De tempos em tempos,
vejo alguém dizer – com certa dose de razão – que o mercado brasileiro
parece ter retornado à década de 1980. Embora tenhamos hoje quatro vezes
mais fabricantes que os apenas quatro grandes daquela época, em um
aspecto estamos mesmo regredindo à fase pré-abertura das importações:
nossos carros começam a ficar defasados diante dos equivalentes do
Primeiro Mundo.
O tema rende longos debates, mas não é dele que falarei aqui – e sim de
um elemento da década de 1980 que, aparentemente, nunca mais teremos no
Brasil. Refiro-me à variedade de opções dentro de uma mesma linha, com
que a indústria contornava a limitação de número de modelos para atender
a diferentes consumidores.
O leitor se lembra de ser, àquela época, obrigado a aceitar um
revestimento interno preto como única opção? Isso era raro: a maioria
das marcas oferecia dois ou três tons de acabamento (Diplomata e Monza
Classic chegaram a seis!), entre os quais os derivados de marrom, hoje
extintos. Em nome de uma racionalização de produção e da redução de
custos – sempre ela –, todos os fabricantes concentraram-se em variações
entre o cinza e o preto, o que permite uniformizar os componentes
plásticos. Pensar em interiores em tom vinho ou azul (goste-se ou não,
isso é outro assunto), comuns no final dos anos 70, chega a parecer
inacreditável hoje.
O primeiro Escort, em 1983, dava-se ao luxo de poder vir com vidros em
tom bronze, para combinar melhor com certas cores de carroceria que os
verdes, hoje padronizados (na década de 1990 um importado, a Tempra SW,
chegou a ter três opções: azul, verde e cinza). E as cores externas? Em
certos automóveis hoje não passam de seis, muito pouco para agradar a
gregos e troianos.
Os fabricantes podem alegar que quase só vendem carros prateados – o
que, aliás, já cansou há tempos –, mas isso não seria conseqüência
também da falta de opções? Como esperar que o cliente seja original, que
saia da mesmice, se ele não gostar das poucas outras cores disponíveis?
A falta de escolha não se limita aos tons. Nos anos 80, enquanto não
providenciava um câmbio de cinco marchas, a Volkswagen dispôs do 3+E, um
quatro-marchas com relações mais espaçadas, ideal para quem queria
reduzir consumo e ruído em viagens. Hoje, a mesma VW impõe câmbios
curtíssimos em boa parte de sua linha, sem alternativa – ou se aceita a
definição que os engenheiros quiseram, ou se troca de marca.
A racionalização da fabricação aparece mais uma vez como desculpa, assim
como para a eliminação de itens como o teto solar de diversos modelos.
Mas a indústria nacional tem recuperado o volume de produção, que este
ano superará o recordista 1997. Com tanto volume, como entender tal
escassez de opções? Parece mesmo que alguém está querendo lucrar mais do
que seria razoável.
Em um belo vídeo da Porsche (o do 911 Turbo que consta de nossa
galeria), o narrador comenta como seria o
mundo se tudo tivesse de ser apenas funcional, sem estética,
personalidade, paixão. Aparecem então um homem, presenteando sua esposa
com um grampeador de papéis, e em seguida um vasto estacionamento com
dezenas de carros idênticos.
É a imagem que me vem à mente quando tento enxergar nosso mercado dentro
de alguns anos. Algo que todo entusiasta deve contribuir para que não
aconteça.
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