Do século passado

Enquanto a técnica avança para reduzir consumo e emissões, os
carros nacionais permanecem com motores ultrapassados

por Fabrício Samahá

O 79º Salão de Paris, que se encerra dia 17 na capital francesa, deixou clara mais uma vez a preocupação de todos os fabricantes de automóveis com a eficiência dos motores a combustão — quando não sua substituição por unidades elétricas e, no futuro, pilhas a combustível. Não poderia ser diferente diante das normas bastante severas que estão previstas na Europa para reduzir as emissões de dióxido de carbono (CO2), um gás não poluente, mas com suposto efeito de colaboração para o aquecimento global.

Enquanto buscam viabilidade aos carros elétricos, que ainda enfrentam sérias limitações — peso, autonomia, tempo de recarga e, sobretudo, o elevado custo das baterias —, diversas marcas têm feito o possível para tornar mais eficientes seus motores a gasolina e a diesel com medidas como redução de cilindrada, sempre associada a uso de turbocompressor, e emprego de injeção direta, variadores de tempo de válvulas e de coletor de admissão, parada/partida automática e freios regenerativos (que convertem a energia das frenagens em energia elétrica para carregar a bateria, o que atenua o trabalho do alternador).

As caixas de câmbio, em especial as automáticas, têm cada vez mais marchas — há vários modelos com oito delas — para menor atuação do conversor de torque e rotação mais baixa em velocidades de rodovia, o que leva a maior abertura de acelerador e menor consumo, o que sempre sugerimos no método carga. A própria borboleta de aceleração (que causa as chamadas perdas por bombeamento, justamente o que o método carga busca reduzir) perdeu seu lugar em alguns motores, substituída pela variação de levantamento da válvula de admissão. E o emprego de motor elétrico em sistemas híbridos só tem ampliado seu espaço.

A pergunta que fica no ar é: e nós, aqui debaixo do Equador?

É verdade que parte dessas técnicas têm chegado ao mercado nacional, em boa parte por iniciativa dos fabricantes alemães. Audi, BMW, Mercedes-Benz (incluindo a divisão Smart) e Volkswagen já oferecem aqui motores com injeção direta e turbo, duas delas têm caixas de oito marchas (outra, de sete), o Mercedes S 400 dispõe de versão híbrida e o Smart MHD usa parada/partida automática em seu pequeno motor. Diversas unidades BMW contam com o Valvetronic, que elimina a borboleta de aceleração, e variadores de comando e coletor são comuns nas linhas dessas empresas.

(Curiosamente os japoneses, que costumam ter a primazia em inovações técnicas no exterior, são altamente conservadores por aqui e nem mesmo trazem modelos importados de alta tecnologia.)

O problema é que as quatro marcas citadas atuam em segmentos de luxo ou, no caso da VW, limitam tais recursos a modelos de preço mais alto. Mesmo o Smart, oferecido a valores próximos aos de carros médios nacionais, não pode ser considerado acessível diante de suas limitações de tamanho e desempenho. Com isso, economizar combustível e reduzir emissões têm sido privilégio de afortunados, o contrário do que acontece no mercado europeu.

Fabrício Samahá, editor

Custo e manutenção
Quem viveu os anos 80 deve se lembrar da tardia e gradual adoção da injeção eletrônica pelos carros nacionais, iniciada em 1988 pelo VW Gol GTI e seguida, pouco mais de um ano depois, por versões de topo do Santana (Executivo) e do Monza (500 EF). Na época, entre o custo do sistema de alimentação e itens de acabamento exclusivos, essas versões impunham preços cerca de 50% mais altos que os dos modelos convencionais. Meio carro a mais para dispensar o carburador!

O que aconteceu depois? Em dois a três anos, a injeção havia se popularizado a ponto de equipar toda a linha de automóveis da General Motors e versões intermediárias da família Uno, sinal de que o custo do sistema foi rapidamente reduzido com o aumento das vendas e a nacionalização de componentes. O mesmo se daria, tempos depois, com o sistema antitravamento de freios (ABS) e com as bolsas infláveis. É certo que seria igual com a injeção direta e outras tecnologias citadas. Portanto, não cabe o argumento de que o consumidor brasileiro não poderia pagar por elas: o que precisa ser feito é dar o pontapé inicial.

Há quem alegue que o fator manutenção tem peso elevado por aqui, de modo que um motor de técnica defasada, ainda que menos eficiente, seria preferido por muitos compradores. Balela. A mesma injeção eletrônica serve para refrescar a memória: se havia receio de que uma falha de sensor deixasse o motorista na estrada, o tempo mostrou que são sistemas confiáveis, que passam anos sem ao menos serem lembrados. Ou alguém aí tem saudade de usar o afogador para dar partida toda manhã e sair entre esgasgadas?

"Ah, mas e os motores de 16 válvulas?", pode perguntar o leitor, sob o argumento de que unidades com quatro válvulas por cilindro são mal vistas pelo mercado por supostas complicações em manutenção. Pois bem, Honda e Toyota usam motores de 16 válvulas desde que começaram a vender Civic e Corolla por aqui, há quase 20 anos, e não há qualquer rejeição a esses modelos por tal fator. Pelo contrário: o emprego de modernas tecnologias foi uma das razões, na década de 2000, para que ganhassem espaço entre os médios de luxo à custa de marcas como a General Motors — que de fabricante tem se tornado empresa de reciclagem, de tanto aproveitar velhas plataformas e o motor lançado em 1982 no Monza.

Já passou da hora de haver uma atualização geral de motores na produção nacional. Grande parte deles está no mercado há mais de 10 anos; alguns há mais de 20, como o citado da GM e o 2,0-litros da VW. Fabricantes que chegaram na fase de crescimento da indústria no fim dos anos 90, como Peugeot-Citroën e Renault, mantêm as tecnologias daquela época, enquanto na Europa adotam propulsores de nova geração — a ponto de cancelarem a importação de modelos que evoluíram por lá, para não ter os custos de adaptação à gasolina brasileira. Até a "novidade" da Fiat, a linha E-Torq, está muitos anos atrás dos motores que o Marea usava há 10 anos.

O uso de álcool pelos motores flexíveis — quase sempre pouco eficientes em consumo —, ainda que implique menor emissão de CO2, não deve servir de muleta para que a tecnologia permaneça estacionada por aqui. Quando se trata de motores, nossos carros de 2010 continuam, em grande parte, iguais aos que rodavam no século passado.

Em dois a três anos, a injeção havia se popularizado. Seria igual com outras tecnologias: o que precisa ser feito é dar o pontapé inicial.

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Data de publicação: 9/10/10

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