Saída estratégica

Denise Johnson, que deixou a presidência da General Motors, parecia
não concordar com os rumos equivocados que a empresa assumiu

por Fabrício Samahá

Um assunto tomou conta dos debates acerca do mercado automobilístico nos últimos dias: a saída de Denise Johnson no dia 21 da presidência da General Motors do Brasil, cargo que a norte-americana ocupava havia menos de sete meses. Como é muito raro um executivo da indústria deixar tal função em tão pouco tempo, criou-se grande discussão sobre os motivos do pedido de demissão.

Oficialmente, como se espera, a empresa nada admite de especial: Denise "decidiu deixar a empresa em busca de novas oportunidades de carreira. As razões para a saída são de ordem pessoal", anunciou Jaime Ardila, presidente da GM América do Sul e que assume a presidência local até a nomeação de outro executivo. No entanto, analistas do setor apresentam versões diferentes.

Marcelo Onaga, editor e colunista da conceituada revista Exame, publicou: "Executivos e especialistas de mercado ouvidos por Exame afirmaram que Denise não estava satisfeita com a qualidade dos produtos, nem com o comprometimento de sua equipe. O caso mais explícito desse descontentamento teria ocorrido no fim do ano passado. A executiva vetou o lançamento da nova versão da picape Montana e entrou em rota de colisão com o responsável pelo projeto, o vice-presidente de engenharia da montadora, Pedro [sic] Mandruchakian. Denise questionou a qualidade do carro e exigiu alterações que resultaram em um atraso de dois meses para o lançamento da nova Montana. A demora, e os prejuízos causados por ela, desagradaram a matriz e teriam enfraquecido a posição de Denise".

Para quem não conhece sua trajetória, vale notar que Denise Johnson não era apenas administradora, como muitos executivos que chegam a sua função na indústria automobilística. Há 25 anos na General Motors, é formada em engenharia mecânica pela Universidade Estadual de Michigan e possui mestrado em engenharia mecânica e em administração pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT). Portanto, uma formação que faz dela alguém com bagagem própria para compreender e discutir questões técnicas relacionadas aos produtos da empresa que dirigia.

Diante desse quadro e de tudo o que já foi abordado no Best Cars sobre a atual General Motors, é fácil imaginar como a presidente deve ter ficado insatisfeita com os rumos da empresa durante sua breve passagem pela subsidiária brasileira.

Há mais de dois anos, no editorial da edição 291, aproveitamos a ocasião do aniversário de 40 anos do lançamento do Opala — um marco indiscutível na história do fabricante — para analisar como a GM vinha abandonando sua imagem e seus valores, ano após ano, lançamento após lançamento, em busca do único objetivo de aumentar lucros. Um intuito inerente a qualquer atividade industrial e comercial, é verdade, mas que se põe em risco quando o consumidor percebe que está passando por bobo.

De novembro de 2008 para cá, algumas boas coisas foram feitas pela GM do Brasil, como iniciar a importação do Malibu para compensar a falta de prestígio do Vectra no mercado de sedãs médio-grandes. Com uma reformulação repleta de retrocessos técnicos, enquanto a concorrência caminhava a passos largos, a empresa deixou se esvair todo o apelo que envolvia esse sonho de consumo de muitos na década de 1990
o Vectra anterior foi líder de seu segmento por vários anos e o modelo mais vendido entre os que não vinham da categoria de entrada.

O Malibu pode ter representado uma recuperação em imagem, mas pouco trouxe em termos de sucesso comercial. Na soma dos dois últimos meses fechados — dezembro e janeiro —, o índice de emplacamentos da Fenabrave registra menos unidades do modelo que as de Ford Fusion, Hyundai Azera, Sonata da mesma marca ou BMW Série 3. Os dois últimos são carros até mais caros que o Malibu, ou seja, nem o fator preço tem compensado a reputação em declínio da marca norte-americana.

Fabrício Samahá, editor

Rumos lamentáveis
Outros lançamentos da GM desde então, esses desenvolvidos pela engenharia local, foram o hatch Agile e o picape Montana dele derivado. Os dados recentes da Fenabrave apontam para o Agile uma atuação discreta em sua categoria, atrás de Fox e Fiesta, e para o Montana o terceiro lugar em vendas na classe, superado pelo Strada (à razão de três unidades para uma) e pelo Saveiro.

Se o fabricante pode considerar que esses sejam relativos êxitos comerciais, os que apreciam bons automóveis só têm a lamentar os rumos da GM. Para não entrar em questões pessoais como estilo, fator que cada um pode julgar por si só, o Agile e seu derivado mostram claras desvantagens em relação ao Corsa (o lançado em 2002) e ao antigo Montana da mesma linha, como plataforma uma geração mais antiga, ambiente interno oprimido pelo para-brisa muito próximo (resultado do aproveitamento de parte da arquitetura do Celta) e posição de dirigir prejudicada pelos pedais desalinhados (mesma observação anterior).

Progressos? Apenas ligeiro aumento de espaço para os passageiros, no hatch, por conta das maiores dimensões externas.

Fica simples entender por que Denise Johnson teria "entrado em rota de colisão" com a engenharia da GM — como publicou Exame — a respeito do novo Montana. Seu conhecimento técnico, acredito, lhe teria evidenciado já no primeiro momento os retrocessos desse picape em relação a seu antecessor lançado em 2003. Se em sete anos a GM não conseguiu evoluir, é claro que no mesmo período a concorrência avançou. A executiva deve ter percebido que a empresa sob seu comando estava por dar um tiro nos próprios pés.

Além disso, por sua experiência de 25 anos na matriz norte-americana, Denise certamente acumulou bagagem sobre os erros cometidos pela GM nos Estados Unidos que culminaram com sua recente concordata. Naquele mercado, entre outros problemas não relacionados a produtos, a empresa insistiu em automóveis com tecnologia superada diante da concorrência asiática, economizou demais em aspectos como qualidade e acabamento e apoiou-se em excesso em veículos baratos de produzir e lucrativos de vender — como picapes e utilitários esporte —, que perderam espaço à medida que o preço da gasolina subiu.

Qualquer semelhança com a GM do Brasil não é mera coincidência. O que tem sido feito aqui? Reciclagem ao infinito de plataformas, motores e componentes em nome da obsessiva redução de custos; declínio da qualidade de peças (vejam-se casos conhecidos, como a reduzida vida útil de embreagens dos modelos de 2,0 litros) e do acabamento a olhos vistos; e ênfase na produção de carros que, por sua construção antiquada, embora maquiada por nova carroceria, ampliam as margens de lucro em prejuízo do consumidor.

É demais esperar que, apesar de toda a imagem construída em décadas pelos bons produtos da época, a fidelidade do cliente resista a tudo isso.

O mercado brasileiro não se compara ao norte-americano em nível de exigência, o que tem assegurado algum espaço à GM apesar de suas equivocadas estratégias. Mas há sinais de que as coisas estejam mudando: o fabricante perdeu quatro pontos percentuais na participação de mercado (de 21,9% para 17,9%) entre janeiro de 2010 e o mesmo mês de 2011.

Anuncia-se uma grande renovação de produtos na subsidiária brasileira para os próximos dois anos. Pode parecer um alento, mas persiste a apreensão: no lançamento do Agile — primeiro modelo do período recente com nome terminado em "e" e não "a", como era regra até então — a empresa anunciou que o detalhe da denominação indicava uma nova fase no mercado nacional. Se essa é sua nova fase, a de caminhar para trás em tecnologia e qualidade, tudo que resta é preocupação sobre o que será da General Motors do Brasil no futuro.

Fica simples entender por que Denise Johnson teria "entrado em rota de colisão" com a engenharia da GM. Deve ter percebido que a empresa estava por dar um tiro nos próprios pés.

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Data de publicação: 26/2/11

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