Hora de andar a pé

Campanha pelo "dia sem carro"? Não, efeito dos contínuos
aumentos do petróleo, que mexem com o bolso de todos nós

por Fabrício Samahá

Fabrício Samahá, editorDesde abril do ano passado, quando chegou a 35 dólares (valor sem precedentes desde a guerra no Iraque de 1990/1991), a cotação do barril de petróleo iniciou uma escalada que parece não ter fim. Há um ano já eram 55 dólares e, após o recorde absoluto de agosto último (quando rompeu a barreira dos 70), a cotação tem ficado acima dos 60 dólares. Para dar uma idéia melhor do cenário, já deixamos para trás, com a correção da inflação nos períodos, os picos atingidos em 1973, na primeira crise do petróleo, e em 1981/1982 com a guerra Irã-Iraque.

Os efeitos, como se espera, têm chegado ao bolso de motoristas mundo afora. Na Europa a gasolina comum superou há poucas semanas a barreira simbólica de 1,50 euro por litro; nos Estados Unidos, o galão (3,78 litros) já está perto de três dólares. Por aqui, depois de um bom tempo de estabilidade no salgado patamar de 2,20 reais (região Sudeste), vimos um empurrão da ordem de 10%. O aumento pode parecer suave diante do que se vê no Primeiro Mundo, mas se torna difícil de justificar quando se lembra que o Brasil hoje é auto-suficiente na produção do "ouro negro".

Sem perspectivas de que o quadro se reverta a curto prazo, economizar combustível tornou-se uma prioridade mundial, até mesmo para os americanos, habituados ao desperdício de seus grandes utilitários com motor V8. Passos nesse sentido foram notados dias atrás no Salão de Frankfurt, onde diversas marcas apresentaram projetos e até modelos em produção com a tecnologia híbrida. Alguns fabricantes alegam que adicionar motor elétrico e baterias onera demais o veículo, sendo preferível investir nos eficientes (e cada vez melhores em desempenho, nível de ruído e emissões) propulsores a diesel. Por via das dúvidas, a Mercedes-Benz uniu os dois sistemas em um Classe S conceitual.

Em meio à conturbada situação, o etanol — nosso velho conhecido álcool — ganha força. Países como a Suécia têm investido nessa alternativa e o fabricante local Saab, no mesmo evento alemão, apresentou o sedã 9-5 com um brilhante motor flexível turbo que, ao rodar com álcool, desenvolve 180 cv, ganho de 30 sobre o uso de gasolina. É o tipo da evolução que precisa chegar aqui, para contornar o desperdício de etanol que vemos em nossos flex. Vale notar que lá, como nos EUA, tais motores — em vez dos movidos apenas a álcool — justificam-se pela oferta limitada desse combustível, embora em crescimento.

Enquanto isso, aqui abaixo do Equador, as coisas caminham bem mais devagar. Não podemos ter automóveis a diesel, no que talvez sejamos os únicos no planeta. Propulsão híbrida está fora de cogitação pelo custo. O gás natural, com sua cara e inconveniente adaptação de cilindros que roubam espaço, há pouco assustou com a perspectiva de aumentos nos próximos anos. E, em uma situação absurda, tivemos de recorrer aos flexíveis para usar álcool sem ficar nas mãos dos usineiros que o produzem. Isso mesmo: é como se o comprador de carro flex — hoje praticamente dois em cada três zero-quilômetro vendidos — dissesse, ao assinar o cheque: "Sei que não posso confiar que vocês me garantirão oferta e preço razoável do álcool para sempre. Por isso, levo um carro que também roda com gasolina". Uma vitória da imoralidade.

Não fosse assim, os motores só a etanol poderiam hoje dominar o mercado (como na década de 1980) e, tendo retomado sua evolução, seriam muito mais eficientes que os flexíveis em termos de desempenho e consumo. Sem falar que o aparato para aceitar ambos os combustíveis tem um preço. Embora disfarçado na maioria dos modelos, em que o governo abre mão de parte do IPI (Imposto para Produtos Industrializados), o custo aparece em casos como o dos motores 1,0-litro e utilitários — o Ford EcoSport subiu expressivos 10% ao adotar a tecnologia.

Mesmo pagando mais por algo que não seria necessário, o consumidor sente-se recompensado pelo menor custo por quilômetro. Eis que de repente, como num passe de mágica, o álcool acompanha o aumento dos derivados de petróleo e sobe cerca de 10% — e certamente ainda subirá mais, pois vem aí a famosa entressafra. Premido entre o sobe-e-desce do álcool e o sobe-não-se-sabe-mais-quanto da gasolina, o brasileiro não tem por onde escapar. A não ser que vá andar a pé.

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Data de publicação: 1/10/05

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