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Quando a emoção fala alto demais

Por mais estranhas que pareçam as escolhas do consumidor
brasileiro, o fator emocional na compra explica parte delas

por Fabrício Samahá

Não é novidade que automóvel se compra, sobretudo, pela emoção e não pela razão. Mesmo assim, quando analiso as compras de algumas pessoas — ou da maioria delas — por aspectos puramente racionais, torna-se difícil entender o que as levou a fazer sua opção.

Mesmo que pertençam ao passado os carros familiares médios e grandes de duas portas (uma escolha irracional e quase exclusiva do Brasil), ainda se vêem muitas opções por tipos de veículos pouco adequados à proposta de uso. Um dos casos mais evidentes parece ser o de utilitários esporte. Mesmo quando derivados de automóveis, são veículos mais pesados, menos eficientes do ponto de vista aerodinâmico e, por isso, mais lentos e gastadores de combustível que um automóvel comum com o mesmo espaço disponível — fatores que ganham importância em tempos de consciência ambiental. Isso vale tanto na comparação de modelos compactos, como EcoSport e Fiesta, quanto na de grandes veículos, como um Mercedes-Benz ML em relação a uma perua Classe E.

Certo, o utilitário promete maior robustez ao uso em pisos de má qualidade e, em parte dos casos, aptidão ao fora-de-estrada. Mas na prática estas são vantagens que uma minoria desfruta, enquanto suas desvantagens afetam todos os usuários. É inevitável que um veículo mais alto em relação ao solo (portanto, com centro de gravidade mais elevado) tenha menor estabilidade, e com isso menor segurança em situações de emergência, que outro com construção similar e menor altura do solo. Se a construção for diferente, pior ainda: os utilitários baseados em chassi de picape, como o Blazer, ficam muito longe do comportamento dinâmico de um carro de passeio. Não é por acaso que se vêem tantos acidentes graves, até com capotagem, desses veículos quando usados pelas polícias.

Famílias recorrerem a utilitários derivados de picapes — ou os próprios picapes — para seu transporte ainda podia fazer algum sentido nos anos 80, quando não havia carros nacionais com espaço para mais de cinco pessoas nem era possível ter um importado. Naquela época, proliferaram adaptações para cabine dupla e perua, não raro com acabamento de alto luxo e preço na estratosfera, para que a família se arrastasse pelas estradas com ruidosos motores a diesel de menos de 100 cv... Hoje o quadro é outro: temos minivans e sedãs amplos por preços razoáveis, muito mais eficientes, seguros e confortáveis.

Curto em excesso
Além do tipo de veículo, outras escolhas são difíceis de entender. Em meio às alterações em suspensão e calibração de central eletrônica, entre outras que os fabricantes costumam fazer antes de vender no Brasil um carro projetado no exterior, já se tornou habitual encurtar as relações de marcha, a do diferencial ou as duas coisas, a fim de produzir mais rotações para a mesma marcha e velocidade.

As fábricas justificam-se pela preferência brasileira por câmbios curtos. De fato, houve vários casos de modelos que, lançados com relações de marcha de padrão europeu, tiveram de ser encurtados mais tarde porque os motoristas daqui reclamaram de falta de disposição ao acelerar e retomar velocidade. Existe até o curioso parâmetro de transpor determinadas lombadas em terceira marcha: se o carro não o fizer bem, não serve — como alegou a engenharia da Volkswagen ao lançar o Polo, em 2002.

Fabrício Samahá, editor

Só que isso tem levado, em várias marcas, a encurtamentos exagerados que resultam em excesso de rotação no uso em rodovia. Além do citado Polo, que desde então já passou por três alongamentos de câmbio, houve exagero nas caixas manuais do Citroën C4 (tanto VTR quanto Pallas), do antigo Toyota Corolla (resolvido na nova geração), do Renault Mégane 1,6 e da maioria dos modelos de 1,0 litro, para ficar em exemplos recentes.

Em nome de suposta agilidade — que é apenas sensação, pois o mesmo efeito pode ser obtido com o uso de marcha mais baixa quando desejado —, perde-se em todo o resto: aumentam ruído e vibrações, sobe o consumo e surge a incômoda sensação de que o carro "pede marcha" na estrada. Boa parte da insatisfação que costuma haver com os modelos de 1,0 litro, quando se sai para uma viagem, tem a ver com rotação excessiva (e desnecessária) e não com falta de potência, que hoje é aceitável para acompanhar o fluxo de tráfego no plano. Em um carro de mais de 130 cv, nem se fala. O encurtamento nesse caso não tem nenhuma razão.

Preto por fora e por dentro
Há também a questão de cores. Observe um pátio qualquer com automóveis recentes, sobretudo em São Paulo, e conte quantos são pretos. Claro que gosto não se discute, mas não me parece que se trate de preferência — pela esmagadora maioria de prata e preto nos carros novos, duvido que tanta gente só goste dessas cores. O fato é que, do ponto de vista racional, o preto está entre as cores menos interessantes. Além de evidenciar poeira e eventuais riscos, o tom escuro é o que mais absorve calor, o que resulta em maior aquecimento do interior do carro.

Creio que os motoristas de décadas passadas — ou seus contemporâneos à frente dos fabricantes e das concessionárias da época — levavam isso muito em conta, pois carros pretos eram raros até a década de 1970. Por algum motivo, um dia alguém viu nessa cor uma imagem de requinte (seria pelos carros oficiais, de "gente importante"?) e a cor se tornou uma das mais vendidas neste país tropical. Não dá para compreender.

Da mesma forma, como entender a preferência nacional por tons escuros no revestimento interno dos veículos? Experimente sair ao sol intenso com uma camiseta branca e depois com uma preta, e me diga com qual você passou mais calor. É simples fazer um paralelo com o tecido — ou, pior, o couro — dos bancos: quanto mais escuro, mais quente ficará quando exposto à luz solar. Sim, seu carro provavelmente tem película escurecedora nos vidros, mas às vezes isso não impede a entrada do sol pelo pára-brisa quando estacionado.

Tons claros também trazem sensações de espaço e arejamento, que imagino que agradem a qualquer pessoa. No entanto, eles praticamente desapareceram do mercado sob alegação de que o tecido claro "suja muito". Dou aplausos às poucas marcas que mantêm essa opção e, sobretudo, às que oferecem algo de novo em relação ao cinza, como os belos tons de bege do Fiat Linea e dos Toyotas Corolla SE-G e Hilux SW4. Talvez com o tempo o brasileiro passe a apreciar essa alternativa aos interiores cinzentos e escuros, forçando os fabricantes a sair da mesmice.

A própria opção pelo couro já é difícil de compreender. Concordo que dá aspecto luxuoso e que facilita a limpeza, mas e o restante? No clima frio, o couro gela; sob o sol, esquenta a ponto de queimar os desprevenidos — variações bem mais amenas quando o revestimento é de tecido. Que 50% dos compradores desejassem o couro, eu entenderia, mas a impressão é de que o material é preferido por quase todos — só não tem quem não pode ou não quer pagar por ele. Mesmo entre os poucos que dizem não gostar, há quem tenha o couro em seu carro de classe média ou superior porque "não se consegue vender com tecido hoje em dia". Ou seja, o opcional tornou-se obrigatório.

Poder revender o carro sem muita dificuldade e com a menor perda financeira possível — o que explica boa parte das "preferências" brasileiras — é compreensível do ponto de vista racional, mas comprar carro continua a ser um ato determinado pela emoção. E quando a emoção fala alto demais, feliz ou infelizmente, qualquer discurso racional perde o sentido.

Em nome de suposta agilidade, perde-se em todo o resto: aumentam ruído e vibrações, sobe o consumo e surge a incômoda sensação de que o carro "pede marcha" na estrada

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Data de publicação: 6/12/08

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