O mesmo Nasser informa ter contatado um engenheiro, à época da FNM, que teria adquirido uma carroceria, das duas remanescentes da fábrica, após o encerrar da produção. Montou-o artesanalmente com peças de um FNM 2000 batido. O resultado final ficou prejudicado, pois o carro não possuía detalhes de decoração e os vidros eram substituídos por plástico. Este automóvel de construção extra-oficial desapareceu.
Localizar o Onça não foi trabalho fácil -- foi um empreendimento. Nasser,
alfista há ininterruptos 31 anos, colecionador de raridades nacionais (GT Malzoni, Brasinca GT 4200 com motor S, Willys Executivo, Fórmula Jr Willys Gávea, TIMB, Fissore) procurou um Onça durante 12 anos. Pesquisou, levantou dados, informações, anunciou. Se não achasse um exemplar, queria, pelo menos, comprovar o desaparecimento. Achou dois. Um incomprável. Adquiriu o outro, parado num galpão desde 1979. É o carro
da foto que abre este artigo.
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Nunca dirigi um Onça. Comecei minha carreira de Alfista em 1970, a bordo de um FNM 2000 feito em 1967, preto formal com estofamento em couro cinza. Havia sido o carro-reserva da presidência do Supremo Tribunal Federal. Para quem estava começando a advogar, impossível melhor princípio
jurídico-automobilístico.
Vivera os anos anteriores, onde a sofisticação dos FNM, os Alfa, como chamávamos, distinguiam-nos superiormente aos carros de nossa engatinhante indústria automobilística. O motor valente, com duplo comando e válvulas na cabeça, que girava alto, os pneus radiais, as cinco marchas; a buzina luminosa -- a piscada de farol alto, num botão junto ao da buzina --, ah, a atmosfera de um
JK, só o dono sabia.
Sensação mesmo era piscar os faróis do JK '67 avisando que ia ultrapassar
Simcas, Aeros, DKWs -- Fuscas e Gordinis nem merecem lembrança -- usando o motor a 5.700 rpm, sentindo o câmbio bem escalonado, a grande alavanca no pequeno espaço sob o volante, ouvindo o turbilhonamento da admissão, queima e descarga exaurindo pelo escapamento, continuação do coletor em desenho purista de quatro grandes curvas, ao qual havia sido tirado o silencioso e trocado pelo abafador -- o abafador de JK que serviu a todo
boy daquela época.
Ah, e esticar a quarta, cambiando para a quinta na janela do ultrapassado, era sensual... Se você sabe do que estou falando, sorrirá de saudade. Se não, não sabe o que
perdeu...
Este Onça não representa apenas a satisfação pessoal de um objetivo atingido, a láurea da teimosia. Ultrapassa o gesto ecológico de salvar da extinção um pedaço da história da nossa indústria. É uma máquina do tempo. Não vejo a hora de sentar neste
felino.
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Roberto Nasser, consultor, curador da Fundação Memória do Transporte, preservador da história do automóvel nacional e colunista do BCWS, é proprietário de
um Onça |
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