Quem dirige com
freqüência carros de diferentes marcas, modelos e procedências sabe:
cada automóvel — em geral um grupo de modelos do mesmo fabricante —
possui seu próprio jeito de andar, de responder aos comandos do
motorista e de transmitir-lhe sensações. Algo como uma "personalidade".
Dos muitos desafios das fusões de empresas e das parcerias de
desenvolvimento de veículos, este é certamente um dos mais difíceis:
fazer com que um carro projetado por duas marcas de filosofias
diferentes — às vezes opostas — chegue a um comportamento e a uma
"maneira de ser" que satisfaça os compradores habituais de ambas. E o
cenário, importante lembrar, é propício para mais fusões.
Certamente esse ponto foi crucial no insucesso de versões clonadas como
os Volkswagens Apollo, Logus e Pointer (baseados no Escort de duas
gerações) ou os Fords Versailles e perua Royale, variações do Santana e
da Quantum. Isso de 1987 a 1994, quando a união de dois gigantes chamada
Autolatina não resistiu à "coceira do sétimo ano" que, em inglês, foi
justamente o título de famoso filme — The seven year itch, com
Marilyn Monroe e Tom Ewell, que aqui se chamou O pecado mora ao lado.
Se o sétimo ano é mesmo de crise para as uniões conjugais, nessa
associação a afirmação acertou em cheio.
A Autolatina até que tentou diferenciar as marcas, apelando para a
desgastada (e equivocada) receita de Ford, conforto; Volkswagen,
esportividade. Não convenceu: o Apollo era apenas um Verona de
suspensão mais firme e câmbio curto, e o Verona, sua antítese —
suspensão macia e caixa longa. Nem mesmo a diferença de câmbios foi
aplicada ao segmento superior, de Santana e Versailles, o que os tornou
ainda menos distintos e contribuiu para o insucesso da versão clonada da
Ford. O modelo original da VW, como sabemos, ainda está firme e forte.
Quando se dirige um VW "verdadeiro" como o Gol, percebem-se sensações
que não se encontram em um Ford, qualquer que seja ele (embora o Gol já
tenha sido "falso" quando teve os motores AE-1000 e 1600 da Ford).
Sensações que provavelmente levam donos desse longevo líder de vendas a
permanecer com o modelo, ao mesmo tempo em que provocam rejeição em
outros motoristas. Isso se aplica às mais variadas marcas — e deve gerar
muitos problemas à Engenharia e ao Marketing de todas elas.
Carros de origem alemã costumam ter comandos mais pesados, bancos mais
duros, suspensão firme e controlada, que transmitem solidez. Os
italianos em geral são leves de operar (assim como os franceses) e têm
motores que atingem alta rotação sem dificuldade — o contrário do
conceito americano, de propulsores de baixa rotação e carros pesados,
porém bem macios. Os japoneses seguem a tendência dos comandos leves e
precisos, mas em geral não transmitem dinamismo, emoção. São como se
feitos para levar pessoas de um ponto a outro apenas (o que exclui,
claro, os notáveis esportivos daquela indústria).
O que acontece quando se tenta vender, por exemplo, um Fiat Stilo ou
Palio com motor da GM, ou um Mercedes-Benz SLK com outra carroceria e o
nome Chrysler Crossfire? Pode-se até conquistar um grande público pelas
qualidades do veículo, mas é inevitável que o cliente habitual da marca
se sinta em um carro estranho. Fica aquela sensação de que alguma coisa
não rima.
Esse é certamente um dos segredos das poucas marcas no mundo ainda
independentes, como a BMW e a Porsche: a essência de seus modelos é
facilmente percebida até pelo motorista menos atento. Por isso o cuidado
desses fabricantes quando arriscam em segmentos inéditos para eles, como
foi o de utilitários esporte. Mas quem dirige o X5 e o Cayenne pode
confirmar que a personalidade das marcas de Munique e Stuttgart foi
preservada.
Mas, partindo da premissa baseada na conhecida Lei de Lavoisier, de que
"na natureza nada se cria, tudo se copia", um exemplo a seguir é o do
Grupo PSA, fabricante dos Peugeots e dos Citroëns. Marcas que
compartilham de tudo e, mesmo assim, produzem carros com identidade e
sensações próprias.
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