Nas últimas semanas,
todos pudemos ver a reação dos americanos à alta de preços da gasolina.
O tipo intermediário (mid-grade), o mais usado lá, subiu de US$
1,58 para US$ 2,18 o galão (3,785 litros) nos últimos 12 meses (preços
médios no país), conforme a American Automobile Association, um aumento
de 38%. Surpreendidos, os motoristas protestaram muito e espalharam pela
internet correntes com o fim de boicotar postos, de uma distribuidora
por vez, para que elas se vissem obrigadas a conter os preços.
Enquanto isso, numa pobre nação do lado de baixo do Equador, as coisas
são um pouco diferentes. A gasolina brasileira não é só gasolina (a
quarta parte é álcool) e o tipo comum, que não contém os aditivos
presentes na americana ("opcionais" por aqui), custava na semana passada
em média R$ 1,85 na cidade de São Paulo, de acordo com a ANP, Agência
Nacional do Petróleo. Nesta quarta-feira houve aumento de 1,5%, o que
deve levá-la a perto de R$ 1,90 na média paulistana. Com o dólar a R$
3,16 na mesma data, o preço dos EUA corresponderia aqui a R$ 1,82 o
litro.
Isso mesmo. Entre dois países com renda per cápita tão diferente, mesmo
após os sucessivos aumentos que geraram tantos protestos por lá, nossa
gasolina ainda é mais cara que a dos americanos. O brasileiro é mesmo
muito bonzinho, como se dizia num programa humorístico de TV anos atrás.
Fica fácil entender como a Petrobrás obteve, no ano passado, o maior
lucro de sua história de 50 anos (R$ 17,8 bilhões), com aumento de 120%
em relação a 2002, uma cifra que impressiona. É que o reajuste dos
combustíveis se dá em cima de duas variáveis: o preço do petróleo no
mercado internacional e a cotação do dólar. E, embora o valor da moeda
americana tenha despencado durante o ano passado e o petróleo não tenha
subido na mesma proporção, praticamente não se viu redução de preço nos
postos. Continuamos pagando caro — muito caro — para abastecer os cofres
da estatal cada vez que entrávamos num posto.
Aqueles que consideram o automóvel um bem supérfluo, um meio de
transporte de luxo, alegam que seus proprietários podem bancar o preço.
Concordar com essa teoria é ignorar o enorme impacto que o custo dos
combustíveis gera na economia do País. Além dos transportes de carga e
de passageiros, baseados em sua maioria em veículos a diesel (que também
não ficou menos caro), é nos automóveis que se apóiam importantes
segmentos econômicos, da indústria que o produz ao turismo.
O preço injustificável da gasolina explica o rápido crescimento da
procura pelos modelos flexíveis em
combustível, já que o álcool hoje custa pouco mais da metade da
gasolina, em São Paulo (já considerado o aumento desta semana), e seu
rendimento por litro é apenas cerca de 30% menor. Mas, como os usineiros
de bobos não têm nada, já começam a impor aumentos a passos largos. É a
reprise de um velho filme.
Com o petróleo em alta lá fora e o dólar passeando por perto dos R$
3,20, a Petrobrás já revelou que pretende subir o preço dos combustíveis
caso esse patamar não se reverta a médio prazo — apesar de produzirmos
aqui mais de 90% do que consumimos. A mesma sistemática de preços que
foi esquecida durante o ano passado, quando não interessava à estatal,
volta a ser razão para aumentos.
Enquanto os americanos protestam, nós assistimos passivos à perspectiva
de uma mordida ainda mais dolorida a seus bolsos. Até quando?
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