A preservação da História

No primeiro artigo para a subseção História em Movimento,
uma surpresa sobre o trabalho esmerado dos japoneses

por Fabrício Samahá - edição de 1º. de novembro de 2003

Fabrício Samahá, editorDurante as duas últimas semanas, passei boas horas de meus dias (e noites) vasculhando publicações impressas e a internet em busca de informações históricas do Honda Civic, escolhido para Carros do Passado desta edição. Aliás, há tempo que eu devia uma explicação sobre o uso da palavra ‘passado’ na seção, se em muitos casos o modelo ainda está em produção.

Quando a seção começou, tratou sobre carros nacionais e estrangeiros que já não eram mais produzidos. Chegou então a vez de Uno, Santana, Escort e outros que ainda eram — ou são até hoje — fabricados. Como fazer? Mudar o nome da seção? Criar outra para atender a essa situação específica? Decidi continuar com Carros do Passado, nome que tinha dado certo, enquanto pensava no caso. Mas isso me martelava a cabeça.

Eis que, em conversa com o Bob (Sharp), percebi que esta era também uma preocupação dele. E recebi a sugestão: a partir desta edição, ainda dentro das comemorações do sexto aniversário do BCWS, Carros do Passado passa a trazer a subseção História em Movimento, dedicada a modelos ainda presentes no mercado. E nada mais oportuno para celebrar a criação da nova subseção do que falar sobre algo da maior importância: a preservação da História.

Na procura pelas informações do Civic, entre os poucos sites que localizei com informações consistentes, um me chamou a atenção: a própria sala de imprensa da Honda japonesa. Talvez por não estar habituado a encontrar bom material de história nas dezenas de sites semelhantes que conheço, simplesmente não fui direto a esse em busca das informações, preferindo uma busca pelo novo e bom Google. Mas o que encontrei me surpreendeu.

O site da Honda traz todos — eu disse todos — os informativos à imprensa divulgados nas últimas décadas, com direito, em boa parte deles, a fichas técnicas e tabelas de preços. E não são quaisquer fichas ou tabelas. A ficha técnica "à japonesa" inclui da capacidade do sistema de arrefecimento aos ângulos do alinhamento de rodas, passando pelas relações de marcha e pelos pesos das partes dianteira e traseira de cada versão de motor. E a lista de preços sempre considera os valores em várias metrópoles do pequeno país.

Já escrevi neste espaço sobre como as assessorias de imprensa brasileiras têm cuidado cada vez menos da parte técnica, desprezando informações de que muitos jornalistas necessitam para seu trabalho e muitos leitores para a escolha de seu próximo automóvel. Também já enfoquei a questão de como a memória da indústria automobilística é pouco considerada por aqui.

No entanto, a riqueza de informações daquele site — e, mais que isso, a dedicação daqueles assessores de imprensa — me impressionou. Não só pelo trabalho esmerado, mas pelo fato de que ele seria considerado, pela maioria das pessoas, um desperdício de tempo.

O Japão não é um país que acolha e valorize seus carros antigos. A legislação local é das mais severas do mundo no sentido de impor aos veículos usados, e nem tão usados assim, pesados impostos e custos de inspeção e renovação do licenciamento. É comum que automóveis com cinco ou sete anos de uso deixem de circular, pois as despesas para que se mantenham na ativa (incluindo a mão-de-obra de uma manutenção criteriosa) superam seu valor de revenda. Essa situação, aliás, se aplica a muitos outros produtos, de motocicletas e televisores.

Com isso, salvo colecionadores, quem teria aplicação para os ângulos das rodas do Civic 1972 ou algo parecido? Mas eles estão lá, disponíveis em diversos anos-modelo do carro, para informação do jornalista ou de qualquer interessado (o acesso ao site de imprensa não requer cadastro ou uso de senha).

São apenas detalhes, mas que mostram como os japoneses encaram algumas coisas na vida. Não têm carros muito usados em circulação, mas preservam informações preciosas sobre eles. E nós, que temos uma frota antiga e — em muitos casos — donos interessados em sua correta manutenção, não dispomos sequer de fichas técnicas decentes sobre os modelos que acabaram de chegar ao mercado.

Será que um dia chegaremos lá?

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