Liberdade de escolha

Em nome da redução de custos de produção, fabricantes privam
o consumidor de selecionar versão, opcionais e cor desejados

por Fabrício Samahá

Fabrício Samahá, editorEnxugar custos tem sido uma das prioridades de toda fábrica de automóveis nos últimos anos, o que não é mais novidade. Vêem-se por todo lado a "depenação" de equipamentos e a simplificação do acabamento (o Gol 2006 é exemplo típico), sem que os carros fiquem mais baratos ou, ao menos, deixem de subir de preço com tanta freqüência. Mas há um fenômeno relativamente recente que passa a incomodar mais e mais: a redução da variedade de opções.

Há 10 anos, o consumidor que desejasse um sedã de grande desempenho com câmbio manual podia escolher entre dezenas de modelos, nacionais e importados, de um Vectra GSi (150 cv) a alguns modelos de Mercedes-Benz, Audi e BMW. Esportivos? Sim, senhor: o leque começava nos pequenos Gol GTI, Uno Turbo e Corsa GSi e chegava ao Vectra citado e o Tempra Turbo, passando por médios como o Escort XR3, todos com visual, interior e mecânica exclusivos das versões. Optar por um modelo de quatro portas era um direito, não uma obrigação, na maior parte dos segmentos — havia até belos cupês, do Calibra da GM ao Honda Accord. E, como já comentamos aqui, havia uma ampla gama de cores, às vezes até de acabamento interno.

Voltamos a 2005, um tempo em que a informatização de todas as atividades é uma realidade — e passa, claro, pelo sistema que começa na produção do automóvel e termina com ele em suas mãos. Quem antevisse esse cenário em 1995 poderia imaginar um comprador definindo no computador um carro personalizado, quase único, sem se prender às opções disponíveis em uma concessionária, como no passado.

O que aconteceu para chegarmos ao estágio atual de massificação? Se hoje há muito mais fabricantes e modelos nacionais que nos anos 80 ou no início dos 90, por outro lado estamos cada vez mais presos a versões, cores, interiores e pacotes de opcionais — ou à falta deles — que o fabricante, supostamente baseado em pesquisas, decidiu que são o que queremos comprar.

Exemplos? Muitos. Os esportivos quase acabaram e os poucos que restam ficam numa situação curiosa: ou só oferecem adereços estéticos (como a linha SS da GM), ou são mais potentes, mas carecem de personalidade no visual (caso do Stilo Abarth e do Golf GTI). Sedãs de maior desempenho são quase todos dotados de série de câmbio automático, assim como praticamente qualquer veículo importado. Carros de duas e três portas estão próximos da extinção: só mesmo em modelos e versões de entrada.

Os tais pacotes amarram a escolha de opcionais. Ou o ar-condicionado requer direção assistida, ou bolsas infláveis exigem freios ABS, ou alguns desses itens de conforto e segurança estão vinculados a uma série de detalhes meramente estéticos. Os fabricantes japoneses chegam ao cúmulo de não oferecer opcionais: salvo o câmbio automático, nada se pode acrescentar aos automóveis da Honda e da Toyota, por exemplo. Uma Fielder só vem com motor 1,8, ABS e bolsas infláveis — não importa se você prefere uma 1,6 mais simples e barata, ao estilo do Corolla XLi. Fit com motor 1,5, só na versão completa EX. Teto solar em qualquer carro nacional dessas marcas? Nem pensar.

Por cima de tudo isso, um inconveniente bem conhecido: a padronização de cores, por dentro e por fora. Interiores que não sejam em cinza ou preto acabaram em modelos brasileiros — ainda que a mesma Toyota tenha apostado em um elegante bege no novo Hilux SW4. Se ao menos houvesse opção entre acabamento claro e escuro já seria um alívio. Tal escolha (por enquanto!) ainda se tem no tom da carroceria, mas quase sempre entre os desgastados preto, cinza e prata. De acordo com o modelo, querer outra cor é pedir para ouvir a velha conversa: "Olha, pode demorar para chegar e não posso manter este preço, que é só para o estoque...".

Que determinados carros fossem todos da mesma cor e com idêntica configuração, mas custassem realmente pouco, seria aceitável. Mas é desnecessário comentar os preços do que se vende por aqui. Diante do que paga o consumidor no Brasil, é mais do que hora de voltar a existir uma oferta completa, que atenda a todas as preferências.

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Data de publicação: 12/11/05

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