Ressaca de fim de ano

Presente indigesto aos donos de carros flexíveis: aumentos
extorsivos do álcool que acabaram com a vantagem de usá-lo

por Fabrício Samahá

Fabrício Samahá, editor"Bem mais cedo do que se imaginava, conduzido por interesses dos usineiros, o preço do álcool subiu vertiginosamente nas últimas semanas e, embora acabe por empurrar também o preço da gasolina (que leva 24% de álcool), tornou bem menos interessante o custo por quilômetro rodado, antes tão favorável ao combustível verde-e-amarelo."

Embora possa parecer, o parágrafo acima não foi escrito neste final de ano, durante a festa dos produtores de etanol, que aproveitaram a alta da gasolina em 2005 para, com muita cara-de-pau, levar o preço do combustível vegetal ao patamar de R$ 1,60 o litro (média nacional na última semana de dezembro segundo a ANP, Agência Nacional do Petróleo). O trecho pertence a um Editorial publicado há mais de seis anos, em 20 de novembro de 1999, quando escrevíamos que era mesmo para desconfiar a "oferta de vantagens e concessões, em âmbito estadual (isenção de IPVA e fornecimento de 1.000 litros grátis em São Paulo) e nacional, para os compradores de automóveis zero-quilômetro a álcool".

Hoje, como se sabe, o cenário é um pouco diferente porque existem os carros com motores flexíveis, mais de um milhão em nossas ruas — sem contar os que são vítimas de precárias adaptações ou do "rabo de galo", o uso forçado de etanol em carros não preparados para ele. Se o álcool sobe demais a ponto de se tornar inviável, o motorista pode usar gasolina. Ou seja, concordamos todos que só vale a pena arriscar a compra de um carro a etanol se houver essa salvaguarda, essa defesa perante a ganância de quem o produz.

Ganância, sim, como se entende nas entrelinhas a recente matéria da TV Globo sobre o assunto. Segundo a emissora, a posição oficial dos produtores é de que o álcool subiu tanto (bem mais que o justificável pela entressafra, quando a produção diminui) em função do aumento da demanda, isto é, a lei da oferta e da procura. Fica no ar a pergunta: foi para fazer parte desse jogo de sobe-e-desce, dessa brincadeira sem a menor graça, que os brasileiros aderiram de forma quase unânime aos flexíveis?

Uma adesão, percebe-se, feita em boa parte pela desinformação. Muita gente interessa-se pelos flex vendo apenas o preço do litro do álcool, que em certas épocas e regiões cai à metade da gasolina. Não sabe, em primeiro lugar, que o consumo com etanol é de 30% a 35% maior, e em segundo, que a vantagem de preço diminui muito todos os verões, época da entressafra. Se calculada a diferença de despesa com combustível por todo um ano, a economia é muito menor do que a maioria supõe.

Hoje, quando encontra álcool a R$ 1,60 e gasolina a R$ 2,40, por exemplo, o motorista já não tem razão para tolerar os inconvenientes do etanol, como autonomia ridiculamente baixa e pior funcionamento a frio. Pode abastecer com gasolina e ter um custo por quilômetro equivalente. E quem pagou caro por um flexível — o Ford EcoSport XLS, por exemplo, subiu 12,7% ao adotar esse recurso — vai levar quanto tempo para recuperar a diferença?

Como costuma dizer meu amigo e colunista do BCWS Bob Sharp, nosso país parece mesmo sofrer uma maldição energética. Somos auto-suficientes na produção de petróleo, temos gasolina e álcool de sobra, mas recorremos a motores flexíveis para poder rodar com etanol só parte do ano. Se o petróleo sobe lá fora, sobe aqui dentro a gasolina e os usineiros aproveitam para lucrar mais e mais com o álcool.

Será que essa ressaca anual um dia vai mudar?

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Data de publicação: 7/1/06

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