Muitos leitores, mais de
60, me escreveram nas duas últimas semanas a respeito do
Editorial anterior, em que falei sobre a
dificuldade de encontrar um carro zero-quilômetro que atendesse a
minhas expectativas na faixa de R$ 30 mil ou pouco acima. Todos,
exceto um, concordaram que nossos automóveis estão muito caros e pouco
convincentes.
A quem eventualmente ache que foram poucas mensagens, diante dos 15 a
20 mil visitantes por dia que o Best Cars recebe, vale
lembrar que em toda coletividade a maioria é silenciosa. Mesmo com a
facilidade de comunicação trazida pela internet, ainda não são muitos
os que se manifestam sobre um artigo ou coluna em especial. Salvo
engano, este foi o editorial que mais motivou os leitores a nos
escrever.
Foi interessante saber de casos semelhantes ao meu, de leitores na
mesma faixa etária (30 anos), com alguns requisitos em comum para o
automóvel a comprar e uma quantia similar para gastar. Outros
comentaram que, em seus casos, as demandas por espaço, desempenho e/ou
itens de segurança elevam o patamar em que "a vida começa" para R$ 50
mil ou mais.
E, muito gratificante, não faltaram sugestões de compra:
recomendaram-me desde alguns carros novos cujo preço não se afasta
muito de minha meta, mas que atenderiam ao que procuro, até modelos
maiores e mais potentes, porém com alguns anos e milhares de
quilômetros a mais. Posso dizer que a maioria dos que escreveram,
diante da situação exposta, preferiria comprar um carro usado a abrir
mão de alguns requisitos.
Apesar da expectativa de gastar mais com a manutenção e do natural
risco de não fazer uma boa compra, o usado é uma escolha que tende a
favorecer o bolso também pela menor depreciação, já que a maior perda
de valor ocorre no primeiro ano do veículo. Só que é preciso lembrar
que, se esse procedimento fosse adotado pela maioria, em pouco tempo o
carro usado teria preço de novo, em razão da procura.
Houve quem colocasse a culpa dos preços na carga tributária. Não estão
de todo errados, pois o Brasil ainda é um dos países do mundo que mais
impostos fazem incidir sobre a compra e o uso do automóvel. Mas a
mordida do governo esteve relativamente estável nos últimos anos — tem
até diminuído um pouco. Um fator importante na composição dos preços,
o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), foi reduzido em 2002,
em que os carros de 1,0 a 2,0 litros foram os grandes beneficiados: a
alíquota baixou de 25% para 15% e hoje é de 11%; para os veículos até
1,0 litro é de 7%.
Assim, impostos não justificam que os carros tenham ficado tão mais
caros nesse período. É difícil acreditar, mesmo considerada a inflação
desde então, que os fabricantes estivessem vendendo cada unidade com
prejuízo quando os carros de entrada custavam R$ 15 mil, e os médios
bem-equipados, R$ 30 mil.
Vale a pena abrir um parêntese a respeito da cotação do dólar, à qual
muitas vezes se atribuem aumentos. À época dos preços citados acima,
por volta de 2001/2002, a moeda americana estava no mesmo patamar de
hoje, não muito acima de R$ 2,00. E, curiosamente, os executivos das
empresas apavoravam-se com a perspectiva de que a moeda americana
subisse para R$ 3,00 ou mais — "vamos ter de fechar fábricas", alguns
ameaçavam. Pois esta semana faz um ano o Editorial
a respeito do "choro" inverso, o de que as exportações desabariam se o
dólar não voltasse a subir. Nestes 12 meses a cotação caiu ainda mais
e, no entanto, continua-se exportando muito. Lágrimas de crocodilo...
Voltando aos comentários dos leitores, para muitos a raiz do problema
são os consumidores que não se informam nem comparam devidamente as
opções ao comprar, o que deixa os fabricantes confortáveis para subir
os preços e despojar os carros. Concordo que possa ser assim para a
maioria, pois o que vemos por aí é o sucesso de alguns modelos que não
resistem a uma análise mais apurada de relação custo-benefício,
enquanto outros bem interessantes nesse aspecto são sumariamente
rejeitados pelo mercado.
Por outro lado, cresce o número de compradores bem-informados à medida
em que o acesso a publicações especializadas, dentre elas o Best
Cars, é facilitado. Basta notar a praticidade com que hoje se lêem
alguns comparativos no site e lembrar o desafio que era, há 10 anos,
encontrar nas bancas ou na incipiente internet um teste com os modelos
e versões que você pensa em comprar. Assim, não é exagero afirmar que,
atualmente, só compra mal quem quer.
Em resumo, e com a exceção já citada, os leitores responderam à
pergunta final do editorial ("Sou exigente demais, ou há mesmo algo de
errado no mercado?") com a segunda alternativa: para eles os carros
que estão aí, de maneira geral, realmente não valem o que custam. E,
no entanto, a indústria automobilística registrou mais um recorde de
produção em maio, em que estes cinco primeiros meses do ano foram os
melhores de sua história de meio século.
Um grande paradoxo, sem a menor dúvida. |