Em 1965 tivemos a
“Pechincha do Século”, que foi a Ford Europa ter fechado contrato com a
Cosworth Engineering para produzir um motor de Fórmula 1, com vistas ao
novo regulamento de motores de aspiração natural de 3,0 litros, que
vigoraria no ano seguinte. Nascia o Cosworth DFV com o nome Ford nas
tampas dos comandos e válvulas. Tudo custou 100.000 libras esterlinas,
quantia irrisória diante do 1,5 milhão da mesma moeda investidos para
tornar a primeira marcha sincronizada nos Fords de produção. Daí
falar-se em pechincha.
Em contraposição à “Pechincha do Século”, no caso o 20, temos a “Ferrada
do Século”, só que agora o 21. A ferrada foi a General Motors
Corporation — ela mesmo, a matriz, americana — ter de desembolsar
praticamente dois bilhões de dólares para não se ver comprando algo
que não queria, a Fiat Auto. Para que o leitor tenha idéia do que
representa essa importância, dá para fazer quatro fábricas de 200.000
carros por ano.
Tudo começou em 2000, quando o presidente do conselho de administração
da GM, Jack Smith Jr, decidiu fazer o que D. Pedro I fez ao ouvir seu
pai, D. João VI, sugerir que proclamasse a independência: “Lance mão da
Coroa antes que algum aventureiro o faça, meu filho”. Pois a GM quis pôr
o pé na Fiat antes que outra empresa o fizesse — leia-se Ford ou Toyota,
a ordem não importa. Comprou 20% do capital da Fiat e deu a esta 5% do
próprio capital.
No contrato, assinado e divulgado com toda pompa e circunstância, havia
um detalhe pequeno mas importante: passados cinco anos, se a Fiat Auto
quisesse vender os 80% restantes, a GM teria de comprá-los, quisesse ou
não, por um “preço justo”. Qualquer que fosse esse preço, seria uma
operação vultuosa. Ou seja, em vez de opção, uma obrigação. Os advogados
italianos deram um chapéu nos colegas americanos, é o que transparece do
fato.
Dentro do bolo firmado em 2000 surgiram duas empresas
constituídas de capital meio a meio das duas gigantes: uma de motores e
transmissões, a Fiat-GM Powertrain, outra de Compras, a GM-Fiat
Worldwide Purchasing. A idéia, boa, era a sinergia para produzir
resultados: quem não tivesse motor passaria a tê-lo, e ambas fariam
compras em conjunto e com isso levariam vantagem em preço. Consta que a
fábrica de motores da GM em São José dos Campos ficou isolada no terreno
por um muro, o da “nova empresa”.
Agora, com o distrato ocorrido no domingo (13), as duas firmas deixam de
existir. Os funcionários deverão ser readmitidos (espera-se) nas
respectivas empresas-mãe, o que sempre tem custo. O velho Muito barulho
por nada, nome de peça de William Shakespeare, continua valendo firme e
forte.
Por que eu quis conversar com o leitor sobre isso, neste editorial? Para
mostrar que nem sempre os capitães de indústria acertam, sobretudo
nessas fusões miraculosas. Aqui no Brasil a Autolatina (Ford-Volkswagen) durou sete anos —
não agüentou o comichão do sétimo ano que, dizem, ameaça qualquer
casamento. No Hemisfério Norte, a Daimler-Benz absorveu a Chrysler em
1998 e até hoje paga seus pecados nos seis anos que dura a crise no
fabricante alemão.
Enquanto isso, marcas relativamente pequenas, a BMW e a Porsche,
celebram resultados melhores a cada ano. Só na problemática América
Latina a marca bávara aumentou suas vendas em 56% no ano passado. A
Porsche festeja lucro superior a um bilhão de euros no exercício findo
em agosto de 2004.
O que há de comum nessas duas marcas, fora a nacionalidade? Uma coisinha
simples chamada produto, para a qual não existe substituto. Sejam
melhores que os da concorrência ou não, é inegável que eles preservam
sua essência ano após ano, remodelação após remodelação. Seus automóveis
respeitam as tradições das marcas e até seus utilitários esporte as
seguem até onde é possível. Fica a certeza de que nessas duas fábricas a
filosofia é de que a isca tem que ser boa para o peixe — o cliente —,
jamais para o pescador. Um bom caminho para buscar o sucesso.
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