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Fabrício Samahá - Edição n°. 158 - 6 de setembro de 2003 |
O carismático engenheiro João Augusto do Amaral Gurgel sempre foi contra
o álcool. Dizia que este era o causador da inflação no Brasil. Na época
sucediam-se os planos econômicos, a moeda mudava de nome em intervalos
de tempo sempre curtos, a inflação era selvagem. Era a década de 1980.
A matemática dele era mais ou menos essa: subia o álcool, subia a
gasolina. O impacto do aumento na economia gerava inflação, que levava
os produtores do álcool a “corrigir” os preços, novamente causando
aumento de preço da gasolina. Uma bola de neve.
Naquele tempo os preços do álcool e da gasolina eram atrelados a 0,65,
ou seja, o litro do álcool tinha que custar 65% do preço do litro da
gasolina. Isso para compensar as diferenças de poder calorífico, e
conseqüentemente consumo, entre o combustível de origem fóssil e o
agrícola: era assim para que o custo por quilômetro fosse semelhante com
um ou com outro.
Na entrevista coletiva de imprensa para o lançamento do Gurgel Supermíni,
em 1989, um jornalista perguntou se a fábrica não produziria versão a
álcool do modelo. Gurgel disse que ficaria para mais adiante, no que o
jornalista retrucou, “Mas assim o sr. está indo contra os interesses do
Brasil”. Visivelmente alterado, Gurgel não hesitou em dizer, “A partir
de hoje não haverá mais nenhum Gurgel a álcool”.
Se isso lhe custou caro em termos de falta de colaboração do governo
para resolver certos problemas, como uma greve de portuários que travou
a chegada de câmbios vindos da Argentina, será muito difícil esclarecer.
O fato é que a Gurgel não existe mais. Uma fábrica de automóveis
nacional de verdade — capital e produto — pertence ao passado.
Hoje, quando vejo a indústria sucroalcoleira perturbando a questão
delicada que é a dos combustíveis, como o aumento do álcool e da
gasolina na última segunda-feira por causa do álcool, fico me
lembrando de Gurgel — pelo que li e pelo que os amigos me contam, já que
eu só tinha 14 anos em 1989.
Não dá para engolir essa história de safra e entressafra que explica a
gangorra do preço do álcool. Quanto mais se pensarmos que o Brasil está
a um passo de se tornar auto-suficiente em petróleo, um país que só tem
duas estações, Central e a Leopoldina, como os espirituosos cariocas
gostam de brincar. Não temos o inverno rigoroso que exige que todo mundo
ligue os sistemas de aquecimento da indústria e das residências, que nos
países situados em latitudes médias e altas provoca os |