As boas brigas na propaganda

Bem antes da Nissan e da Fiat, campanhas publicitárias daqui e do
exterior usaram a comparação e a sátira para chamar atenção

por Fabrício Samahá

Fabrício Samahá, editor

O assunto foi um dos mais comentados da última semana entre os que gostam de automóveis. Para se ter uma ideia, o vídeo no Best Cars alcançou mais de 53 mil visitas em apenas três dias, o que o coloca em primeiro lugar em acessos diários entre os mais de 260 publicados pelo site em dois anos. Refiro-me à série de comerciais de TV que a Fiat fez, para o utilitário esporte Freemont, satirizando as exageradas campanhas da Hyundai-Caoa para seus modelos.

O colunista Kleber Nogueira fez uma interessante análise do tema, na coluna Códigos Ocultos,  de modo que seria repetitivo abordar aqui se a estratégia da Fiat — a de confronto, ainda que o adversário não seja mencionado nos anúncios — é ou não acertada. Linha semelhante vinha seguindo a Nissan com diversos anúncios também comentados por Kleber em sua coluna. Por outro lado, é válido lembrar casos mais ou menos semelhantes do passado, que provam que não é nova a fórmula de se comparar aos concorrentes ou mesmo tentar ridicularizá-los na propaganda.

A prática, na verdade, é quase tão antiga no Brasil quanto nossa própria indústria automobilística. Na década de 1960 a Volkswagen tinha como maior adversária a Willys Overland, que fabricava os pequenos Dauphine e Gordini sob licença da Renault. Mais que diferenças como o número de portas (duas no Fusca, quatro nos rivais) e a origem dos projetos, o maior contraste entre eles estava na refrigeração do motor, que no VW usava ar, e nos Willys, água.

Àquele tempo os sistemas de arrefecimento estavam longe da confiabilidade de hoje, o que levou a agência de publicidade da marca alemã a explorar esse argumento como parte da robustez do Fusca. "Mesmo que custasse mais, nós teríamos feito motor refrigerado a ar", dizia o anúncio na mídia impressa, com um imenso coletor de ar montado na traseira do carro. "Nós ficaríamos com ele mesmo que fosse extravagante. Não é, felizmente não é", continuava o texto.

A provocação não ficou sem resposta: "Economia de água? O Gordini economiza o que custa dinheiro: gasolina", apregoava a Willys, tanto nas revistas quanto na TV, sugerindo que a refrigeração a líquido tornava seu motor mais eficiente e econômico. Mais tarde, com a Willys já nas mãos da Ford e o Gordini fora de produção, os contendores passaram a ser o Ford Corcel, com a perua Belina, e modelos da Volkswagen como o fastback TL e a perua Variant.

Dizia uma propaganda da Variant: "Exija porta-malas na frente, porta-malas atrás e mecânica VW. Não aceite limitações. Nem imitações". De seu lado, a Ford respondia: "O Corcel tem o motor no lugar do motor e o porta-malas no lugar do porta-malas". E, enquanto comentava que "alguns têm um pseudo-porta-malas, e aí você precisa colocar malas e sacolas dentro do carro", aproveitava para observar que, graças ao circuito de arrefecimento selado — o primeiro no Brasil —, o Corcel só demandava a troca do líquido a cada dois anos ou 30 mil quilômetros. Ou seja, não tinha manutenção tão mais trabalhosa que o rival arrefecido a ar.

Já nos anos 70, a Fiat chegou ao mercado com o moderno 147 e colocou em xeque a antiga fórmula da VW para carros acessíveis. A solução da alemã foi, mais uma vez, destacar sua resistência. Fotos do Rali Trans-Chaco, no Paraguai, mostravam o besouro passando valente por um lamaçal e, embaixo, um 147 sendo rebocado. A frase do anúncio impresso dizia: "Por onde o Fusca passa sem novidade, muita novidade não passa sem ajuda".

Tem até marcha à ré
Quase 20 anos mais tarde, já ressuscitado a pedido do presidente Itamar Franco em 1993, o Fusca levaria seu troco de um — de certo modo — parente do 147: o russo Lada Laika, o sedã de linhas retas derivado do Fiat 124 dos anos 60. O locutor, com jeito de Alfredo do comercial de papel higiênico, aparecia diante do importado e de um VW encoberto por uma capa, sem qualquer intenção de disfarçar suas formas. E começava a comparação: "Amplo porta-malas", apontando o Lada. "Até que o capô é aproveitável", olhando o Fusca. E assim seguia até destacar no russo a "quinta marcha" e, no brasileiro... "marcha à ré".

Da mesma época é um comercial do Ford Verona 1994 que fazia uma sátira ao veiculado pouco antes para o Chevrolet Omega. A GM havia usado efeitos especiais, como um raio laser que partia o automóvel ao meio para mostrar interior e mecânica. A Ford respondeu com um locutor que, tentando ser engraçado, desviava dos raios que atingiam o Verona. Boa tentativa, mas nem o carro podia se comparar ao Omega sob qualquer aspecto, nem o comercial conseguiu chegar perto da impressão imponente que o da Chevrolet transmitia.

Essa estratégia de propaganda surgiu nos Estados Unidos, contam os especialistas em marketing, mas hoje pode ser vista em diversos mercados. Em um anúncio famoso da BMW, de cerca de 10 anos atrás, um caminhão Mercedes-Benz transportava sete modelos da marca de Munique. Embaixo, a frase provocadora: "Um Mercedes também pode trazer prazer em dirigir".

Em outra campanha, veiculada em revistas em 2006, o alvo da BMW foi outro: "Parabéns à Audi por ganhar o Carro do Ano da África do Sul de 2006. Do vencedor do Carro do Ano do Mundo de 2006" — um Série 3, claro. A Audi não deixou por menos: "Parabéns à BMW por ganhar o Carro do Ano de 2006. Do vencedor de seis 24 Horas de Le Mans consecutivas, 2000-2006". No fim, as duas levaram uma rasteira de quem nada tinha com a história, a Subaru. Acima da foto de um Impreza STI, a japonesa provocava: "Muito bem, Audi e BMW, por ganharem o concurso de beleza. Do vencedor do Motor Internacional do Ano 2006".

Três anos mais tarde, a Audi é que começou a briga com uma campanha nacional de outdoors nos EUA em que desafiava, junto à foto de um A4, "seu movimento, BMW", como em um jogo de xadrez. Em Santa Monica, na Califórnia, uma concessionária local não resistiu e expôs o então novo M3 em um outdoor próximo, com uma só palavra: "Checkmate".

Para finalizar, um caso entre Fiat e Hyundai que as próprias marcas nem devem lembrar, mas no qual as posições eram inversas às de hoje. Betim, ao passar a importar o hatch médio Tipo em 1993, saiu-se com o mote "um carro tipo nenhum outro" para destacar atributos como conforto e aerodinâmica. Só que o modelo já tinha cinco anos de mercado europeu, ou seja, estava no fim de seu ciclo de produção, que por lá acabaria em dois anos com a chegada do Bravo e do Brava. Quando a Hyundai lançou aqui o Accent, em 1995, não resistiu a espetar o concorrente, anunciando: "Um carro tipo muito mais novo".

O besouro passava valente por um lamaçal e, embaixo, um 147 era rebocado: "Por onde o Fusca passa sem novidade, muita novidade não passa sem ajuda"


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Data de publicação: 19/11/11

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