Que seja para todos

Automóveis não podem rodar a diesel, mas utilitários
de luxo, sim ― uma incoerência que merece revisão

por Fabrício Samahá

Fabrício Samahá, editorPor volta de um ano atrás, muito se falou na possibilidade de liberação da venda de automóveis movidos a diesel no Brasil. Os mais eufóricos chegaram a avaliar alguns dos muitos modelos produzidos aqui — o que não é de hoje — apenas para exportação, como acontece com quase todo modelo que almeje um mercado europeu ou sul-americano.

Isso porque apenas nos Estados Unidos, praticamente, o diesel ainda responde por parcela ínfima do mercado. Na Europa, sua participação entre os automóveis supera a da gasolina na França, Espanha, Áustria, Bélgica e Luxemburgo, estando perto do equilíbrio na Itália. Quem já viajou para países vizinhos, como Argentina e Uruguai, também pôde notar a freqüência com que se vêem carros alimentados pelo óleo — não raro brasileiros.

Por aqui, continuamos com três opções de combustível (gasolina, álcool e gás natural), já temos motores flexíveis, mas nada de carros a diesel. Por que mais esta peculiaridade brasileira?

Há uma razão técnica e uma econômica. A técnica é o alto teor de enxofre do diesel refinado no País, que o torna inadequado aos modernos motores de automóveis. Não é incontornável, porém: uma indústria que adapta carros a gasolina para consumir até 26% de álcool (oficiais — deixemos de lado os "rabos de galo" e os postos inescrupulosos) pode, sem dúvida, adequar motores a um diesel com mais enxofre, como já é feito com utilitários e caminhões. Ou, por outro lado, que se invista na melhoria do combustível, o que também não é difícil para uma Petrobras que produz a excelente gasolina Podium, com 102 octanas e baixo teor de enxofre.

O maior obstáculo está no motivo econômico. Dizia-se que o diesel era fortemente subsidiado, para conter os custos do transporte de carga, sendo a gasolina onerada para compensar o subsídio. Não é mais, mas pela diferença de preços entre esses combustíveis — bem maior que em outros países — percebe-se que o motorista de automóveis ainda paga mais impostos para que o diesel custe menos. E que possa sair mais barato rodar com caminhões, ônibus e... os utilitários esporte de luxo, que têm o direito de usá-los por uma brecha da lei.

Como resolver a questão? É um processo trabalhoso, que envolve o uso de transportes alternativos — por via férrea, fluvial etc. — para reduzir o consumo de diesel pelos caminhões. Mas, dentro da atual legislação, é flagrante o absurdo de que carros de luxo travestidos de jipes e picapes possam usar diesel, enquanto os donos de automóveis, não.

Ocorre que a lei permite motor a diesel em picapes, bastando que tenham capacidade de carga acima de 1.000 kg, e nos assim chamados jipes, utilitários com tração integral e reduzida. Isso inclui veículos como Grand Cherokee, Pajero Full e Land Cruiser Prado, que custam mais de R$ 150 mil. Faz sentido que seus usuários usem um combustível com menor tributação, às custas do pobre motorista de carro 1,0-litro?

Seria oportuno rever esta questão, limitando o uso do combustível a veículos realmente utilitários, como os furgões de passageiros (vans) e os classificados como caminhões leves, com peso bruto total acima de 3,5 toneladas.

Se é proibido, que seja para todos.

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Data de publicação: 28/11/03

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