Uma questão de sensação

As fusões e parcerias desprezam um importante fator no sucesso de
um automóvel: manter os elementos característicos da marca

por Fabrício Samahá

Fabrício Samahá, editorQuem dirige com freqüência carros de diferentes marcas, modelos e procedências sabe: cada automóvel — em geral um grupo de modelos do mesmo fabricante — possui seu próprio jeito de andar, de responder aos comandos do motorista e de transmitir-lhe sensações. Algo como uma "personalidade".

Dos muitos desafios das fusões de empresas e das parcerias de desenvolvimento de veículos, este é certamente um dos mais difíceis: fazer com que um carro projetado por duas marcas de filosofias diferentes — às vezes opostas — chegue a um comportamento e a uma "maneira de ser" que satisfaça os compradores habituais de ambas. E o cenário, importante lembrar, é propício para mais fusões.

Certamente esse ponto foi crucial no insucesso de versões clonadas como os Volkswagens Apollo, Logus e Pointer (baseados no Escort de duas gerações) ou os Fords Versailles e perua Royale, variações do Santana e da Quantum. Isso de 1987 a 1994, quando a união de dois gigantes chamada Autolatina não resistiu à "coceira do sétimo ano" que, em inglês, foi justamente o título de famoso filme — The seven year itch, com Marilyn Monroe e Tom Ewell, que aqui se chamou O pecado mora ao lado. Se o sétimo ano é mesmo de crise para as uniões conjugais, nessa associação a afirmação acertou em cheio.

A Autolatina até que tentou diferenciar as marcas, apelando para a desgastada (e equivocada) receita de Ford, conforto; Volkswagen, esportividade. Não convenceu: o Apollo era apenas um Verona de suspensão mais firme e câmbio curto, e o Verona, sua antítese — suspensão macia e caixa longa. Nem mesmo a diferença de câmbios foi aplicada ao segmento superior, de Santana e Versailles, o que os tornou ainda menos distintos e contribuiu para o insucesso da versão clonada da Ford. O modelo original da VW, como sabemos, ainda está firme e forte.

Quando se dirige um VW "verdadeiro" como o Gol, percebem-se sensações que não se encontram em um Ford, qualquer que seja ele (embora o Gol já tenha sido "falso" quando teve os motores AE-1000 e 1600 da Ford). Sensações que provavelmente levam donos desse longevo líder de vendas a permanecer com o modelo, ao mesmo tempo em que provocam rejeição em outros motoristas. Isso se aplica às mais variadas marcas — e deve gerar muitos problemas à Engenharia e ao Marketing de todas elas.

Carros de origem alemã costumam ter comandos mais pesados, bancos mais duros, suspensão firme e controlada, que transmitem solidez. Os italianos em geral são leves de operar (assim como os franceses) e têm motores que atingem alta rotação sem dificuldade — o contrário do conceito americano, de propulsores de baixa rotação e carros pesados, porém bem macios. Os japoneses seguem a tendência dos comandos leves e precisos, mas em geral não transmitem dinamismo, emoção. São como se feitos para levar pessoas de um ponto a outro apenas (o que exclui, claro, os notáveis esportivos daquela indústria).

O que acontece quando se tenta vender, por exemplo, um Fiat Stilo ou Palio com motor da GM, ou um Mercedes-Benz SLK com outra carroceria e o nome Chrysler Crossfire? Pode-se até conquistar um grande público pelas qualidades do veículo, mas é inevitável que o cliente habitual da marca se sinta em um carro estranho. Fica aquela sensação de que alguma coisa não rima.

Esse é certamente um dos segredos das poucas marcas no mundo ainda independentes, como a BMW e a Porsche: a essência de seus modelos é facilmente percebida até pelo motorista menos atento. Por isso o cuidado desses fabricantes quando arriscam em segmentos inéditos para eles, como foi o de utilitários esporte. Mas quem dirige o X5 e o Cayenne pode confirmar que a personalidade das marcas de Munique e Stuttgart foi preservada.

Mas, partindo da premissa baseada na conhecida Lei de Lavoisier, de que "na natureza nada se cria, tudo se copia", um exemplo a seguir é o do Grupo PSA, fabricante dos Peugeots e dos Citroëns. Marcas que compartilham de tudo e, mesmo assim, produzem carros com identidade e sensações próprias.


P.S.: Há duas semanas publicamos neste espaço que a Petrobrás pretendia não repassar para o preço dos combustíveis as variações da cotação do petróleo no mercado mundial. Quem disse que promessa é dívida? Acordamos hoje, 26/11, com gasolina e diesel mais caros, em que pese a recente desvalorização do dólar diante do real. Como diz a furada propaganda do governo, paga com nosso dinheiro, o melhor do Brasil são mesmo os brasileiros... que aceitam essa palhaçada e não reclamam.

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Data de publicação: 27/11/04

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