"Bem mais cedo do que se
imaginava, conduzido por interesses dos usineiros, o preço do álcool
subiu vertiginosamente nas últimas semanas e, embora acabe por
empurrar também o preço da gasolina (que leva 24% de álcool), tornou
bem menos interessante o custo por quilômetro rodado, antes tão
favorável ao combustível verde-e-amarelo."
Embora possa parecer, o parágrafo acima não foi escrito neste final de
ano, durante a festa dos produtores de etanol, que aproveitaram a alta
da gasolina em 2005 para, com muita cara-de-pau, levar o preço do
combustível vegetal ao patamar de R$ 1,60 o litro (média nacional na
última semana de dezembro segundo a ANP, Agência Nacional do
Petróleo). O trecho pertence a um Editorial publicado há mais de seis
anos, em 20 de novembro de 1999, quando escrevíamos que era mesmo para
desconfiar a "oferta de vantagens e concessões, em âmbito estadual
(isenção de IPVA e fornecimento de 1.000 litros grátis em São Paulo) e
nacional, para os compradores de automóveis zero-quilômetro a álcool".
Hoje, como se sabe, o cenário é um pouco diferente porque existem os
carros com motores flexíveis, mais de um milhão
em nossas ruas — sem contar os que são vítimas de precárias adaptações
ou do
"rabo de galo", o uso forçado de etanol em carros não preparados para
ele. Se o álcool sobe demais a ponto de se tornar inviável, o
motorista pode usar gasolina. Ou seja, concordamos todos que só vale a
pena arriscar a compra de um carro a etanol se houver essa
salvaguarda, essa defesa perante a ganância de quem o produz.
Ganância, sim, como se entende nas entrelinhas a recente matéria da TV
Globo sobre o assunto. Segundo a emissora, a posição oficial dos
produtores é de que o álcool subiu tanto (bem mais que o justificável
pela entressafra, quando a produção diminui) em função do aumento da
demanda, isto é, a lei da oferta e da procura. Fica no ar a pergunta:
foi para fazer parte desse jogo de sobe-e-desce, dessa brincadeira sem
a menor graça, que os brasileiros aderiram de forma quase unânime aos
flexíveis?
Uma adesão, percebe-se, feita em boa parte pela desinformação. Muita
gente interessa-se pelos flex vendo apenas o preço do litro do
álcool, que em certas épocas e regiões cai à metade da gasolina. Não
sabe, em primeiro lugar, que o consumo com etanol é de 30% a 35%
maior, e em segundo, que a vantagem de preço diminui muito todos os
verões, época da entressafra. Se calculada a diferença de despesa com
combustível por todo um ano, a economia é muito menor do que a maioria
supõe.
Hoje, quando encontra álcool a R$ 1,60 e gasolina a R$ 2,40, por
exemplo, o motorista já não tem razão para tolerar os inconvenientes
do etanol, como autonomia ridiculamente baixa e pior funcionamento a
frio. Pode abastecer com gasolina e ter um custo por quilômetro
equivalente. E quem pagou caro por um flexível — o Ford EcoSport XLS,
por exemplo, subiu 12,7% ao adotar esse recurso — vai levar quanto
tempo para recuperar a diferença?
Como costuma dizer meu amigo e colunista do BCWS Bob Sharp,
nosso país parece mesmo sofrer uma maldição energética. Somos
auto-suficientes na produção de petróleo, temos gasolina e álcool de
sobra, mas recorremos a motores flexíveis para poder rodar com etanol
só parte do ano. Se o petróleo sobe lá fora, sobe aqui dentro a
gasolina e os usineiros aproveitam para lucrar mais e mais com o
álcool.
Será que essa ressaca anual um dia vai mudar? |