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Amigos, amigos, negócios à parte

Com um contrato que forçava a compra da Fiat, a General Motors
mostrou como se jogam dois bilhões de dólares pela janela

por Fabrício Samahá
Fabrício Samahá, editor

Em 1965 tivemos a “Pechincha do Século”, que foi a Ford Europa ter fechado contrato com a Cosworth Engineering para produzir um motor de Fórmula 1, com vistas ao novo regulamento de motores de aspiração natural de 3,0 litros, que vigoraria no ano seguinte. Nascia o Cosworth DFV com o nome Ford nas tampas dos comandos e válvulas. Tudo custou 100.000 libras esterlinas, quantia irrisória diante do 1,5 milhão da mesma moeda investidos para tornar a primeira marcha sincronizada nos Fords de produção. Daí falar-se em pechincha.

Em contraposição à “Pechincha do Século”, no caso o 20, temos a “Ferrada do Século”, só que agora o 21. A ferrada foi a General Motors Corporation — ela mesmo, a matriz, americana — ter de desembolsar praticamente dois bilhões de dólares para não se ver comprando algo que não queria, a Fiat Auto. Para que o leitor tenha idéia do que representa essa importância, dá para fazer quatro fábricas de 200.000 carros por ano.

Tudo começou em 2000, quando o presidente do conselho de administração da GM, Jack Smith Jr, decidiu fazer o que D. Pedro I fez ao ouvir seu pai, D. João VI, sugerir que proclamasse a independência: “Lance mão da Coroa antes que algum aventureiro o faça, meu filho”. Pois a GM quis pôr o pé na Fiat antes que outra empresa o fizesse — leia-se Ford ou Toyota, a ordem não importa. Comprou 20% do capital da Fiat e deu a esta 5% do próprio capital.

No contrato, assinado e divulgado com toda pompa e circunstância, havia um detalhe pequeno mas importante: passados cinco anos, se a Fiat Auto quisesse vender os 80% restantes, a GM teria de comprá-los, quisesse ou não, por um “preço justo”. Qualquer que fosse esse preço, seria uma operação vultuosa. Ou seja, em vez de opção, uma obrigação. Os advogados italianos deram um chapéu nos colegas americanos, é o que transparece do fato.

Dentro do bolo firmado em 2000 surgiram duas empresas constituídas de capital meio a meio das duas gigantes: uma de motores e transmissões, a Fiat-GM Powertrain, outra de Compras, a GM-Fiat Worldwide Purchasing. A idéia, boa, era a sinergia para produzir resultados: quem não tivesse motor passaria a tê-lo, e ambas fariam compras em conjunto e com isso levariam vantagem em preço. Consta que a fábrica de motores da GM em São José dos Campos ficou isolada no terreno por um muro, o da “nova empresa”.

Agora, com o distrato ocorrido no domingo (13), as duas firmas deixam de existir. Os funcionários deverão ser readmitidos (espera-se) nas respectivas empresas-mãe, o que sempre tem custo. O velho Muito barulho por nada, nome de peça de William Shakespeare, continua valendo firme e forte.

Por que eu quis conversar com o leitor sobre isso, neste editorial? Para mostrar que nem sempre os capitães de indústria acertam, sobretudo nessas fusões miraculosas. Aqui no Brasil a Autolatina (Ford-Volkswagen) durou sete anos — não agüentou o comichão do sétimo ano que, dizem, ameaça qualquer casamento. No Hemisfério Norte, a Daimler-Benz absorveu a Chrysler em 1998 e até hoje paga seus pecados nos seis anos que dura a crise no fabricante alemão.

Enquanto isso, marcas relativamente pequenas, a BMW e a Porsche, celebram resultados melhores a cada ano. Só na problemática América Latina a marca bávara aumentou suas vendas em 56% no ano passado. A Porsche festeja lucro superior a um bilhão de euros no exercício findo em agosto de 2004.

O que há de comum nessas duas marcas, fora a nacionalidade? Uma coisinha simples chamada produto, para a qual não existe substituto. Sejam melhores que os da concorrência ou não, é inegável que eles preservam sua essência ano após ano, remodelação após remodelação. Seus automóveis respeitam as tradições das marcas e até seus utilitários esporte as seguem até onde é possível. Fica a certeza de que nessas duas fábricas a filosofia é de que a isca tem que ser boa para o peixe — o cliente —, jamais para o pescador. Um bom caminho para buscar o sucesso.

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Data de publicação: 19/2/05

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