Dias atrás, navegando pelo Best Cars para verificar alguns
conteúdos, vi um anúncio de publicidade que me chamou a atenção. A
imagem mostrava um Ford Focus, um Honda Civic e um Chevrolet Astra
com aparência de competição. Ao se passar o ponteiro do mouse pelo
anúncio, os carros de rua correspondentes "caíam", deixando no alto
apenas as carrocerias de corrida, enquanto surgia a frase: "Carros
de verdade. Combustível e lubrificante também."
Tratava-se de um anúncio da Copa Petrobrás de Marcas. Só que os carros desse
campeonato pouco têm em comum com os citados modelos de produção: todos, qualquer que seja a marca da carroceria,
recebem motor argentino preparado pela Berta e caixa de câmbio sequencial Xtrac inglesa. Portanto, eventual vitória
de um dos modelos nada significa em termos de superioridade técnica de seu equivalente de rua. Esses são
os "carros de verdade"?
O leitor pode argumentar, com certa razão, que não é um fato novo: a
Stock Car há anos tem colocado
"bolhas" que lembram as carrocerias de modelos de rua (hoje, apenas
Chevrolet Vectra e Peugeot 408, mas já houve outros como Mitsubishi
Lancer e Volkswagen Bora) sobre chassis tubulares com motores V8, ou
seja, estruturas e mecânicas sem qualquer relação com as usadas pelos carros de
série. No entanto, no caso da Copa Petrobrás, chama atenção a
impropriedade de falar em "marcas" para carros que não têm a mecânica das fábricas que representam.
Levando o assunto um pouco além, o que se nota é que vivemos num
país do faz-de-conta, e não só quando se trata de competições de
automóveis.
A mesma Petrobrás nos rende um bom exemplo, já que distribui e vende
um combustível chamado de gasolina, mas que está longe de ser apenas
isso: de 18% a 25% do líquido, conforme o padrão vigente hoje, é
álcool. Ou seja, se fazemos de conta que usamos gasolina, na verdade
pagamos um preço dos mais altos do mundo por um coquetel.
É por isso que a "gasolina" subiu tanto de preço nos últimos meses,
empurrada pela maxivalorização do álcool. É também por esse motivo
que qualquer carro importado, para funcionar bem com a "gasolina"
brasileira, precisa ter sua central de injeção e ignição recalibrada,
o que implica custos e desestimula os fabricantes a oferecerem por
aqui modelos com expectativa de pequeno volume de vendas — que não
raro são vendidos em mercados muito menores, como o argentino. É,
ainda, por isso que o proprietário de um carro adquirido aqui pode
ter alguns problemas ao viajar para um país vizinho e abastecer com
gasolina "de verdade", pura (a menos que se trate de um flexível da
Renault ou de um Fiat Siena Tetrafuel). |
Exportar álcool?
Por falar em álcool, outro caso de faz-de-conta. Vendemos ao
mundo a ideia (verdadeira) de que fomos pioneiros na produção de
carros a álcool, ainda na década de 1970, mas também nos é vendida a
ideia de que podemos ser grandes fornecedores desse combustível para
outros países. Será? Está à vista de todos como o setor produtivo
tem sido incapaz de atender até mesmo à demanda interna por álcool
para veículos. Imagine como seria se estivessem com gigantescos
contratos de exportação!
O que nos leva a mais um faz-de-conta. Com a consciência ambiental
em alta, muito se fala nos efeitos benéficos do uso de álcool pelos
veículos na concentração de gás carbônico, que se acredita
contribuir para o aquecimento do planeta. Governo e fabricantes
gostam de contar — se no exterior, melhor ainda — quantos carros
flexíveis já rodam por aqui e como prezamos essa questão ambiental.
Pois bem: quantos continuaram a usar álcool durante a recente crise
que levou o preço desse combustível à estratosfera? Faz-se de conta
que há um objetivo ecológico, mas tudo não passa do interesse em
pequena vantagem financeira.
Combustíveis à parte, há bastante faz-de-conta também no mercado de
automóveis. Que outro nome se pode dar ao fato de carros populares
nos Estados Unidos — como Civic e Corolla — serem vendidos aqui com
a imagem de modelos de luxo? E não é só: à medida que os automóveis
crescem em tamanho e ganham tecnologia no exterior, o Brasil faz
"promoções" em seus modelos para que preencham um segmento superior.
Caso típico foi o do Chevrolet Vectra, cuja segunda geração deu
lugar, por aqui, a um similar do Astra europeu, enquanto o
verdadeiro Vectra da Opel alemã crescia e ganhava sofisticação até
se transformar no Insignia.
Se ao menos os carros fossem elevados em posição no mercado, mas
evoluíssem por inteiro, ainda seria razoável. Mas não: aqui na terra
do faz-de-conta, os desenhos de carroceria podem até acompanhar as
novas gerações lançadas lá fora, mas por dentro — na mecânica — tudo
fica praticamente como estava.
E o que são as versões "aventureiras", senão um grande faz-de-conta?
Algumas ainda trazem vantagem prática de uso, como maior vão livre
do solo ou pneus de perfil alto para lidar melhor com lombadas,
valetas e buracos do "fora-de-estrada urbano", mas não todas. Em
geral, paga-se mais por um carro com uma série de apetrechos inúteis
ou até inconvenientes — como o estepe externo improvisado de Fiat
Idea Adventure e VW CrossFox, que atrapalha o acesso ao
compartimento de bagagem. Não é à toa que mais e mais fabricantes se
lançam a esse segmento: deve ser muito lucrativo usar para-choques
sem pintura e cobrar um preço mais alto que o da versão que traz as
peças pintadas.
O faz-de-conta está também na legislação de trânsito e em sua
aplicação. Como já se disse, de leis temos mais que o suficiente —
precisamos é fazê-las valer. E o que acontece na prática? Colocam-se
radares e câmeras para multar por excesso de velocidade e passagem
em sinal vermelho, autuam-se alguns veículos em estacionamento
irregular, e só. Todas as demais infrações previstas no Código de
Trânsito Brasileiro ficam esquecidas, fazendo de conta que não
prejudicam o tráfego ou acarretam riscos.
Fiscalização seria o bastante para, por exemplo, acabar com a praga
moderna dos faróis de xenônio mal
adaptados, que tanto ofuscam motoristas ruas e estradas afora. Seu
uso já havia sido regulamentado com a exigência de constar a
adaptação da documentação do carro, mas o problema não diminuiu —
claro que não, pois só se fez de conta que havia fiscalização.
Agora, o xenônio não original de fábrica foi proibido de vez. E é
evidente que não vai resolver de novo, pois carros com faróis mal
adaptados vão continuar a circular, mas se faz de conta que a nova
canetada solucionou a questão. |
Se o setor tem
sido incapaz de atender até mesmo à demanda interna por álcool,
imagine com gigantescos contratos de exportação |