deveria antes percorrer por meios próprios o trajeto de ida e volta entre Paris e Versalhes.
Naquela primeira edição, a Exposicion Internationale d’Automobiles reuniu 220 expositores em uma área de mais de 6.000 metros quadrados. O espaço logo deu lugar a outro mais adequado: em 1901 o Salão de Paris — como se tornaria conhecido — ganhava o Grand Palais, que seria usado por 60 anos. Ainda assim faltou espaço para veículos pesados, que em 1906 passaram a ser mostrados na área externa. Após uma interrupção em 1909 o evento retomou a periodicidade anual, mantida até a eclosão da Primeira Guerra Mundial.
Imagens históricas do Salão de Paris, realizado por 60 anos no Grand Palais
Após o conflito ele voltava a se realizar em outubro de 1919, pouco antes do Salão de Londres, e trazia a novidade da área de avaliações para o público — para a qual a Citroën destinou nada menos que 50 carros. Fabricantes dos Estados Unidos também estavam presentes àquela edição, que contou com 664 expositores e apresentou o luxuoso Hispano-Suiza H6. Na década seguinte, embora sem edições em 1920 e 1925, o salão reuniu estandes luxuosos, festas de gala nas inaugurações e festivais de música. Em 1929 já eram 1.339 expositores. No ano seguinte, o enorme Mercedes-Benz 770 era um destaque.
Então vieram os efeitos da Grande Depressão, causada pela quebra da bolsa de valores de Nova York, e o mercado sentiu. Naquela década eram lançados no evento carros de grande importância histórica, como Citroën Traction Avant e Tatra T77 (1934). Outras novidades foram o Renault Celtaquatre em 1933; o aerodinâmico Voisin 135 Aérodyne no ano seguinte; o excêntrico Delahaye 135 e o Peugeot 402 em 1935; Lancia Aprilia e Peugeot 302 um ano depois; Renault Juvaquatre em 1937 e, no ano seguinte, o Delahaye 135 Figoni & Falaschi cupê. Ao fim dos anos 30, a Segunda Guerra Mundial fez cessar todos os salões do gênero.
O pioneiro Citroën de tração dianteira, o enorme Mercedes 770, o
extravagante Delahaye e o Aprilia, lançados no evento nos anos 30
Encerrado o conflito, o evento voltava a se realizar em outubro de 1946 — o primeiro na Europa — com uma curiosidade: em tempos de reconstrução física e econômica do continente e escassez de matéria-prima como o aço, o público em geral não podia comprar os automóveis expostos, a menos que obtivessem uma autorização do governo. Mesmo assim, 810 mil visitantes foram ao Grand Palais naqueles 10 dias.
A indústria ainda começava os projetos de novos carros, que chegariam em quantidade apenas na edição de 1948, com o 2CV da Citroën, o 203 da Peugeot e o Vedette da Ford francesa. Um ano depois vinha o Ferrari 166 Inter, primeiro modelo de rua da marca de Maranello; em 1951, o Simca Aronde e o Mercedes 220/300, o carro do chanceler alemão Adenauer; no ano seguinte, as linhas elegantes do Karmann-Ghia da Volkswagen dominavam a cena.
Do popular Citroën 2CV ao primeiro Ferrari de rua, passando pelo Peugeot
203 e o Mercedes 170 S, carros variados estrearam no pós-guerra
Espaço e visitação cresceram na década de 1950, em que fabricantes de toda a Europa e também de outros continentes fizeram do salão um dos mais relevantes do mundo. Em 1953 já eram 80.000 m² ocupados e, um ano mais tarde, o evento atingia um milhão de visitantes, que viram os lançamentos do Simca Vedette e do luxuoso Facel-Vega HK 500. Em 1955 era a vez do inovador Citroën ID/DS, do Peugeot 403 e até de um norte-americano, o Lincoln Mark II.
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Atrações de Paris na década de 1950: o sempre belo VW Karmann-Ghia, os
luxuosos Facel Vega e Lincoln Mark I e o conversível Floride da Renault
A presença do público passou a declinar e os lançamentos começaram a acontecer antes do salão. Por outro lado, 1957 registrou a primeira apresentação de um carro japonês — o Prince Skyline, mais tarde Nissan. O Ferrari 250 GT Berlinetta SWB apareceu na edição de 1959, e o Simca 1000, dois anos depois. No evento de 1962, Renault R8 e Alpine A110 eram duas das estrelas. Foi nesse ano que o salão mudou para Porte de Versailles.
Nos anos 60, Paris voltava a crescer em visitação, chegando a 1.060.000 pessoas em 1968. Entre os lançamentos estiveram o Ferrari Dino 206 Berlinetta Speciale em 1965, o Mercury Cougar (outro norte-americano) no ano seguinte e o Simca 1100 em 1967. E ainda os esportivos Ferrari 365 GTB/4 “Daytona” e Opel GT, os sedãs Jaguar XJ e Peugeot 504, o jipe Citroën Méhari, o cupê BMW 2800 CS e o conceito Alfa Romeo Carabo, todos em 1968. No ano seguinte, Peugeot 304, Renault 12 e Ligier JS1.
Nos anos 60 o evento causou sensação com o Ferrari “Daytona”, o conceito
Carabo e o Jaguar XJ6; o Peugeot 404 Cabriolet também apareceu
Na década de 1970 o cenário era de modéstia: em meio à crise do petróleo e a discussões sobre segurança e emissões poluentes, já não havia muito a celebrar em torno do automóvel. Com isso, uma antiga reivindicação de fabricantes era enfim atendida e o salão passava a ser bienal, alternado com o de Frankfurt, Alemanha. De 1977 em diante, os anos ímpares contariam apenas com o evento germânico; o francês ficaria com os pares.
Citroën GS e Opel Manta em 1970; a versão cupê do Mercedes-Benz SL no ano seguinte; Peugeot 104, Maserati Merak e o Citroën SM Ópera realizado por Chapron em 1972; o primeiro Porsche 911 Turbo, o avançado Citroën CX, o belo Ferrari 308 GTB e o Lotus Esprit em 1974; e os esportivos de motor central BMW M1 e Renault 5 Turbo (ainda protótipo) em 1978 foram destaques nos anos 70. Nos 80, os olhos voltaram-se ao estranho conceito Karin da Citroën (1980), ao primeiro Opel Corsa (1982), ao ousado Peugeot Quasar, ao sonho Ferrari Testarossa e ao acessível Seat Ibiza (1984), à perua 21 Nevada da Renault (1986) e aos sedãs Opel Vectra e BMW M5 em 1988.
Porsche Turbo, Maserati Merak, Citroën Opera e BMW M1 chamaram
público nos anos 70; na década seguinte, o Testarossa da Ferrari
apareceu assim como os conceitos Citroën Karin e Peugeot Quasar
Depois de assumir em 1988 o atual nome — Mondial de l’Automobile —, o salão manteve-se como palco para apresentações como a do luxuoso Ferrari 456 GT e as dos conceitos Renault Zoom e Volvo ECC em 1992; o Mercedes-Benz SLK de conceito e a superminivan Renault Espace F1 — com motor de Fórmula 1 — dois anos depois; o Ford Ka, o nostálgico Renault Fiftie e o ousado Mercedes-Benz F200 Imagination em 1996, o Peugeot 206 e os conceitos Bugatti EB 118 e Jaguar XK 180 em 1998.
Na edição de 2000 apareceram novos Opel Corsa e Ford Mondeo e os conceitos Porsche Carrera GT e Peugeot Féline; dois anos depois, o Audi A8, o Ferrari Enzo e o Porsche Cayenne; em 2004, o F430 da Ferrari e um novo Ford Focus. O supercarro Audi R8, o BMW X5 e o estudo C-Métisse da Citroën brilharam em 2006. Dois anos mais tarde foi a vez do conceito Lamborghini Estoque, do conversível Ferrari California e de um novo BMW Série 7; em 2010, do Range Rover Evoque (nascido do conceito Land Rover LRX), de um novo Ford Focus e dos esportivos conceituais Renault Dezir e Lamborghini Sesto Elemento.
Ousadia com o Mercedes F200 e o Bugatti EB 118, criatividade com o
Ford Ka e requinte com o Ferrari 456 GT nos anos 90; no período
recente, Paris foi palco para Carrera GT, California e o Renault Dezir
Entre os destaques de 2012 estiveram o roadster Jaguar F-Type, o Mercedes-Benz SLS com quatro motores elétricos e o conceito Porsche Panamera Sport Turismo, em forma de shooting brake ou perua esportiva. Hoje, mais de 1,2 milhão de pessoas visitam o Salão de Paris, que recebe 13 mil jornalistas de 100 países e expõe cerca de 100 lançamentos mundiais a cada edição.
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