A Effa Motors anunciou
para o próximo mês o início de vendas do
Ideal, um carro pequeno em formato
monovolume produzido na China e que, em 2008, passará a ser montado
no Uruguai — podendo então vir ao Brasil sem recolher Imposto de
Importação, por meio do Mercosul. É o primeiro carro de passeio
chinês (à parte os utilitários Chana) a chegar a nosso mercado e,
como se esperava, a preço muito atraente: R$ 23 mil já dotado de
ar-condicionado, controle elétrico dos vidros e rádio/toca-CDs — por
outro lado, não tem direção assistida e usa um motor de 1,0 litro
muito fraco, 47 cv.
A invasão chinesa tem preocupado o mundo nos últimos anos. Em 2006 o
país produziu 7,2 milhões de veículos, elevando a frota local a 38
milhões de carros, e já é o segundo maior consumidor e fabricante de
automóveis do mundo. Boa parte de sua produção resulta de
associações com empresas estrangeiras, muitas delas tradicionais
como General Motors e Volkswagen. Isso porque o governo local, em
medida inteligente, estabeleceu essa condição para que fabricantes
de outros países pudessem atuar por lá.
É notório que a China, com mão-de-obra e componentes baratos, faz
automóveis — aliás, qualquer produto — com um custo final difícil de
ser igualado em outras regiões do globo. O que se discute agora é se
os carros lá fabricados têm a qualidade e a segurança oferecida por
modelos de outras procedências.
Testes de colisão com modelos daquele país têm causado apreensão. O
automóvel-clube alemão ADAC (Allgemeiner Deutscher Automobil-Club
e.V.), que segue as normas da EuroNCap (European New Car Assessment
Programme), testou o sedã de luxo Brilliance BS6 do fabricante
Jinbei, que anunciou a intenção de colocá-lo no mercado americano
este ano. O carro obteve a pior pontuação possível (uma estrela),
que indica alto risco aos ocupantes. No impacto a 64 km/h, os pedais
avançaram 32 centímetros em direção ao motorista e as portas
bloquearam-se, tendo de ser abertas com ferramentas.
Antes dele, em 2005, o utilitário esporte Jiangling Landwind — cópia
em estilo do Isuzu Rodeo japonês — havia sido considerado pelo ADAC
o veículo menos seguro testado em 20 anos. É como se todo o
investimento em segurança passiva
feito mundialmente nas últimas décadas fosse atirado ao lixo em nome
do baixo custo de produção.
Os chineses também precisam evoluir em qualidade, apontaram estudos.
A revista suíça Automobil Revue divulgou que, a cada 100
veículos produzidos no país nos nove primeiros meses do ano passado,
acusaram-se 338 defeitos — ante uma média mundial de 124 defeitos
por 100 veículos, conforme a consultoria americana JD Power.
Os obstáculos
Nos mercados desenvolvidos, um recurso dos fabricantes tradicionais
contra a ameaça chinesa é a divulgação de tais falhas de segurança e
qualidade, pois lidam com consumidores mais criteriosos, que em
regra se munem de extensa informação para decidir a compra. O
problema pode ser maior em países como o nosso, onde a legislação de
testes de colisão é arcaica, não existem avaliações independentes
desse tipo com critérios modernos e, afinal, o fator segurança
passiva parece importar pouco à maioria dos consumidores, sobretudo
nos segmentos de menor preço.
Os que não acreditam em uma explosão de consumo de carros chineses
por aqui apontam alguns obstáculos como a dificuldade de estabelecer
uma ampla rede de assistência técnica, em um país de dimensões
continentais, e a relevância dada pelos brasileiros à imagem
consolidada do fabricante. De fato, na década passada fatores como
esses dificultaram o sucesso da russa Lada, que chegou logo em 1990
— ano da reabertura do mercado à importação, proibida desde 1976 —
com promessa semelhante de vender carros embasada no baixo preço.
Para quem não se lembra, o espaçoso (e antiquado) sedã Laika de 1,6
litro era vendido por valor próximo ao de um Mille, mesmo penalizado
pelo Imposto de Importação e pelo maior IPI (Impostos sobre Produtos
Industrializados). Mas é preciso considerar que os Ladas não atraíam
pela aparência ou pelos itens de conforto, como alguns chineses de
hoje são capazes de atrair.
E, em especial se outros fabricantes recorrerem à estratégia da Effa
de montar em países que mantêm acordo comercial com o Brasil,
pode-se esperar que a China nos traga automóveis muito mais
convidativos que os nacionais em termos de preço e equipamentos.
Alguns deles, aliás, bem parecidos com modelos conhecidos nossos, já
que o plágio industrial é praxe naquela indústria. Resta esperar que
o governo brasileiro seja rigoroso com a questão de emissões
poluentes, já que nem todo carro importado vem calibrado para
consumir nossa gasolina alcoolizada.
Não resta dúvida de que os chineses vão causar agitação no mercado
brasileiro nos próximos anos. Apesar de nossa apreensão com o fator
segurança, é sempre boa notícia que a indústria nacional tenha
motivos para se mexer, reduzindo preços e melhorando produtos para
enfrentar os "negócios da China". |