Data de publicação: 10/3/12

Canetadas inconsequentes

Rodízio de veículos, restrições a caminhões, pedágio urbano: antes
disso tudo deveria vir a oferta de alternativas de transporte

por Fabrício Samahá

Fabrício Samahá, editor

Não encontrar combustível para abastecer seu carro, posto atrás de posto, é uma situação impensável para a grande parcela de motoristas que ainda não dirigia quando houve a crise de oferta do álcool, em 1989. Mas foi o que aconteceu esta semana na capital paulista, em que uma greve dos caminhoneiros que transportam gasolina, álcool e diesel chegou a esgotar os estoques de combustíveis na totalidade dos postos da cidade.

O motivo da greve, como se sabe — acredito que o assunto tenha sido acompanhado mesmo por quem mora longe de São Paulo —, foram as restrições à circulação de caminhões criadas pela prefeitura paulistana. Desde a segunda-feira, dia 5, tais veículos não mais podem circular em uma série de vias importantes da cidade nos horários de 5h a 9h e de 17h a 22h (de segunda a sexta-feira) ou de 10h a 14h (aos sábados). Somadas às que já tinham circulação proibida aos pesados, as novas vias fechadas a caminhões — grandes avenidas e a Marginal do Rio Tietê — compõem um perímetro da capital que torna bastante difícil encontrar alternativas, caso o motorista queira ou precise circular nos horários restritos.

A greve já foi julgada pela Justiça e não é ela nosso assunto desta edição, mas sim a proibição que levou os transportadores de combustível a tal protesto.

Do ponto de vista de quem anda a pé, de carro, de moto ou mesmo de ônibus, tirar os caminhões de São Paulo, ao menos nos horários de tráfego mais intenso, é uma ótima medida. Caminhões atrapalham o trânsito com sua lentidão, poluem muito o ar, destroem o asfalto com seu peso (sobretudo sem a devida fiscalização para combater excessos). Portanto, nada mais certo do que impedir seu tráfego na metrópole e mandá-los para a estrada, certo?

No meu entender, seria certo, desde que houvesse alternativas razoáveis. É fácil esquecer que os caminhões transportam praticamente tudo o que consumimos e submeter seus motoristas a todo tipo de restrição, mas que tal enxergar o outro lado?

Quando se proibiu o tráfego de veículos pesados em vias importantes das regiões oeste e sul da cidade, como a Marginal do rio Pinheiros, os caminhoneiros passaram a ter de usar o Rodoanel que interliga rodovias nessas áreas, o que faz todo o sentido. Um caminhão que viaje — por exemplo — de Campinas, SP, ao litoral sul do estado não deveria mesmo passar pelas avenidas da capital. Só que a mesma alternativa não existe na região norte da cidade, onde está a Marginal do Tietê. Aquela parte do Rodoanel nem mesmo começou a ser construída.

Com isso, se o caminhoneiro não conseguir sair da área restrita até 17h, terá de aguardar até 22h para poder passar por ela novamente — ou buscará alternativas por ruas menores, onde sua circulação traz males bem maiores em termos de sobrecarga ao asfalto e riscos à segurança do trânsito. O período de cinco horas, por si só, me parece excessivo: o tráfego da cidade na faixa de 20h a 22h bem comportaria a liberação aos pesados.

Filme conhecido
O transtorno causado aos caminhoneiros só não surpreende porque já vimos esse filme antes. É o caso do rodízio de veículos, que proíbe a circulação na capital paulista por um dia na semana, nos horários de maior movimento, conforme o número final da placa. A restrição começou nos anos 90, com abrangência a toda a região metropolitana, a título de reduzir a emissão de poluentes. Mas logo a prefeitura percebeu que seria uma boa maneira de amenizar os congestionamentos, a custo praticamente zero para os cofres públicos, e assim o rodízio se tornou fixo no chamado centro expandido da cidade.

Como qualquer um que more, trabalhe ou se desloque em (ou até) São Paulo já sabe, os inconvenientes dessa norma se incorporaram ao cotidiano a ponto de nem os percebermos mais. A cada sete dias as pessoas precisam alterar sua agenda, para evitar compromissos nos horários de restrição, ou recorrer a outro meio de transporte — e não são poucos os que compraram mais um carro, às vezes velho, para esses dias.

Está arraigado o hábito de, ao comprar um modelo usado ou pedir o emplacamento de um novo, escolher um número final de placa que não coincida com o de outro(s) carro(s) da família, para que com algum deles se possa rodar livremente em qualquer dia e hora. E quem gosta de viajar nas sextas-feiras logo após o trabalho nem pensa em ter um veículo com placa terminada em nove ou zero, sujeito a restrição nesse dia até as 20h.

Assim, é claro que o objetivo do rodízio de reduzir em 20% a frota em circulação nos horários de pico (excluindo veículos que não precisam segui-lo, como táxis e os de certos serviços) deixou de ser atingido há muito tempo. Mas a prefeitura acomodou-se com os resultados, e a população, com os transtornos causados por ele. Seja de 10% ou 15% a redução efetiva, parece melhor do que nada... sobretudo para quem tem uma alternativa para rodar no horário proibido.

Agora, o governo federal autoriza os municípios a adotar o pedágio urbano, ou seja, cobrar pela circulação de veículos na cidade como é feito em Londres, na Inglaterra. A ideia é desestimular o uso do carro particular e incentivar o recurso a transportes coletivos ou a meios como a bicicleta.

No papel, parece bom. Mas, seja para o rodízio, seja para o pedágio, vale a pergunta: o que as prefeituras de São Paulo e de outras grandes cidades têm feito para oferecer como alternativa? Como anda o transporte por ônibus, trem, metrô na cidade do leitor? Em regra, os investimentos nesse setor no Brasil andam
— há décadas — muito aquém do que seria necessário para oferecer ao cidadão um transporte digno, com um mínimo de conforto, pontualidade e segurança.

O poder público deve imaginar que todo dono de automóvel tem prazer em passar horas de seus dias em congestionamentos, sair de casa cada vez mais cedo e chegar cada vez mais tarde, sacrificar seu período com a família e ter dificuldades em cumprir horários de compromissos. Ora, é claro que o cidadão se submete a isso porque as alternativas do transporte coletivo são muito piores.

Quanto às bicicletas, são uma ótima opção para algumas cidades ou para determinadas regiões das cidades: usá-las faz bem à saúde, não polui o ambiente, quase não ocupa espaço. Mas não representam uma solução para a maioria das pessoas, seja pela brutalidade do trânsito — como recentes acidentes comprovam — ou pela inviabilidade de se chegar ao trabalho após longa pedalada debaixo de um sol tropical.

O que esses senhores comodamente instalados em seus gabinetes, e transportados em carros oficiais com motoristas, precisam mesmo é passar um único dia à mercê do transporte coletivo — e outro na boleia de um caminhão, fazendo malabarismos para tentar cumprir entregas em São Paulo — para saber pelo que passa um cidadão comum antes de despachar suas canetadas inconsequentes.

A prefeitura percebeu que poderia amenizar os congestionamentos, a custo praticamente zero para os cofres públicos



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