Velhinhos que valem a pena

Em nosso mercado, um automóvel de projeto antigo e preço menor
pode oferecer o mesmo — ou até mais — que um novo modelo

por Fabrício Samahá

Quem lê o Best Cars há algum tempo sabe que defendemos o avanço tecnológico e a renovação dos automóveis — mais de uma vez abordamos, no Editorial, a necessidade de nossos carros evoluírem em projeto, mecânica e segurança. No entanto, o que se tem visto em vários casos são lançamentos que pouco ou nada representam de avanço sobre os modelos das mesmas marcas já com anos de janela.

É natural que o estilo seja aprimorado, muitas vezes em sintonia com o que o fabricante oferece de mais recente no mercado mundial. Mas, nos aspectos que realmente importam no uso de um automóvel — como espaço interno, desempenho, comportamento dinâmico, segurança —, tem sido frequente a evolução ser discreta, quando não ocorre retrocesso.

O que nos leva a uma análise: vale sempre a pena pagar mais pelo novo produto, ou o antigo tem plenas condições de atender aos mesmos requisitos por um preço menor? Ou, ainda, não compensa gastar um pouco mais e optar por um modelo de maior porte e categoria superior, embora com projeto menos moderno?

Veja-se o caso de Corsa e Agile, na General Motors. O Corsa (o modelo "novo", não o Classic) é considerado o antigo entre esses dois modelos, pois foi lançado em 2002 e mudou pouco desde então. O Agile, que chegou sete anos depois, pode ser visto como seu sucessor — mas na prática, como já debatido aqui, foi derivado da plataforma do Celta e do Classic, de geração anterior à do Corsa. Em aspectos como projeto de suspensão e posição de dirigir, o "velho" é que é mais moderno.

O Agile é um pouco maior por fora e por dentro, mas quando se paga a mais por ele? Do Corsa Maxx para o Agile LT são mais de R$ 3 mil, sendo que ambos vêm com direção assistida e sem ar-condicionado. O "antigo" ainda vem com alarme e controle elétrico dos vidros e travas, mas não bolsas infláveis frontais, que no "novo" são, de qualquer forma, opcionais. O motor de 1,4 litro é o mesmo para ambos, com pequena diferença de potência a favor do Corsa. Portanto, a não ser em espaço, o modelo antigo é melhor compra
— e, a meu ver, muito mais bonito.

Ainda na Chevrolet, chama atenção a diferença de preço entre o veterano Astra Advantage e o mais atual Vectra GT com igual motor de 2,0 litros: mais de R$ 10 mil. Não resta dúvida de que o Vectra agrade mais aos olhos por fora e por dentro, aspecto em que o Astra — sem alteração de monta desde 2002 — parece uma viagem ao passado. Mas, e no restante?

Além do motor, eles compartilham a plataforma e a distância entre eixos, o que explica as semelhanças em espaço interno e comportamento dinâmico — e o Astra é até mais espaçoso para bagagem. Se o modelo mais novo vem com ar-condicionado e rodas de alumínio de 16 pol, o mais antigo também. O que o GT traz de série são bolsas infláveis frontais (opcionais no Astra) e freios com sistema antitravamento (ABS), que estão longe de justificar a diferença de valores. A maior parte do que se paga é, claramente, pela aparência.

No caso da Ford, há diferenças de projeto mais abrangentes entre o antigo Fiesta Rocam, fabricado no Brasil, e o novo Fiesta importado do México, apesar de usarem o mesmo nome. Separados em projeto em sete anos (considerados os lançamentos europeus), eles usam motores também diversos, sendo o Sigma do mexicano mais moderno, potente e eficiente. E basta olhar para as carrocerias para enxergar o contraste entre o moderno e o antigo.

Contudo, em espaço interno a situação fica difícil para o novo modelo, que não cresceu em entre-eixos e perdeu volume interno para ganhar em segurança. Ambos equipados com freios ABS, ar-condicionado, direção assistida, controle elétrico dos vidros e travas, rodas de alumínio e rádio/toca-CDs, o aumento de preço do antigo Fiesta para o novo é de R$ 7,6 mil, mas nessa condição só o "velho" tem bolsas infláveis frontais. Aplique-as ao novo e você terá um pacote de R$ 3,8 mil com bancos de couro e sete bolsas, o que eleva o degrau entre as gerações para R$ 11,4 mil.

Surge então a pergunta: quanto custaria dar mais um passo dentro da linha Ford e escolher o Focus sedã, pouco mais antigo em projeto, mas muito mais espaçoso, com linhas ainda atuais e suspensão traseira multibraço? Para surpresas de muitos, apenas mais R$ 500, com o mesmo motor Sigma. Esse Focus vem com bolsas infláveis frontais, mas não o couro e o ABS. Selecionar o item de segurança requer passar ao GLX com o opcional, por R$ 3,4 mil acima do Fiesta mais equipado. Ficam faltando cinco das bolsas e o revestimento, mas a meu ver o passo adiante é muito tentador.

Fabrício Samahá, editor

Mais por menos
Outro exemplo de carro menor, e novo, com preço próximo ao de um maior e mais antigo está na Citroën. Se não o incomodar rodar numa minivan igual à lançada há 10 anos, a Xsara Picasso mostra uma relação custo-benefício que impressiona: por R$ 54 mil vem com bolsas infláveis frontais e laterais dianteiras, computador de bordo e ar-condicionado adicional para o banco traseiro. Em promoção, traz ainda toca-DVDs para quem viaja atrás e rodas de alumínio.

No mesmo saguão da concessionária certamente haverá uma C3 Aircross, a minivan compacta com aspecto robusto, inspirado nos utilitários esporte, e a imagem de um modelo recém-lançado, como você gostaria de mostrar aos vizinhos. Mas isso não sai de graça.

Para ter bolsas infláveis frontais, a Aircross deve ser a GLX com esse opcional. Continua sem as bolsas laterais, ar-condicionado traseiro e toca-DVDs, embora traga rodas de alumínio. O motor é o mesmo de 1,6 litro, mas o carro oferece menos espaço para passageiros e bagagem. Nem por isso é bem mais rápido ou econômico, já que a Picasso pesa 4 kg a menos.  Ao menos a Aircross custa menos para compensar suas desvantagens? Nada disso: com as bolsas, sai por R$ 4,1 mil a mais  que a Xsara. É preciso gostar muito de um estepe pendurado na tampa traseira para achar que vale a pena!

Para concluir, um caso que não poderia faltar. Com o lançamento do Fluence, a perua Grand Tour teve o preço reduzido em uma só versão com bom pacote de equipamentos. Espaçosa e ainda atraente, sai por R$ 49 mil com bolsas infláveis frontais, ABS, rodas 16 e rádio/toca-CDs, entre outros itens. O motor 1,6 tem 115 cv (álcool). Ao oferecer tanto por tão pouco, a Grand Tour se torna uma alternativa a quase qualquer carro pequeno ou médio do mercado.

Para não sair da marca, o sedã Symbol Privilège com o mesmo motor e ABS opcional custa apenas R$ 3 mil a menos que a Mégane, embora seja um carro muito menor, tenha menos conteúdo de conveniência e, convenhamos, esteja longe de ser a última palavra na categoria em estilo e tecnologia. Eu só pensaria duas vezes se a Grand Tour não coubesse na garagem.

Como escrevi no início, sou favorável ao avanço dos automóveis. E claro que agrada a qualquer pessoa rodar em algo que expresse modernidade. Um lançamento recente ainda traz a perspectiva de se manter em produção por vários anos, enquanto um modelo em fim de carreira está sob risco de ser logo sacado do catálogo. Mesmo com tais ressalvas, a relação custo-benefício dos "velhinhos" anda mais atraente
para quem não se importar em comprar um automóvel novo com certo jeito de usado. E não só por custarem menos, mas por oferecerem, em vários casos, a mesma mecânica e até vantagens em alguns aspectos.

Nos mercados desenvolvidos, é praxe uma nova geração assumir de imediato o lugar da anterior, por trazer evoluções concretas com aumento de preço discreto, quando não pelo mesmo valor. Como sabemos, isso não acontece no Brasil: ou se lança o verdadeiro sucessor do carro como se pertencesse a uma categoria superior
— com preço a essa altura , ou se oferece um produto inferior por valor semelhante ao do antigo, aproveitando o interesse do mercado pela novidade.

Enquanto for essa a prática, vale a pena analisar com atenção o que cada modelo oferece e, com a emoção um pouco de lado — esqueça o que os vizinhos vão achar —, decidir se o novo compensa mesmo o custo adicional sobre o antigo. Você concluirá que, muitas vezes, a resposta é não.

Ao lado da Xsara Picasso haverá a C3 Aircross, recém-lançada, como você gostaria de mostrar aos vizinhos. Mas isso não sai de graça.
 

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Data de publicação: 7/5/11

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