O
assunto foi um dos mais comentados da última semana entre os que
gostam de automóveis. Para se ter uma ideia, o vídeo no Best Cars
alcançou mais de 53 mil visitas em apenas três dias, o que o
coloca em primeiro lugar em acessos diários entre os mais de 260
publicados pelo site em dois anos. Refiro-me à série de
comerciais de TV que a Fiat fez, para o utilitário esporte Freemont,
satirizando as exageradas campanhas da Hyundai-Caoa para seus
modelos.
O colunista Kleber Nogueira fez uma interessante análise do tema, na
coluna Códigos
Ocultos, de modo que seria repetitivo abordar aqui se
a estratégia da Fiat — a de confronto, ainda que o adversário não
seja mencionado nos anúncios — é ou não acertada. Linha semelhante
vinha seguindo a Nissan com diversos anúncios também comentados por
Kleber em sua coluna. Por outro lado, é válido lembrar casos mais ou
menos semelhantes do passado, que provam que não é nova a fórmula de
se comparar aos concorrentes ou mesmo tentar ridicularizá-los na
propaganda.
A prática, na verdade, é quase tão antiga no Brasil quanto nossa
própria indústria automobilística. Na década de 1960 a Volkswagen
tinha como maior adversária a Willys Overland, que fabricava os
pequenos Dauphine e Gordini sob licença da Renault. Mais que
diferenças como o número de portas (duas no Fusca, quatro nos
rivais) e a origem dos projetos, o maior contraste entre eles estava
na refrigeração do motor, que no VW usava ar, e nos Willys, água.
Àquele tempo os sistemas de arrefecimento estavam longe da
confiabilidade de hoje, o que levou a agência de publicidade da
marca alemã a explorar esse argumento como parte da robustez do
Fusca. "Mesmo que custasse mais, nós teríamos feito motor
refrigerado a ar", dizia o anúncio na mídia impressa, com um imenso
coletor de ar montado na traseira do carro. "Nós ficaríamos com ele
mesmo que fosse extravagante. Não é, felizmente não é", continuava o
texto.
A provocação não ficou sem resposta: "Economia de água? O Gordini
economiza o que custa dinheiro: gasolina", apregoava a Willys, tanto
nas revistas quanto na TV, sugerindo que a refrigeração a líquido
tornava seu motor mais eficiente e econômico. Mais tarde, com a
Willys já nas mãos da Ford e o Gordini fora de produção, os
contendores passaram a ser o Ford Corcel, com a perua Belina, e
modelos da Volkswagen como o fastback TL e a perua Variant.
Dizia uma propaganda da Variant: "Exija porta-malas na frente,
porta-malas atrás e mecânica VW. Não aceite limitações. Nem
imitações". De seu lado, a Ford respondia: "O Corcel tem o motor no
lugar do motor e o porta-malas no lugar do porta-malas". E, enquanto
comentava que "alguns têm um pseudo-porta-malas, e aí você precisa
colocar malas e sacolas dentro do carro", aproveitava para observar
que, graças ao circuito de arrefecimento selado — o primeiro no
Brasil —, o Corcel só demandava a troca do líquido a cada dois anos
ou 30 mil quilômetros. Ou seja, não tinha manutenção tão mais
trabalhosa que o rival arrefecido a ar.
Já nos anos 70, a Fiat chegou ao mercado com o moderno 147 e colocou
em xeque a antiga fórmula da VW para carros acessíveis. A solução da
alemã foi, mais uma vez, destacar sua resistência. Fotos do Rali
Trans-Chaco, no Paraguai, mostravam o besouro passando valente por
um lamaçal e, embaixo, um 147 sendo rebocado. A frase do anúncio
impresso dizia: "Por onde o Fusca passa sem novidade, muita novidade
não passa sem ajuda". |
Tem até marcha à ré
Quase 20 anos mais tarde, já ressuscitado a pedido do presidente
Itamar Franco em 1993, o Fusca levaria seu troco de um — de certo
modo — parente do 147: o russo Lada Laika, o sedã de linhas retas
derivado do Fiat 124 dos anos 60. O locutor, com jeito de Alfredo do
comercial de papel higiênico, aparecia diante do importado e de um
VW encoberto por uma capa, sem qualquer intenção de disfarçar suas
formas. E começava a comparação: "Amplo porta-malas", apontando o
Lada. "Até que o capô é aproveitável", olhando o Fusca. E assim
seguia até destacar no russo a "quinta marcha" e, no brasileiro...
"marcha à ré".
Da mesma época é um comercial do Ford Verona 1994 que fazia uma
sátira ao veiculado pouco antes para o Chevrolet Omega. A GM havia
usado efeitos especiais, como um raio laser que partia o automóvel
ao meio para mostrar interior e mecânica. A Ford respondeu com um
locutor que, tentando ser engraçado, desviava dos raios que atingiam
o Verona. Boa tentativa, mas nem o carro podia se comparar ao Omega
sob qualquer aspecto, nem o comercial conseguiu chegar perto da
impressão imponente que o da Chevrolet transmitia.
Essa estratégia de propaganda surgiu nos Estados Unidos, contam os
especialistas em marketing, mas hoje pode ser vista em diversos
mercados. Em um anúncio famoso da BMW, de cerca de 10 anos atrás, um
caminhão Mercedes-Benz transportava sete modelos da marca de
Munique. Embaixo, a frase provocadora: "Um Mercedes também pode
trazer prazer em dirigir".
Em outra campanha, veiculada em revistas em 2006, o alvo da BMW foi
outro: "Parabéns à Audi por ganhar o Carro do Ano da África do Sul
de 2006. Do vencedor do Carro do Ano do Mundo de 2006" — um Série 3,
claro. A Audi não deixou por menos: "Parabéns à BMW por ganhar o
Carro do Ano de 2006. Do vencedor de seis 24 Horas de Le Mans
consecutivas, 2000-2006". No fim, as duas levaram uma rasteira de
quem nada tinha com a história, a Subaru. Acima da foto de um
Impreza STI, a japonesa provocava: "Muito bem, Audi e BMW, por
ganharem o concurso de beleza. Do vencedor do Motor Internacional do
Ano 2006".
Três anos mais tarde, a Audi é que começou a briga com uma campanha
nacional de outdoors nos EUA em que desafiava, junto à foto de um
A4, "seu movimento, BMW", como em um jogo de xadrez. Em Santa
Monica, na Califórnia, uma concessionária local não resistiu e expôs
o então novo M3 em um outdoor próximo, com uma só palavra: "Checkmate".
Para finalizar, um caso entre Fiat e Hyundai que as próprias marcas
nem devem lembrar, mas no qual as posições eram inversas às de hoje.
Betim, ao passar a importar o hatch médio Tipo em 1993, saiu-se com
o mote "um carro tipo nenhum outro" para destacar atributos como
conforto e aerodinâmica. Só que o modelo já tinha cinco anos de
mercado europeu, ou seja, estava no fim de seu ciclo de produção,
que por lá acabaria em dois anos com a chegada do Bravo e do Brava.
Quando a Hyundai lançou aqui o Accent, em 1995, não resistiu a
espetar o concorrente, anunciando: "Um carro tipo muito mais novo". |
O besouro
passava valente por um lamaçal e, embaixo, um 147 era rebocado: "Por
onde o Fusca passa sem novidade, muita novidade não passa sem ajuda" |