Invasão chinesa

A chegada de automóveis da China levanta discussões
sobre qualidade, segurança e a concorrência aos nacionais

por Fabrício Samahá

Fabrício Samahá, editorA Effa Motors anunciou para o próximo mês o início de vendas do Ideal, um carro pequeno em formato monovolume produzido na China e que, em 2008, passará a ser montado no Uruguai — podendo então vir ao Brasil sem recolher Imposto de Importação, por meio do Mercosul. É o primeiro carro de passeio chinês (à parte os utilitários Chana) a chegar a nosso mercado e, como se esperava, a preço muito atraente: R$ 23 mil já dotado de ar-condicionado, controle elétrico dos vidros e rádio/toca-CDs — por outro lado, não tem direção assistida e usa um motor de 1,0 litro muito fraco, 47 cv.

A invasão chinesa tem preocupado o mundo nos últimos anos. Em 2006 o país produziu 7,2 milhões de veículos, elevando a frota local a 38 milhões de carros, e já é o segundo maior consumidor e fabricante de automóveis do mundo. Boa parte de sua produção resulta de associações com empresas estrangeiras, muitas delas tradicionais como General Motors e Volkswagen. Isso porque o governo local, em medida inteligente, estabeleceu essa condição para que fabricantes de outros países pudessem atuar por lá.

É notório que a China, com mão-de-obra e componentes baratos, faz automóveis — aliás, qualquer produto — com um custo final difícil de ser igualado em outras regiões do globo. O que se discute agora é se os carros lá fabricados têm a qualidade e a segurança oferecida por modelos de outras procedências.

Testes de colisão com modelos daquele país têm causado apreensão. O automóvel-clube alemão ADAC (Allgemeiner Deutscher Automobil-Club e.V.), que segue as normas da EuroNCap (European New Car Assessment Programme), testou o sedã de luxo Brilliance BS6 do fabricante Jinbei, que anunciou a intenção de colocá-lo no mercado americano este ano. O carro obteve a pior pontuação possível (uma estrela), que indica alto risco aos ocupantes. No impacto a 64 km/h, os pedais avançaram 32 centímetros em direção ao motorista e as portas bloquearam-se, tendo de ser abertas com ferramentas.

Antes dele, em 2005, o utilitário esporte Jiangling Landwind — cópia em estilo do Isuzu Rodeo japonês — havia sido considerado pelo ADAC o veículo menos seguro testado em 20 anos. É como se todo o investimento em segurança passiva feito mundialmente nas últimas décadas fosse atirado ao lixo em nome do baixo custo de produção.

Os chineses também precisam evoluir em qualidade, apontaram estudos. A revista suíça Automobil Revue divulgou que, a cada 100 veículos produzidos no país nos nove primeiros meses do ano passado, acusaram-se 338 defeitos — ante uma média mundial de 124 defeitos por 100 veículos, conforme a consultoria americana JD Power.

Os obstáculos
Nos mercados desenvolvidos, um recurso dos fabricantes tradicionais contra a ameaça chinesa é a divulgação de tais falhas de segurança e qualidade, pois lidam com consumidores mais criteriosos, que em regra se munem de extensa informação para decidir a compra. O problema pode ser maior em países como o nosso, onde a legislação de testes de colisão é arcaica, não existem avaliações independentes desse tipo com critérios modernos e, afinal, o fator segurança passiva parece importar pouco à maioria dos consumidores, sobretudo nos segmentos de menor preço.

Os que não acreditam em uma explosão de consumo de carros chineses por aqui apontam alguns obstáculos como a dificuldade de estabelecer uma ampla rede de assistência técnica, em um país de dimensões continentais, e a relevância dada pelos brasileiros à imagem consolidada do fabricante. De fato, na década passada fatores como esses dificultaram o sucesso da russa Lada, que chegou logo em 1990 — ano da reabertura do mercado à importação, proibida desde 1976 — com promessa semelhante de vender carros embasada no baixo preço.

Para quem não se lembra, o espaçoso (e antiquado) sedã Laika de 1,6 litro era vendido por valor próximo ao de um Mille, mesmo penalizado pelo Imposto de Importação e pelo maior IPI (Impostos sobre Produtos Industrializados). Mas é preciso considerar que os Ladas não atraíam pela aparência ou pelos itens de conforto, como alguns chineses de hoje são capazes de atrair.

E, em especial se outros fabricantes recorrerem à estratégia da Effa de montar em países que mantêm acordo comercial com o Brasil, pode-se esperar que a China nos traga automóveis muito mais convidativos que os nacionais em termos de preço e equipamentos. Alguns deles, aliás, bem parecidos com modelos conhecidos nossos, já que o plágio industrial é praxe naquela indústria. Resta esperar que o governo brasileiro seja rigoroso com a questão de emissões poluentes, já que nem todo carro importado vem calibrado para consumir nossa gasolina alcoolizada.

Não resta dúvida de que os chineses vão causar agitação no mercado brasileiro nos próximos anos. Apesar de nossa apreensão com o fator segurança, é sempre boa notícia que a indústria nacional tenha motivos para se mexer, reduzindo preços e melhorando produtos para enfrentar os "negócios da China".

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Data de publicação: 18/8/07

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