Seja pela longevidade — está completando 50 anos —, seja pelo número
de marcas expositoras ou o de visitantes, o
Salão Internacional do
Automóvel brasileiro merece espaço no grupo dos maiores do
mundo, capitaneado pelos de Detroit, Genebra, Frankfurt, Paris e
Tóquio. Para quem curte carros, é programa praticamente obrigatório
passar algumas horas no "forno" chamado Anhembi, em outubro, a cada
dois anos.
Não terá sido diferente este ano (a mostra termina domingo, dia 7),
em que a organização esperava receber 600 mil visitantes para
conferir 450 veículos de 42 marcas em um espaço de 85 mil metros
quadrados. A essa altura, muitos leitores do Best Cars terão
visitado o Salão e poderão avaliar se concordam ou não com algumas
opiniões deste editor.
Como em qualquer lugar do mundo, esse tipo de evento dá a
oportunidade de conferir, no mesmo espaço, tanto os carros mais
fantásticos à venda — incluindo os superesportivos de milhões de
reais — quanto modelos de conceito, que talvez estejam nas ruas em
alguns anos, mas talvez jamais. Há também quem o visite para
conhecer de perto, sem precisar visitar dezenas de concessionárias,
as opções de carros que seu bolso pode pagar.
Para o primeiro grupo, esse vigésimo sexto Salão tem tudo para ser o
melhor de todos os tempos. Embora a edição de 1986 (apenas com
carros estrangeiros, ainda em tempos de mercado fechado) e a de 1990
(a primeira após a liberação das importações) possam ter sido mais
marcantes por saírem da rotina da época, o evento que ocupa hoje o
Anhembi reúne uma gama de carros exóticos bastante respeitável, com
menção honrosa ao Bugatti Veyron, um dos mais potentes do mundo, e
ao Rossin-Bertin Vorax pelo projeto nacional — por larga margem o
carro "fora de série" mais ambicioso, em termos de desempenho, já
idealizado por aqui.
Há também conceitos marcantes, como o GT da Citroën e o Vision da
BMW, e não só os de apelo esportivo. Se o simpático Peugeot HR1
merece destaque por ser muito recente — foi elaborado para o Salão
de Paris, em setembro —, iniciativas nacionais como o VW Saveiro
Rocket e o Fiat Uno Cabrio são também atraentes. Ainda, os mais
interessados na preservação ambiental podem conferir carros de
produção (infelizmente, a maioria não vendida aqui) e de conceito
com diferentes fórmulas para reduzir ou evitar emissões pelo
escapamento, da propulsão híbrida à pilha a combustível. Nesse
aspecto, elogiável a iniciativa da Ford em importar o Fusion Hybrid
— pena que a um preço que pode limitar em muito seu êxito.
Entretanto, esse Salão é um dos mais modestos da história quanto a
lançamentos nacionais. Há um só novo modelo com produção no Brasil
pronta para começar (a apresentação é ainda em novembro), o Fiat
Bravo, mesmo assim um carro fabricado na Europa há quatro longos
anos. Todo o restante é constituído de carros importados, seja com
Imposto de Importação regular, com alíquota reduzida — caso do VW
Jetta e do Nissan March, que virão do México — ou sem o tributo,
como o Renault Fluence e o Peugeot 408, que serão feitos na
Argentina e chegam em alguns meses.
Com provável exceção ao March, nenhum desses modelos custará menos
de R$ 50 mil. Isso significa que o enorme volume de mercado abaixo
desse patamar de preço nada terá de realmente novo, para ver e
depois comprar, que seja produzido aqui ou nos países com acordos
comerciais com o Brasil. Esse público, por outro lado, verá
numerosas marcas chinesas disputando sua atenção e seu poder de
compra, um risco evidente à estagnada indústria nacional. |
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Uma possível razão para esse contraste — muitas novidades de fora,
quase nenhuma local — é o cenário de crise por que o mundo passou
nos últimos dois anos, momento de cautela no qual investimentos são
naturalmente protelados ou revistos. É fácil perceber que a produção
de um novo carro (novo mesmo, não mera reforma visual) em solo
nacional demanda mais tempo e investimento que a importação. Assim,
o Salão de 2010 pode representar um período de transição, em que as
iniciativas para modernizar a fabricação local ainda estariam por
ser tomadas.
A confirmar essa tese, além de projetos de substituição de modelos
pelas várias marcas, há planos como o do carro mais barato da Toyota
(que deverá ser o Etios), aguardado para 2012, e o dos primeiros
nacionais de origem chinesa, que a Chery começa a fazer em Jacareí,
SP, um ano depois. Com isso, é provável que o Salão de 2012 seja
mais interessante em termos de veículos acessíveis à grande massa.
Imprensa
Eu não poderia deixar de comentar, mesmo sob risco de ser
repetitivo: para os jornalistas que cobriram o evento, nosso Salão
ainda tem muito a melhorar.
Em primeiro lugar, é preciso entender de uma vez por todas que os
dias de imprensa — como é comum no exterior — destinam-se em sua
íntegra ao trabalho dos jornalistas. Isso significa entregar estande
e carros prontos na abertura das portas do evento, e não apenas no
horário da entrevista coletiva da marca. Só que no Brasil isso é
mais exceção do que regra: na maior parte da segunda e da
terça-feira, o que se viam eram estandes em arrumação, carros sendo
encerados, as modelos ainda fora de seus postos.
O campeão do desrespeito, para manter a tradição, foi mais uma vez o
importador Ferrari-Maserati, que manteve seu principal lançamento —
o 599 GTO — coberto com capa durante os dois dias. O carro foi
revelado apenas na noite de terça, em horário (19 horas) no qual
grande parte dos jornalistas já não estava no Anhembi, pois as
coletivas já haviam se encerrado.
O segundo aspecto é que a estrutura de trabalho não mereceu a devida
atenção dos organizadores. Por mais que as tecnologias de mobilidade
permitam aos profissionais enviar conteúdos durante a circulação no
pavilhão, como de telefones celulares e computadores com conexão
pela mesma forma, a sala de imprensa organizada pelo evento não
poderia apresentar problemas como as sucessivas quedas de conexão
sem fio à internet e a falha do ar-condicionado em um local com
dezenas de pessoas.
Se o Salão chegou aos 50 anos e nada disso foi corrigido, talvez
haja tempo para fazer os acertos nos próximos 50. Ficamos na
torcida. |
Um enorme
volume de mercado nada terá de realmente novo, para ver e depois
comprar, que seja produzido aqui ou nos países com acordos
comerciais com o Brasil |