Os
carros importados estão mais acessíveis novamente. Lançamentos dos
últimos meses têm mostrado essa nova e boa fase para o mercado
brasileiro, que já passou por tantos altos e baixos desde que a
importação voltou a ser permitida, em 1990. Boa fase, sim, pois a
concorrência o faz crescer e se desenvolver. E só não gosta disso
quem prefere a comodidade de não precisar competir.
Nos últimos dias chegaram bons exemplos. O Kia Cerato, sedã médio
sul-coreano com porte e conteúdo de Honda Civic, vem a preço bem
mais baixo que o do "irmão menor" deste último, o City. O Suzuki
SX4, a meio caminho entre um hatch médio-pequeno e um utilitário
esporte compacto, traz tração integral pelo preço de um Ford
EcoSport similar (em equipamentos e motorização) com tração apenas
dianteira. E o primeiro modelo da chinesa Chery, o Tiggo, custa 20%
menos que o EcoSport mais próximo em motor e conteúdo. Vale notar
que o Tiggo, por ser montado no Mercosul (Uruguai), escapa do
Imposto de Importação de 35% que incide sobre o Cerato e o SX4.
Portanto, sem esse tributo os preços do Kia e do Suzuki poderiam ser
ainda mais atraentes.
Semanas antes houve mais novidades importadas a preço competitivo. O
Mitsubishi Pajero Dakar vem da Tailândia, paga o citado imposto e
concorre diretamente com o Toyota Hilux SW4, feito na Argentina e
menos tributado. O novo Ford Fusion, isento do imposto por vir do
México (país com o qual o Brasil mantém acordo comercial), chega na
versão de 2,5 litros e 173 cv, com mais itens de conforto e
segurança, a preço próximo ao do nacional Corolla SE-G, de apenas
1,8 litro e 136 cv, que é ainda um carro bem menor.
Estariam esses importadores perdendo dinheiro? É evidente que não.
Os que produzem aqui os carros dos exemplos é que estão, como tenho
dito sempre, sendo eficientes de menos ou lucrando demais. E nenhuma
dessas opções leva a bons resultados por muito tempo dentro de um
mercado competitivo.
Altos e baixos
Nestes quase 20 anos aberto a importações (após 14 anos de
fechamento, pois até 1976 eram liberadas), nosso mercado passou por
um sobe-e-desce da competitividade dos modelos de fora em relação
aos feitos aqui.
Quando chegaram, os importados eram artigos de luxo. Os primeiros
Civic e Corolla custavam de 30% a 35% mais que um nacional do mesmo
segmento, como Monza, Santana e Tempra, e modelos de luxo — mesmo os
que não pertenciam a marcas de alto prestígio — passavam facilmente
de 100 mil dólares da época, caso do Alfa Romeo 164, que estreou
ainda em 1990 por 135 mil. Iniciativas de trazer carros menores e
mais acessíveis, como as de Suzuki, Daihatsu, Kia e Hyundai, nem
sempre davam certo porque o preço final com tributos não fazia
frente ao dos modelos locais. A exceção foi a russa Lada, que
conseguiu valores atraentes, mas enfrentou problemas de qualidade.
Com o passar do tempo, algumas empresas encontraram formas mais
econômicas de logística, como a Fiat, que passou a trazer o Tipo da
Itália nos mesmos navios que exportavam automóveis brasileiros. Esse
hatch médio pode ser considerado um divisor de águas para o setor,
pois chegou em 1993 a preço muito competitivo aos de Kadett e
Escort, apesar do Imposto de Importação. |
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O
momento de ouro dos importados começou em setembro de 1994, quando
se baixou da noite para o dia o imposto de 35% para 20%, quebrando o
programa de reduções graduais firmado pelo governo. De repente,
importar saía mais barato que produzir aqui e o mercado se viu
repleto de novas opções, como Astra e Mondeo belgas, Ranger
norte-americano, Tempra SW italiana, Golf GL alemão e GLX mexicano
(até então vinha apenas o GTI do México) e Fiesta espanhol (embora
este já estivesse planejado antes). Agora era possível comprar um
Suzuki Swift GTI ou um Citroën AX GTI por menos que os nacionais Uno
Turbo e Gol GTI, um Renault Laguna ou um Subaru Legacy completo por
menos que um Vectra CD feito aqui ou, ainda, um Golf GTI mais barato
que um Pointer GLi 2,0 local. O dólar valia em novembro, mês da
tabela a que me refiro, R$ 0,85.
Contudo, em fevereiro seguinte uma ducha gelada esfriava as
importações: a alíquota dava um salto para 70%, inviabilizando
muitos planos e reconfortando os mais acomodados dentro da indústria
nacional. Em questão de meses, à medida em que os antigos estoques
se esgotavam, os preços subiam até 40%. Não é à toa que os modelos
1995, trazidos no período de imposto baixo, foram e ainda são bem
mais comuns no mercado de importados usados que os de outros anos
próximos.
Depois dessa turbulência as alíquotas voltaram a cair e, com a
estabilização da economia promovida pelo Plano Real, os estrangeiros
retomaram a fase de competitividade. Em meados de 1998, com o dólar
a R$ 1,16, comprava-se um Honda Accord 2,3 ao preço de um Omega CD
4,1 nacional, um Ford Explorer por 10% mais que um Blazer Executive
feito aqui (ambos V6, com caixa automática e tração nas quatro
rodas) ou um Golf GL (já mexicano e ainda da antiga geração) mais
barato que um Escort GLX argentino, ambos de 1,8 litro.
Só que novo susto viria pouco depois. Em fevereiro de 1999 a cotação
da moeda norte-americana explodia de R$ 1,20 para R$ 1,75/R$ 1,80,
trazendo um pesadelo a importadores e consumidores. Vários modelos
lançados ou com lançamento definido pouco antes da tempestade, como
o Omega australiano, o Alfa Romeo 156, o novo VW Passat e o Toyota
RAV4, ficaram muito mais caros do que suas estratégias de mercado
podiam prever. Com a cotação estabilizada em R$ 1,70, em julho
daquele ano o sedã da GM custava 62% mais, em reais, que seu
antecessor feito em São Caetano do Sul, SP no ano anterior. Em
várias marcas o aumento médio chegava a superar 50% nos valores
sugeridos, mas na prática o mercado tinha de trabalhar com cotações
promocionais do dólar para desovar os estoques.
Quando as coisas pareciam mais calmas, veio o receio da economia
pela expectativa da eleição de Lula à presidência, em 2002. O dólar
superou R$ 2,50 em julho, chegou a R$ 3 em outubro e estourou os R$
3,60 no mês seguinte (sempre nas médias mensais), com reflexo direto
nos produtos importados. Comprar carro feito no exterior havia
voltado a ser demonstração de riqueza, até porque as opções mais em
conta deixavam de existir — não havia condições de competição com os
nacionais em preço. Na indústria local, a ordem era substituir
componentes importados por brasileiros, como fez a Fiat ao usar o
motor 1,8 da GM no lugar do 1,6 italiano. Só em meados de 2005 a
cotação média voltava a cair abaixo de R$ 2,50, deixando os
importados novamente atraentes.
Para alívio de uns e queixas de outros — os fabricantes locais, que
lamentam perder espaço no mercado internacional —, o dólar vem
caindo desde então. Passou bastante tempo ao redor de R$ 2, desceu a
R$ 1,60 na média de agosto e setembro do ano passado e, mesmo tendo
voltado a R$ 2,30, está hoje abaixo da barreira dos R$ 2. O imposto
mantém-se em 35% há bastante tempo e, com o mercado consumindo
grande volume de automóveis, surgem melhores condições de negociação
com os fabricantes lá fora. Isso explica o bom momento dos
importados.
Quanto vai durar? Ninguém sabe, e talvez por isso sua aceitação não
seja maior: muitos têm receio de que nova turbulência na economia
eleve os preços de peças de reposição ou mesmo derrubem modelos — e
até marcas — do mercado, o que implicaria grande depreciação e
manutenção cada dia mais difícil. Fatores como esses levam, e
continuarão a levar, muita gente a preferir sempre o carro nacional,
não importa quanto custem e o que ofereçam os estrangeiros. |
O momento de
ouro começou em setembro de 1994, quando o imposto caiu de 35% para
20%. De repente, importar saía mais barato que produzir aqui e o
mercado se viu repleto de novas opções. |