Não é novidade para quem está bem informado sobre o mundo do
automóvel — como os leitores do Best Cars — que os carros
vendidos no Brasil são caros demais em comparação aos de outros
mercados. Já abordamos esse assunto diversas vezes no Editorial, mas
a oportunidade de voltar ao tema veio ao ler a boa matéria a
respeito publicada na revista Exame, nesta semana, e
disponível no site da publicação.
A matéria começa com um exemplo dos mais chamativos: o mesmo Honda
City fabricado em Sumaré, SP que é vendido no Brasil ao preço
sugerido de R$ 57.420 na versão de entrada (LX com caixa manual)
custa apenas US$ 20.100 (R$ 37.800 ao câmbio de R$ 1,88 vigente na
data de publicação deste texto) na vizinha Argentina. Portanto,
pagamos quase R$ 20 mil ou 52% a mais — e a diferença seria ainda
maior se não houvesse a recente alta do dólar, que na semana
anterior valia cerca de R$ 0,10 a menos. Se a comparação da Exame
fosse com o mercado mexicano, que também recebe o City paulista, a
diferença seria ainda mais flagrante: o LX manual custa lá 210.000
pesos ou R$ 30.000, o que nos faz pagar 91% a mais, quase o dobro. E
dizer "o mesmo City" é ser benevolente com a Honda, já que os
mexicanos recebem a versão LX com sistema antitravamento (ABS) nos
freios — para tê-los aqui é preciso passar ao EX — e ambos os mercados usam uma
versão mais elaborada do comando de
válvulas variável i-VTEC, que resulta em potência superior em 5
cv (120 contra 115 cv, ambos com gasolina).
Como sempre acontece nesse tipo de matéria, a revista passa a
abordar nossa desvantagem em termos de tributação. Não resta dúvida
de que pagamos impostos demais no Brasil: cálculo do IBPT (Instituto
Brasileiro de Planejamento Tributário) divulgado nesta semana aponta
que até o próximo dia 28, e desde 1º de janeiro, o brasileiro em
média trabalha apenas para pagar a parcela do governo sobre
seu patrimônio, sua renda e tudo o que consome — uma forma
interessante de mensurar a escorchante carga tributária que incide
sobre todos nós.
Pois bem: a Exame relata que impostos como IPI, ICMS, PIS e
Cofins representam entre 27% e 36% do preço final dos carros nacionais,
contra 6,1% dos vendidos nos Estados Unidos, 9,1% do Japão, 16% na
Alemanha e 20% na Itália. A carga tributária na Argentina e no
México não foi citada, mas informações que colhi há algum tempo
indicavam a adição de pouco mais de 20% ao preço no primeiro caso e 16% no segundo
(portanto, cerca de 17% e 14% do preço são impostos, na ordem). O que
leva ao cálculo: estimando 32% do preço em impostos para o City no
Brasil, 22% na Argentina e 16% no México, os R$ 57.420 do mercado
local deveriam se transformar em algo como R$ 47.600 e R$ 45.300
para eles, na ordem — o que está longe, muito longe, do valor que
eles realmente pagam. Para onde vai toda essa diferença? A revista
não respondeu, mas você pode imaginar.
Diferença que não se restringe ao City, naturalmente. O Civic Si
brasileiro custa na Argentina US$ 35.400 ou R$ 66.450, enquanto a
versão feita nos Estados Unidos, que tem equipamentos a mais (teto
solar, bolsas infláveis laterais), sai no México por 322.500 pesos
ou R$ 46.000. No Brasil ele custa R$ 103.650, o que dá 56% a mais
que no mercado argentino e impressionantes 125% acima do
mexicano. Também não é uma questão restrita à Honda. O "novo"
Chevrolet Classic sai a 42.190 pesos (R$ 20.300) na Argentina e por
120.320 pesos (R$ 17.300) no México, onde se chama Chevy e tem outro
desenho na frente, contra R$ 28.300 aqui — 39% e 63% mais caro, na
ordem. Com um detalhe: os argentinos o recebem com motor de 1,4
litro e 94 cv e os mexicanos usam um 1,6 de 100 cv, muito superiores
a nossa versão de 1,0 litro e 79 cv. Além da defasagem em desempenho
e prazer em dirigir, isso implica que o Classic "de cá" custaria
ainda mais se não fosse agraciado com a menor alíquota de IPI aos
carros de 1,0 litro, uma distinção à qual sempre fomos contrários —
mas isso é assunto para outro Editorial. |
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Pague dois, leve um
Motores diferentes também são usados no Vectra: a Argentina tem
apenas o de 2,4 litros, 16 válvulas e 146 cv, contra o de 2,0
litros, oito válvulas e 140 cv usado no Brasil. Mesmo com um motor
mais elaborado, a versão completa de lá (CD com caixa automática)
custa 99.510 pesos ou R$ 47.860; a daqui (Elite, também automática),
R$ 75.570 — 58% a mais. Os mexicanos não têm mais o Vectra, mas
compram o picape leve Tornado — nosso Montana — com motor de 1,8
litro a partir de 130.830 pesos ou R$ 18.750, enquanto os
brasileiros pagam R$ 30.415 (62% a mais) por um modelo inferior, com
acabamento básico e motor 1,4.
Vamos à Volkswagen. O CrossFox reestilizado, que acaba de chegar à
Argentina, oferece três níveis de equipamento e todos contam de
série com ar-condicionado e rádio/toca-CDs/MP3. O mais barato parte
de 68.620 pesos ou R$ 33.000. E aqui? São R$ 53.520 com a adição
desses opcionais, aumento de 62%. Não é diferente com o Gol nacional vendido no México. A versão de
entrada com motor 1,6 sai por 111.900 pesos (R$ 16.000), ante R$
34.500 do mercado brasileiro. Inacreditáveis 115% de aumento, ou
mais que o dobro, para um carro ser vendido em seu próprio país em
vez de fazer uma longa jornada até o México!
Outro "aventureiro" nacional, a Fiat Idea Adventure, também está
presente naqueles mercados. Na Argentina, com o pacote de segurança
(bolsas infláveis e sistema antitravamento ABS) e o bloqueio de
diferencial que aqui vêm de série, a minivan custa 77.350 pesos ou
R$ 37.200; no México vem com ABS, bancos revestidos em couro e
garantia de dois anos (o dobro da nossa) por apenas 197.900 pesos ou
R$ 28.400. Aos brasileiros, com bolsas e ABS, mas sem couro, custa
R$ 56.900, que são 52% a mais que o preço argentino e o dobro
do valor mexicano. Para fechar com as "quatro grandes", um Fiesta
sedã 1,6 começa em 53.080 pesos (R$ 25.500) na Argentina e 145.400
pesos (R$ 20.750) no México, no segundo caso já com ar-condicionado,
que aqui é opcional. No Brasil ele parte de R$ 37.650, portanto 47%
a mais que no país vizinho e 81% acima do mercado mexicano. Se serve
de consolo, o motor flexível do "nosso" tem de 11 a 13 cv adicionais
às unidades a gasolina usadas nos outros...
Em todos esses casos, os preços do mercado brasileiro estão isentos
de Imposto de Importação por ser tratar de produtos nacionais. Sobre
carros importados, com exceção dos trazidos do México e dos países
do Mercosul, incide a alíquota de 35% e é natural que os preços
subam. Só que sobem demais — sinal de que se ganha muito vendendo
carros por aqui, mesmo quando o governo exige uma fatia mais
generosa do bolo.
O pequeno Smart Fortwo com motor turbo de 84 cv, em versão fechada,
custa no México US$ 14.950 ou R$ 27.750 (não é vendido na
Argentina), e aqui, R$ 57.900 — mais que o dobro. O Audi A4 V6 de
3,2 litros com tração integral sai a US$ 77.350 (R$ 143.500) aos
argentinos, US$ 52.600 (R$ 97.600) aos mexicanos e R$ 238.500 aos
brasileiros, que pagam 66% mais que os primeiros e 144% mais que os
segundos. Está vermelho de raiva? Pois ficará roxo com o próximo
exemplo. O sedã superesportivo BMW M5, uma fera de mais de 500 cv no
motor V10, custa no Brasil R$ 554.000; no México, US$ 117.400 ou R$
218.000; e na Argentina, US$ 171.900 ou R$ 319.000. Isso significa
que nosso preço é 73% mais alto que o dos argentinos e espantosos
155% maior que o dos mexicanos. Isso mesmo: paga-se aqui o valor
de dois carros e meio naquele país. Não há Imposto de Importação que
justifique tamanha diferença!
O que explica todo esse quadro é algo mais difícil de expressar em
números, mas que está muito claro: aceitamos pagar caro — muitas
vezes por automóveis inferiores — desde o início de nossa indústria.
Mesmo que a concorrência tenha aumentado tremendamente em termos de
número de marcas no mercado, cada uma delas sente-se à vontade para
acomodar seus preços em altos patamares. O tema "por que nossos
carros custam tanto", recorrente na imprensa desde muitas décadas
atrás, desperta curiosidade ou mesmo revolta por algum tempo, mas
logo é esquecido e nada faz a situação mudar. Os índices de produção
e vendas da indústria falam por si.
Pagar mais, muito mais talvez esteja mesmo no destino dos
brasileiros. |
O Gol nacional
vendido no México sai por R$ 16.000, ante R$ 34.500 do mercado
brasileiro. Mais que o dobro para um carro ser vendido em seu
próprio país em vez de fazer uma longa jornada! |
Atualização: estudo do IBPT enviado pelo leitor Elton
Minasse, de São Paulo, aponta carga tributária ao redor de 41% do
preço final
(portanto, mais alta que a citada pela Exame) para um carro
nacional com motor flexível de 1.001 a 2.000 cm³, caso do City
citado no exemplo. Com isso, sua versão LX deveria custar R$ 41.300
na Argentina e R$ 39.300 no México, supondo a mesma margem de lucro
usada aqui e sem considerar o custo adicional de frete para esses
países. Como os preços atuais são de R$ 37.800 e R$ 30.000, na
ordem, a Honda local estaria cobrando 9% a mais que o importador
argentino e expressivos 31% mais que o mexicano. O restante da diferença,
contudo, vai
para o governo e não para o fabricante. (27/5/10) |
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