Um grande paradoxo

Embora os leitores opinem que os carros estão caros
demais, a indústria continua a bater recordes de produção

por Fabrício Samahá

Fabrício Samahá, editorMuitos leitores, mais de 60, me escreveram nas duas últimas semanas a respeito do Editorial anterior, em que falei sobre a dificuldade de encontrar um carro zero-quilômetro que atendesse a minhas expectativas na faixa de R$ 30 mil ou pouco acima. Todos, exceto um, concordaram que nossos automóveis estão muito caros e pouco convincentes.

A quem eventualmente ache que foram poucas mensagens, diante dos 15 a 20 mil visitantes por dia que o Best Cars recebe, vale lembrar que em toda coletividade a maioria é silenciosa. Mesmo com a facilidade de comunicação trazida pela internet, ainda não são muitos os que se manifestam sobre um artigo ou coluna em especial. Salvo engano, este foi o editorial que mais motivou os leitores a nos escrever.

Foi interessante saber de casos semelhantes ao meu, de leitores na mesma faixa etária (30 anos), com alguns requisitos em comum para o automóvel a comprar e uma quantia similar para gastar. Outros comentaram que, em seus casos, as demandas por espaço, desempenho e/ou itens de segurança elevam o patamar em que "a vida começa" para R$ 50 mil ou mais.

E, muito gratificante, não faltaram sugestões de compra: recomendaram-me desde alguns carros novos cujo preço não se afasta muito de minha meta, mas que atenderiam ao que procuro, até modelos maiores e mais potentes, porém com alguns anos e milhares de quilômetros a mais. Posso dizer que a maioria dos que escreveram, diante da situação exposta, preferiria comprar um carro usado a abrir mão de alguns requisitos.

Apesar da expectativa de gastar mais com a manutenção e do natural risco de não fazer uma boa compra, o usado é uma escolha que tende a favorecer o bolso também pela menor depreciação, já que a maior perda de valor ocorre no primeiro ano do veículo. Só que é preciso lembrar que, se esse procedimento fosse adotado pela maioria, em pouco tempo o carro usado teria preço de novo, em razão da procura.

Houve quem colocasse a culpa dos preços na carga tributária. Não estão de todo errados, pois o Brasil ainda é um dos países do mundo que mais impostos fazem incidir sobre a compra e o uso do automóvel. Mas a mordida do governo esteve relativamente estável nos últimos anos — tem até diminuído um pouco. Um fator importante na composição dos preços, o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), foi reduzido em 2002, em que os carros de 1,0 a 2,0 litros foram os grandes beneficiados: a alíquota baixou de 25% para 15% e hoje é de 11%; para os veículos até 1,0 litro é de 7%.

Assim, impostos não justificam que os carros tenham ficado tão mais caros nesse período. É difícil acreditar, mesmo considerada a inflação desde então, que os fabricantes estivessem vendendo cada unidade com prejuízo quando os carros de entrada custavam R$ 15 mil, e os médios bem-equipados, R$ 30 mil.

Vale a pena abrir um parêntese a respeito da cotação do dólar, à qual muitas vezes se atribuem aumentos. À época dos preços citados acima, por volta de 2001/2002, a moeda americana estava no mesmo patamar de hoje, não muito acima de R$ 2,00. E, curiosamente, os executivos das empresas apavoravam-se com a perspectiva de que a moeda americana subisse para R$ 3,00 ou mais — "vamos ter de fechar fábricas", alguns ameaçavam. Pois esta semana faz um ano o Editorial a respeito do "choro" inverso, o de que as exportações desabariam se o dólar não voltasse a subir. Nestes 12 meses a cotação caiu ainda mais e, no entanto, continua-se exportando muito. Lágrimas de crocodilo...

Voltando aos comentários dos leitores, para muitos a raiz do problema são os consumidores que não se informam nem comparam devidamente as opções ao comprar, o que deixa os fabricantes confortáveis para subir os preços e despojar os carros. Concordo que possa ser assim para a maioria, pois o que vemos por aí é o sucesso de alguns modelos que não resistem a uma análise mais apurada de relação custo-benefício, enquanto outros bem interessantes nesse aspecto são sumariamente rejeitados pelo mercado.

Por outro lado, cresce o número de compradores bem-informados à medida em que o acesso a publicações especializadas, dentre elas o Best Cars, é facilitado. Basta notar a praticidade com que hoje se lêem alguns comparativos no site e lembrar o desafio que era, há 10 anos, encontrar nas bancas ou na incipiente internet um teste com os modelos e versões que você pensa em comprar. Assim, não é exagero afirmar que, atualmente, só compra mal quem quer.

Em resumo, e com a exceção já citada, os leitores responderam à pergunta final do editorial ("Sou exigente demais, ou há mesmo algo de errado no mercado?") com a segunda alternativa: para eles os carros que estão aí, de maneira geral, realmente não valem o que custam. E, no entanto, a indústria automobilística registrou mais um recorde de produção em maio, em que estes cinco primeiros meses do ano foram os melhores de sua história de meio século.

Um grande paradoxo, sem a menor dúvida.

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Data de publicação: 10/6/06

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