De
repente, tudo mudou. Em questão de semanas, por causa da crise
econômica mundial, o cenário da indústria automobilística assumiu um
novo aspecto, com fusões e mudanças de mãos entre grandes empresas
do setor. Nunca se viu tantas alterações em tão pouco tempo nesse
panorama.
No último dia 10 a Fiat anunciou a aquisição da Chrysler, que estava
em concordata desde abril. A italiana fica com apenas 20% da
norte-americana, participação que pode crescer até 35%, enquanto os
governos dos Estados Unidos e Canadá detêm 8% e 2%, na ordem, e os
55% restantes cabem a um fundo sindical. Somadas, Fiat e Chrysler
produzem hoje quatro milhões de veículos por ano, quantidade que
pretendem elevar a 5,5 ou seis milhões — talvez precisem de novos
parceiros para atingir a meta.
Para os italianos, a compra abre portas no maior mercado de
automóveis do mundo, de onde a marca saiu há mais de 25 anos. Para a
empresa norte-americana, além da possível salvação financeira, o
acordo cria possibilidades de desenvolver carros menores e mais
econômicos, com base em plataformas Fiat, e de adotar os
conceituados motores a diesel do grupo italiano. Se tudo isso vai
dar certo, é uma incógnita. Há 11 anos a Chrysler passou às mãos da
Daimler-Benz, fabricante dos Mercedes, e o resultado foi uma
tumultuada associação desfeita em 2007. A Fiat, por sua vez, rompeu
após cinco anos a parceria firmada em 2000 com a General Motors.
Enquanto isso, marcas menores — mas também relevantes — mudam de
mãos. Em meio à crise sem precedentes que a colocou em concordata, a
GM pôs à venda várias de suas divisões. A alemã Opel (responsável
pela maioria dos projetos que chegaram à Chevrolet no Brasil, do
Opala ao atual Vectra) teve anunciada no fim de maio sua venda ao
fabricante canadense de autopeças e sistemas Magna.
Pouco depois, já em junho, divulgou-se que a marca de utilitários
Hummer — que a GM havia adquirido de sua criadora, a AM General, em
1998 — passará no terceiro trimestre do ano para o grupo chinês
Sichuan Tengzhong. Nesta terça-feira, 16, foi a vez de a corporação
assinar um acordo preliminar para a venda da sueca Saab a outra
empresa daquele país, a fábrica de supercarros Koenigsegg. Outro
braço da GM, a Saturn, foi vendida ao grupo norte-americano Penske.
Embora em melhor situação financeira que suas colegas da terra de
Tio Sam, a Ford também se desfez nos últimos anos de algumas marcas
que havia comprado em períodos de vacas mais gordas. A inglesa Aston
Martin passou já em 2007 a um grupo de investidores liderado por
David Richards, presidente da empresa de preparação Prodrive, do
mesmo país. As também britânicas Land Rover e Jaguar são da indiana
Tata há um ano; e o grupo chinês BAIC tem interesse na compra da
sueca Volvo. |
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E por aqui?
Como todo esse movimentado panorama afeta você, que vive no
Brasil e provavelmente tem um carro nacional? Os reflexos são
variados.
Para quem possui ou pretende comprar um carro das marcas que mudaram
(ou mudarão) de mãos, os negócios feitos lá fora costumam trazer
mais confiança que apreensão, pois o grupo comprador está em
melhores condições financeiras do que a empresa adquirida e o grupo
que a vendeu. Pode haver, contudo, novas decisões que afetem o
andamento da marca absorvida, como a de alterar drasticamente o foco
de mercado e a linha de produtos, com possíveis efeitos sobre valor
de revenda e oferta de peças de reposição.
E sempre fica alguma dúvida sobre questões como a da qualidade de
construção, sobretudo em caso de transferência dos locais de
produção. Seriam, por exemplo, um hipotético Jaguar feito na Índia e
um eventual Volvo chinês tão bem fabricados quanto os que existiam
sob o guarda-chuva da Ford?
Há também efeitos sobre fabricantes multinacionais instalados aqui.
O caso Fiat-Chrysler pode ser positivo para a empresa de Betim, MG,
dando-lhe condições de atuar, com sua ampla rede de concessionárias,
nos segmentos de utilitários maiores de que ainda não participa.
Para a norte-americana, a compra pode trazer credibilidade perante o
consumidor, um desafio para quem já encerrou por duas vezes suas
atividades de fabricação no País (em 1981 com os carros Dodge, por
ter sido absorvida pela Volkswagen, e em 2002 com o picape Dakota).
O caso da GM é mais complexo. Apesar da autonomia da engenharia
brasileira, que desenvolve carrocerias inteiras (como a do Celta e a
do projeto Viva, em fase final) sobre plataformas e mecânicas
originárias da Opel, a maior parte de seus produtos ainda é
procedente de antigos modelos da marca alemã, agora vendida aos
canadenses. Assim, a GM local tem basicamente dois caminhos: adotar
o padrão da subsidiária sul-coreana do grupo (antiga Daewoo), hoje
responsável pelos carros pequenos vendidos mundo afora pela
corporação, ou ampliar sua autonomia para desenvolver aqui todos os
futuros modelos. A primeira opção me parece bem melhor do ponto de
vista do consumidor, mas pelos infelizes rumos recentes da empresa (leia
editorial) é a segunda que soa mais provável.
Quaisquer que sejam os próximos passos desse carrossel de marcas, é
certo que ele não pode parar. Desde que grandes fusões e aquisições
se tornaram mais frequentes no setor automobilístico, no fim da
década passada, os analistas consideram que o futuro pertence a
grandes grupos, capazes de reduzir custos e ganhar eficiência na
competição pelo consumidor. Se hoje algumas corporações parecem se
desfazer, é provável que disso surjam outros conglomerados e que os
pequenos se fortaleçam para se tornar peças-chave desse jogo nas
próximas décadas. |
Os
negócios feitos lá fora costumam nos trazer mais confiança que
apreensão, pois o grupo comprador está em melhores condições
financeiras do que a empresa adquirida e o grupo que a vendeu |