Com a série 1001, em 1964, acabava o constrangimento das portas "suicidas" a mulheres de saia, razão do apelido "dechavê" em que se transformou a pronúncia de DKW

Novidades em 1965, o Belcar e a Vemaguet Rio tinham mudanças internas e o bem-vindo Lubrimat, misturador automático de óleo ao combustível

Era tanta simplicidade, a um tempo em que ter carro era por si só um luxo, que poucas foram vendidas (1.173 unidades até 1964) e várias saíram das concessionárias já dotadas de acessórios, mais parecidas a uma Vemaguet comum. Com base nesse modelo foi estudado um furgão, o Furgomag, com chapas no lugar dos vidros laterais (exceto os das portas) e do traseiro, mas a idéia não chegou às ruas. Em 1963 as lanternas traseiras da Vemaguet mudavam de verticais para horizontais.

O sedã e a perua 1001, um ano depois, indicavam outra novidade: as portas "suicidas", que só os DKWs usaram entre os carros nacionais, enfim davam lugar a convencionais, abrindo-se para frente. Além do aspecto de segurança, havia a questão de constranger as moças de saia ao entrar e sair do carro. Essa característica havia transformado no uso popular a pronúncia "decavê" da sigla (o W tem som de V em alemão) em "dechavê" ou "deixa ver"... As novas portas também ocultavam as dobradiças, antes externas, e as rodas estavam meia polegada mais largas. No mesmo ano começava a história do Puma com motor DKW por meio do GT Malzoni. Continua

O recordista no Brasil
A Vemag se aproximava do fim, os sinais eram claros. A Auto Union pertencia à Daimler-Benz desde 1958 e fazia tempo que não se interessava mais pela atividade de sua licenciada Vemag. Em 1965 a Volkswagen comprou a Auto Union da Daimler-Benz. Tudo parecia mesmo caminhar para o fim — a Vemag em má situação financeira, a atividade de competições evidentemente ameaçada.

Havia um carro de Fórmula Júnior com motor DKW que pertencera ao piloto Bird Clemente, da Willys. Bird havia sido piloto da Vemag, mas as relações de amizade com o gerente de departamento de competições, Jorge Lettry, e com a diretoria eram antigas e prosseguiam, apesar de Bird pilotar para outra fábrica. A categoria não tinha ido adiante e os cinco F-Júnior fabricados por Toni Bianco estavam encostados. O que havia sido de Bird estava guardado no departamento de competições da Vemag.

Foi quando Lettry teve uma idéia: usar aquele chassi e envelopá-lo, com uma carroceria aerodinâmica e leve, para tentar estabelecer a primeira marca brasileira e sul-americana para o quilômetro lançado, como fecho de ouro da fase de competições da Vemag. Conhecedor como poucos da história das competições antes da Segunda Guerra Mundial, Lettry vislumbrou um DKW repetindo as tentativas de recordes da Auto Union e da Mercedes-Benz, com carros bem aerodinâmicos, na então nova autobahn que ia de Frankfurt a Darmstadt.

Lettry procurou duas pessoas que certamente topariam e viabilizariam a empreitada: o estilista Anísio Campos e o encarroçador Rino Malzoni (acima, Rino à esquerda, Anísio à direita e o piloto Norman no carro). Rino já vinha produzindo na fazenda da família em Matão, interior paulista, um grã-turismo sobre a plataforma mecânica do DKW, o GT Malzoni. A Vemag já competia com três desses carros e vinha obtendo grande sucesso.

Havia, assim, todas as condições para produzir o monoposto aerodinâmico em Matão. Anísio o desenhou e Rino o construiu, e o carro foi batizado de Carcará, O nome foi sugestão de Lettry, uma vez que estava em voga, pela voz de Maria Bethânia, a canção de mesmo nome escrita por João do Vale e José Cândido, inicialmente interpretada por Nara Leão. A ave de rapina falconiforme, que habita desde o sul dos Estados Unidos à América do Sul, combinava com o espírito desafiante do carro.

O F-Júnior foi transportado para a fazenda em Matão e começou o trabalho. Na base do martelo sobre uma armação de arame, verdadeiro trabalho artesanal, a carroceria de alumínio foi tomando forma. Uma vez pronto o carro, e antes de pintá-lo, começaram os testes dinâmicos em estradas e no Autódromo de Interlagos, em que foi plenamente aprovado. "É completamente liso em termos de aerodinâmica", comentou Lettry na ocasião. A sensação de aceleração na última marcha (quarta) era impressionante.

O motor DKW de três cilindros deslocava 1.089,4 cm3 e, totalmente desenvolvido para máxima potência, alcançava 103 cv a 6.000 rpm com o elevado torque de 11,7 m.kgf a 5.000 rpm. Para a alta velocidade prevista, foram usados quarta marcha e diferencial os mais longos possíveis, com pneus 165-15, embora resultasse numa relação final abaixo da desejável — apenas 30,6 km/h por 1.000 rpm.

Enquanto isso, Lettry conseguira a cooperação da revista Quatro Rodas, na pessoa do diretor de redação, o polonês Leszek Bilyk, que havia trabalhado na Vemag antes de passar à Editora Abril. A revista importou sofisticado equipamento de cronometragem eletrônica para o registro de velocidade, exigência da Federação Internacional do Automóvel (FIA) para esse tipo de prova.

Uma vez pintado de branco, como os DKWs da equipe Vemag, o Carcará, já identificado com o nome da ave nas laterais, foi levado para o Rio de Janeiro no fim de junho de 1966. No dia 29, nas primeiras horas da manhã e com um céu de inverno absolutamente azul, o Carcará estabeleceu a primeira marca brasileira e sul-americana para quilômetro lançado, atingindo 212,903 km/h, média de duas passagens, com o piloto Norman Casari, paulista radicado no Rio de Janeiro, ao volante.

A prova foi realizada num trecho plano da antiga BR-2 rodovia Rio-Santos (acima), que hoje atravessa zona densamente edificada como Av. das Américas, na Barra da Tijuca. Embora em local deserto na época, a pista foi fechada pela Polícia Rodoviária Federal.

Foi a última atuação da equipe Vemag — encerrada com chave de ouro, como Lettry tanto queria.

Bob Sharp

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