Economia de centavos

Como na azeitona da empada, os fabricantes fazem
reduções de custos irrisórias, mas inconvenientes

por Fabrício Samahá

Fabrício Samahá, editorNão é novidade para ninguém que a indústria automobilística — como qualquer empresa hoje — persegue a redução de custos. O problema que vou abordar nesta edição é a má economia, o corte de despesas que traz mais desvantagens que benefícios.

Caso típico: estepe. Sabemos que ele representa custo, peso e espaço muitas vezes desperdiçados, pois há quem não precise dele por todo o período de uso do carro. Só que tem sido freqüente — à medida em que rodas e pneus de serviço se tornam mais largos, sofisticados e caros — adotar um estepe de medida diferente dos demais pneus, mesmo em carros de preço elevado.

Além da evidente restrição em seu uso (o motorista terá de dirigir de maneira mais moderada, às vezes por distância limitada, caso do Vectra Elite com rodas de 17 pol e estepe de 15 pol), surge outro problema. Um pneu sobressalente assim nunca poderá substituir outro em caráter permanente, como ao se fazer rodízio ou comprar, para reposição, apenas um em vez do par. O comprador paga, portanto, por um estepe destinado a rodar poucos quilômetros ou nem isso. Se fosse igual aos demais, o custo inicial seria compensado já na primeira troca de pneus.

Há outras economias que incomodam pela dificuldade em ser revertidas. Um pára-brisa com faixa degradê custa pouco a mais que um sem a faixa, mas é bem menos agradável num país ensolarado como o nosso. Para o fabricante, redução de custo ínfima; para o cliente, despesa elevada se quiser trocá-lo por um degradê — isso se existir no mercado. Faixa de película escura pode fazer a mesma função, mas perde muito no aspecto estético.

No começo da década havia insistência de algumas marcas em vender carros — e não os mais simples — com toca-fitas, às vezes item de série, em vez de toca-CDs. Era sair da concessionária e trocar o aparelho, jogando dinheiro fora. Hoje acontece o mesmo com a função MP3, ausente de vários equipamentos de áudio (caso, até bem pouco tempo, do Focus GLX e do pacote mais equipado do Fiesta). Quem quiser ouvir esse formato, que faça adaptações ou substitua o aparelho de série, cujo custo foi incluído no do carro.

Outras economias afetam a conveniência de tal modo, que é difícil entender as razões do fabricante. Banco traseiro rebatível tornou-se padrão nos sedãs de 10 ou 15 anos para cá, a ponto de ser inaceitável não existir em um Corolla XEi — só no SE-G, ou seja, redução de custos — ou em algumas versões do Classic da GM. Controle de iluminação dos instrumentos e ajuste elétrico do facho dos faróis, cada vez mais raros, fazem falta em muitos casos quando se viaja à noite.

Controle elétrico dos vidros sem temporizador é inaceitável sob qualquer análise. Tampa de porta-malas que exija o uso da chave, em carro com travamento central das portas, também. E por que o teto solar do Vectra Elite não acompanha o fechamento centralizado dos vidros? Trava-se o carro e, se o teto tiver sido esquecido, é preciso religar a ignição para a tarefa.

Itens de segurança também são alvos freqüentes de cortes de custos, o que não deveria acontecer. Repetidores laterais das luzes de direção, que são baratos, não equipam vários modelos nacionais que os têm em outros países ou nas versões de topo. A importante luz suplementar de freio é tratada como acessório de luxo, apesar do custo irrisório. E a Ford chegou ao absurdo de dispensar, no Fiesta nacional, os refletores no pára-choque traseiro — os que vêm nas lanternas são altos demais para refletir faróis e sinalizar o veículo estacionado.

O leitor pode perceber que não tratamos aqui da "depenação", o lamentável processo pelo qual alguns carros perdem recursos de tempos em tempos. Os itens que citamos costumam faltar já no lançamento do modelo ou da versão, por definição do fabricante de que não são necessários.

Em meio aos exemplos, alguns vão me lembrar do marcador de temperatura do motor — e aqui sou obrigado a discordar. Este mostrador, hoje, é calibrado para indicar determinado ponto durante toda a operação normal do carro, sem refletir pequenas oscilações de temperatura. O ponteiro só se desloca quando o motor aquece além do limite seguro e o motorista deve parar o carro — o mesmo ponto em que acende a luz-piloto, presente sempre que falta o mostrador. De resto, uma segunda luz para indicar a fase fria (durante a qual o motor não deve ser usado plenamente), como no Honda Fit, supre por inteiro a ausência do termômetro.

Mas é um caso à parte entre tantos, e estou certo de que os leitores terão mais exemplos. Os fabricantes se justificam da mesma forma que na historinha da companhia aérea que, por medida de economia, decidiu usar só meia azeitona em cada empada servida aos passageiros. Os centavos poupados por empada tornaram-se alguns milhares de reais no faturamento anual da companhia, mas, confrontados aos bilhões do faturamento, esses milhares pareceram apenas... centavos.

Atualidades - Página principal - Envie por e-mail

Data de publicação: 10/11/07

© Copyright - Best Cars Web Site - Todos os direitos reservados - Política de privacidade