Quem lê o Best Cars há algum tempo sabe que defendemos o
avanço tecnológico e a renovação dos automóveis — mais de uma vez
abordamos, no Editorial, a necessidade de nossos carros evoluírem em
projeto, mecânica e segurança. No entanto, o que se tem visto em
vários casos são lançamentos que pouco ou nada representam de avanço
sobre os modelos das mesmas marcas já com anos de janela.
É natural que o estilo seja aprimorado, muitas vezes em sintonia com
o que o fabricante oferece de mais recente no mercado mundial. Mas,
nos aspectos que realmente importam no uso de um automóvel — como
espaço interno, desempenho, comportamento dinâmico, segurança —, tem
sido frequente a evolução ser discreta, quando não ocorre
retrocesso.
O que nos leva a uma análise: vale sempre a pena pagar mais pelo
novo produto, ou o antigo tem plenas condições de atender aos mesmos
requisitos por um preço menor? Ou, ainda, não compensa gastar um
pouco mais e optar por um modelo de maior porte e categoria
superior, embora com projeto menos moderno?
Veja-se o caso de Corsa e Agile, na General Motors. O Corsa (o modelo
"novo", não o Classic) é considerado o antigo entre esses dois
modelos, pois foi lançado em 2002 e mudou pouco desde então. O
Agile, que chegou sete anos depois, pode ser visto como seu sucessor
— mas na prática, como já debatido aqui, foi derivado da plataforma
do Celta e do Classic, de geração anterior à do Corsa. Em aspectos
como projeto de suspensão e posição de dirigir, o "velho" é que é
mais moderno.
O Agile é um pouco maior por fora e por dentro, mas quando se paga a
mais por ele? Do Corsa Maxx para o Agile LT são mais de R$ 3 mil,
sendo que ambos vêm com direção assistida e sem ar-condicionado. O
"antigo" ainda vem com alarme e controle elétrico dos vidros e
travas, mas não bolsas infláveis frontais, que no "novo" são, de
qualquer forma, opcionais. O motor de 1,4 litro é o mesmo para
ambos, com pequena diferença de potência a favor do Corsa. Portanto,
a não ser em espaço, o modelo antigo é melhor compra
— e, a meu ver, muito
mais bonito.
Ainda na Chevrolet, chama atenção a diferença de preço entre o
veterano Astra Advantage e o mais atual Vectra GT com igual motor de
2,0 litros: mais de R$ 10 mil. Não resta dúvida de que o Vectra
agrade mais aos olhos por fora e por dentro, aspecto em que o Astra
— sem alteração de monta desde 2002 — parece uma viagem ao passado.
Mas, e no restante?
Além do motor, eles compartilham a plataforma e a distância entre
eixos, o que explica as semelhanças em espaço interno e
comportamento dinâmico — e o Astra é até mais espaçoso para bagagem.
Se o modelo mais novo vem com ar-condicionado e rodas de alumínio de
16 pol, o mais antigo também. O que o GT traz de série são bolsas
infláveis frontais (opcionais no Astra) e freios com sistema
antitravamento (ABS), que estão longe de justificar a diferença de
valores. A maior parte do que se paga é, claramente, pela aparência.
No caso da Ford, há diferenças de projeto mais abrangentes entre o
antigo Fiesta Rocam, fabricado no Brasil, e o novo Fiesta importado
do México, apesar de usarem o mesmo nome. Separados em projeto em
sete anos (considerados os lançamentos europeus), eles usam motores
também diversos, sendo o Sigma do mexicano mais moderno, potente e
eficiente. E basta olhar para as carrocerias para enxergar o
contraste entre o moderno e o antigo.
Contudo, em espaço interno a situação fica difícil para o novo
modelo, que não cresceu em entre-eixos e perdeu volume interno para
ganhar em segurança. Ambos equipados com freios ABS,
ar-condicionado, direção assistida, controle elétrico dos vidros e
travas, rodas de alumínio e rádio/toca-CDs, o aumento de preço do
antigo Fiesta para o novo é de R$ 7,6 mil, mas nessa condição só o
"velho" tem bolsas infláveis frontais. Aplique-as ao novo e você
terá um pacote de R$ 3,8 mil com bancos de couro e sete
bolsas, o que eleva o degrau entre as gerações para R$ 11,4 mil.
Surge então a pergunta: quanto custaria dar mais um passo dentro da
linha Ford e escolher o Focus sedã, pouco mais antigo em projeto,
mas muito mais espaçoso, com linhas ainda atuais e suspensão
traseira multibraço? Para surpresas de muitos, apenas mais R$ 500,
com o mesmo motor Sigma. Esse Focus vem com bolsas infláveis
frontais, mas não o couro e o ABS. Selecionar o item de segurança
requer passar ao GLX com o opcional, por R$ 3,4 mil acima do Fiesta
mais equipado. Ficam faltando cinco das bolsas e o revestimento, mas
a meu ver o passo adiante é muito tentador. |
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Mais por menos
Outro exemplo de carro menor, e novo, com preço próximo ao de um
maior e mais antigo está na Citroën. Se não o incomodar rodar numa
minivan igual à lançada há 10 anos, a Xsara Picasso mostra uma
relação custo-benefício que impressiona: por R$ 54 mil vem com
bolsas infláveis frontais e laterais dianteiras, computador de bordo
e ar-condicionado adicional para o banco traseiro. Em promoção, traz
ainda toca-DVDs para quem viaja atrás e rodas de alumínio.
No mesmo saguão da concessionária certamente haverá uma C3 Aircross,
a minivan compacta com aspecto robusto, inspirado nos utilitários
esporte, e a imagem de um modelo recém-lançado, como você gostaria
de mostrar aos vizinhos. Mas isso não sai de graça.
Para ter bolsas infláveis frontais, a Aircross deve ser a GLX com
esse opcional. Continua sem as bolsas laterais, ar-condicionado
traseiro e toca-DVDs, embora traga rodas de alumínio. O motor é o
mesmo de 1,6 litro, mas o carro oferece menos espaço para
passageiros e bagagem. Nem por isso é bem mais rápido ou econômico,
já que a Picasso pesa 4 kg a menos. Ao menos a Aircross
custa menos para compensar suas desvantagens? Nada disso: com as
bolsas, sai por R$ 4,1 mil a mais que a Xsara. É
preciso gostar muito de um estepe pendurado na tampa traseira para
achar que vale a pena!
Para concluir, um caso que não poderia faltar. Com o lançamento do
Fluence, a perua Grand Tour teve o preço reduzido em uma só versão
com bom pacote de equipamentos. Espaçosa e ainda atraente, sai por
R$ 49 mil com bolsas infláveis frontais, ABS, rodas 16 e
rádio/toca-CDs, entre outros itens. O motor 1,6 tem 115 cv (álcool).
Ao oferecer tanto por tão pouco, a Grand Tour se torna uma
alternativa a quase qualquer carro pequeno ou médio do mercado.
Para não sair da marca, o sedã Symbol Privilège com o mesmo motor e
ABS opcional custa apenas R$ 3 mil a menos que a Mégane, embora seja
um carro muito menor, tenha menos conteúdo de conveniência e,
convenhamos, esteja longe de ser a última palavra na categoria em
estilo e tecnologia. Eu só pensaria duas vezes se a Grand Tour não
coubesse na garagem.
Como escrevi no início, sou favorável ao avanço dos automóveis. E
claro que agrada a qualquer pessoa rodar em algo que expresse
modernidade. Um lançamento recente ainda traz a perspectiva de se
manter em produção por vários anos, enquanto um modelo em fim de
carreira está sob risco de ser logo sacado do catálogo. Mesmo com
tais ressalvas, a relação custo-benefício dos "velhinhos" anda mais
atraente —
para quem não se
importar em comprar um automóvel novo com certo jeito de usado. E
não só por custarem menos, mas por oferecerem, em vários casos, a
mesma mecânica e até vantagens em alguns aspectos.
Nos mercados desenvolvidos, é praxe uma nova geração assumir de
imediato o lugar da anterior, por trazer evoluções concretas com
aumento de preço discreto, quando não pelo mesmo valor. Como
sabemos, isso não acontece no Brasil: ou se lança o verdadeiro
sucessor do carro como se pertencesse a uma categoria superior
— com
preço a essa altura
—,
ou se oferece um produto inferior por valor semelhante ao do antigo,
aproveitando o interesse do mercado pela novidade.
Enquanto for essa a prática, vale a pena analisar com atenção o que
cada modelo oferece e, com a emoção um pouco de lado — esqueça o que
os vizinhos vão achar —, decidir se o novo compensa mesmo o custo
adicional sobre o antigo. Você concluirá que, muitas vezes, a
resposta é não. |
Ao lado da
Xsara Picasso haverá a C3 Aircross, recém-lançada, como você
gostaria de mostrar aos vizinhos. Mas isso não sai de graça. |