Para alguns, é uma medida coerente com o recente aumento do Imposto
sobre Produtos Industrializados (IPI), em 30 pontos percentuais,
para carros importados de países que não sejam o México ou parte do
Mercosul ou por empresas que não sigam determinadas regras de
produção com conteúdo nacional. Para outros, é mais uma tentativa de
frear o acesso dos brasileiros a carros de Primeiro Mundo e deixar
cada vez mais confortável a indústria aqui instalada para cobrar
mais por menos.
Foi essa a polêmica trazida pela intenção do governo de Dilma
Rousseff de romper o acordo comercial com o México — depois revista
para uma renegociação dos termos, que está em andamento —, pelo qual
os dois países podem trocar automóveis sem cobrança de Imposto de
Importação (II). Modelos mexicanos de marcas que tenham fábrica por
aqui são, hoje, beneficiados duas vezes em relação aos de outras
origens (Mercosul à parte): não recolhem o II de 35% nem sofrem a
alíquota de IPI 30 pontos percentuais mais alta.
Há quem defenda a posição do governo brasileiro, alegando que frear
a entrada de importados estimula investimentos na produção local.
Para esses, o aumento do IPI havia sido acertado; logo, nada mais
coerente que estudar agora como tapar as brechas àquela medida — a
importação via Mercosul e do México. Por esse ponto de vista, se —
ou quando — tais alternativas de trazer carros com menor tributação
acabarem, o mercado nacional dará prioridade aos produtos feitos
aqui e incentivará os fabricantes a fazer investimentos no País.
Parece muito bom, patriótico até. Investir no Brasil significa abrir
empregos, fomentar a indústria de autopeças, estimular o
desenvolvimento tecnológico. No entanto, coloco-me entre os que têm
opinião contrária sobre o exposto no parágrafo anterior. Sou contra
o progressivo fechamento do mercado aos importados promovido pelo
governo, e explico por quê.
Basta olhar para trás para perceber que a década de 1990, que se
seguiu à abertura das importações depois de 14 anos de portos
fechados, foi um período marcante na história da indústria nacional.
Mesmo durante a fase de oneroso Imposto de Importação, cuja alíquota
foi baixando com o tempo, tivemos acessos a tecnologias antes
desconhecidas e as "quatro grandes" — Fiat, Ford, General Motors e
Volkswagen — tiveram de se mexer, rompendo a defasagem dos produtos
locais.
É verdade que por um breve período, entre o fim de 1994 e meados de
1995, quando vigorou um II de apenas 20% e o real estava valorizado,
parecia que a importação se tornaria prejudicial ao País: várias
fábricas concluíram que trazer carros de fora valia mais a pena que
fabricar aqui. Mas o imposto logo subiu — foi catapultado para 70%
da noite para o dia — e os ânimos esfriaram. Nos anos seguintes,
fábricas como Chrysler, Honda, Mercedes-Benz, Renault e Toyota
passaram a produzir carros no Brasil, para o bem da concorrência e,
claro, do consumidor. Ou seja, foi encontrado o ponto de equilíbrio.
Nos últimos 10 anos — pouco mais, pouco menos —, o II de 35% vinha
funcionando como proteção mais que suficiente para a indústria
local. Se existe um "custo Brasil" que impacta o preço final de tudo
que se faz por aqui (e qualquer empresário sabe disso), esse imposto
adicional era o bastante para que os carros vindos de fora não
conseguissem, com raras exceções, chegar ao mercado a preços
equivalentes aos dos nacionais, sem por outro lado se tornar
inviáveis.
O acordo com o México, por sua vez, vigorava desde 2003 e, entre
esse ano e 2011, acumulara um superávit de US$ 10 bilhões para o
Brasil — ou seja, exportávamos aos mexicanos muito mais do que
importávamos deles. Para nosso país era um bom negócio; para o
consumidor, melhor ainda, pois ganhava opções mais sintonizadas com
o Primeiro Mundo e via a competição ser estimulada. |
O grande mal
Não que a vida do consumidor brasileiro fosse um paraíso, pois
continuava a pagar preços entre os mais altos do mundo por
automóveis, muitas vezes, inferiores ao dos mercados desenvolvidos.
Mesmo carros vendidos com a mesma aparência lá e cá, até saídos da
mesma fábrica, tinham diferenças de conteúdo, motorização,
equipamentos de segurança, qualidade. Tanto em elementos de fácil
percepção quanto aqueles mais difíceis de detectar — veja-se o caso
do Nissan March, que em teste de impacto revelou
maior risco aos ocupantes
que o similar vendido na Europa. Mesmo assim, seguíamos bem melhor
que 20 e poucos anos atrás.
De repente, em uma onda protecionista sem precedentes nem razões, o
governo federal passou a atacar a importação de automóveis como se
fosse o grande mal do Brasil. Primeiro elevou o IPI em 30 pontos,
impondo aos estrangeiros — exceto os mexicanos ou do Mercosul — um
aumento de custo da ordem de 75% em relação aos nacionais, entre IPI
e Imposto de Importação. Depois, ameaçou romper um acordo
bem-sucedido apenas porque, depois de anos e anos de vantagem,
passou a acusar déficit na balança comercial com o México.
Se mais essa restrição aos importados se concretizar, tudo indica
que o próximo "mal" a ser cortado será a vinda de carros da
Argentina, país que também nos exporta bem mais do que importa
automóveis. Então, em uma rápida sucessão, o governo terá nos levado
de volta aos anos 80, época de mercado fechado e de acomodação dos
fabricantes locais.
É hora de perguntarmos:
1) O que justifica essas medidas? Estamos em um cenário de recessão
econômica, com grande ociosidade nas fábricas, com o mercado
comprando cada vez menos? Ou seria justamente o oposto, como
comprovam os lucros enviados pelas fábricas locais a suas matrizes?
Enfim, precisamos realmente estimular a indústria nacional a
qualquer custo?
2) O governo federal não se preocupa com a imagem do Brasil no
exterior? Que seriedade transmitimos ao mudar as regras do jogo de
repente, ao querer romper acordos há muito celebrados?
3) O governo tem ideia do que significa ter uma estrutura de
importação de veículos em um país como o Brasil? Automóvel não é
como produto alimentício, que se importa e se deixa de importar a
título de regulação do mercado. Seja pelo imenso território, seja
pelo uso de uma gasolina que não existe em nenhum outro lugar (pelo
teor de álcool), seja pela condição geral das vias, vender carros
estrangeiros aqui requer elevados investimentos em adequações do
veículo, formação de concessionárias, treinamento, estoque de peças.
Como estruturas como essas podem ser colocadas em risco, da noite
para o dia, por alterações tributárias? E o que tal risco significa
para os milhares de consumidores que gastaram seu suado dinheiro em
um carro importado?
4) Se o governo considera excessiva a participação de automóveis
importados no mercado (23,6% no ano passado), por que não desonera a
produção no País? Que tal simplificar a complicada cadeia de
impostos e reduzir a pesadíssima carga tributária dos nacionais em
vez de onerar a importação?
5) É nossa culpa — como consumidores — que cada vez mais carros
sejam importados e cada vez menos exportados daqui? Se os produtos
locais estão menos competitivos, até em países que não são de
vanguarda, e se os de fora (mexicanos incluídos) nos atraem mais por
seus atributos, é o comprador quem deve ser penalizado por aumento
de impostos? Que tal impor exigências severas de segurança,
eficiência e qualidade aos carros nacionais?
6) De resto, sobre o acordo com o México, por que a balança
comercial entre os países deveria ser sempre favorável ao Brasil?
Estamos no comércio internacional apenas para ganhar, como se a lei
de Gérson tivesse alcance mundial? Quando a situação se reverte,
devemos romper o acordo? Isso é um papel a que uma das maiores
economias do planeta deve se prestar? |
Em uma onda
protecionista, o governo federal passou a atacar a importação de
automóveis como se fosse o grande mal do Brasil |