Não encontrar combustível para abastecer seu carro, posto atrás de
posto, é uma situação impensável para a grande parcela de motoristas
que ainda não dirigia quando houve a crise de oferta do álcool, em
1989. Mas foi o que aconteceu esta semana na capital paulista, em
que uma greve dos caminhoneiros que transportam gasolina, álcool e
diesel chegou a esgotar os estoques de combustíveis na totalidade
dos postos da cidade.
O motivo da greve, como se sabe — acredito que o assunto tenha sido
acompanhado mesmo por quem mora longe de São Paulo —, foram as
restrições à circulação de caminhões criadas pela prefeitura
paulistana. Desde a segunda-feira, dia 5, tais veículos não mais
podem circular em uma série de vias importantes da cidade nos
horários de 5h a 9h e de 17h a 22h (de segunda a sexta-feira) ou de
10h a 14h (aos sábados). Somadas às que já tinham circulação
proibida aos pesados, as novas vias fechadas a caminhões — grandes
avenidas e a Marginal do Rio Tietê — compõem um perímetro da capital
que torna bastante difícil encontrar alternativas, caso o motorista
queira ou precise circular nos horários restritos.
A greve já foi julgada pela Justiça e não é ela nosso assunto desta
edição, mas sim a proibição que levou os transportadores de
combustível a tal protesto.
Do ponto de vista de quem anda a pé, de carro, de moto ou mesmo de
ônibus, tirar os caminhões de São Paulo, ao menos nos horários de
tráfego mais intenso, é uma ótima medida. Caminhões atrapalham o
trânsito com sua lentidão, poluem muito o ar, destroem o asfalto com
seu peso (sobretudo sem a devida fiscalização para combater
excessos). Portanto, nada mais certo do que impedir seu tráfego na
metrópole e mandá-los para a estrada, certo?
No meu entender, seria certo, desde que houvesse alternativas
razoáveis. É fácil esquecer que os caminhões transportam
praticamente tudo o que consumimos e submeter seus motoristas a todo
tipo de restrição, mas que tal enxergar o outro lado?
Quando se proibiu o tráfego de veículos pesados em vias importantes
das regiões oeste e sul da cidade, como a Marginal do rio Pinheiros,
os caminhoneiros passaram a ter de usar o Rodoanel que interliga
rodovias nessas áreas, o que faz todo o sentido. Um caminhão que
viaje — por exemplo — de Campinas, SP, ao litoral sul do estado não
deveria mesmo passar pelas avenidas da capital. Só que a mesma
alternativa não existe na região norte da cidade, onde está a
Marginal do Tietê. Aquela parte do Rodoanel nem mesmo começou a ser
construída.
Com isso, se o caminhoneiro não conseguir sair da área restrita até
17h, terá de aguardar até 22h para poder passar por ela novamente —
ou buscará alternativas por ruas menores, onde sua circulação traz
males bem maiores em termos de sobrecarga ao asfalto e riscos à
segurança do trânsito. O período de cinco horas, por si só, me
parece excessivo: o tráfego da cidade na faixa de 20h a 22h bem
comportaria a liberação aos pesados. |
Filme conhecido
O transtorno causado aos caminhoneiros só não surpreende porque
já vimos esse filme antes. É o caso do rodízio de veículos, que
proíbe a circulação na capital paulista por um dia na semana, nos
horários de maior movimento, conforme o número final da placa. A
restrição começou nos anos 90, com abrangência a toda a região
metropolitana, a título de reduzir a emissão de poluentes. Mas logo
a prefeitura percebeu que seria uma boa maneira de amenizar os
congestionamentos, a custo praticamente zero para os cofres
públicos, e assim o rodízio se tornou fixo no chamado centro
expandido da cidade.
Como qualquer um que more, trabalhe ou se desloque em (ou até) São
Paulo já sabe, os inconvenientes dessa norma se incorporaram ao
cotidiano a ponto de nem os percebermos mais. A cada sete dias as
pessoas precisam alterar sua agenda, para evitar compromissos nos
horários de restrição, ou recorrer a outro meio de transporte — e
não são poucos os que compraram mais um carro, às vezes velho, para
esses dias.
Está arraigado o hábito de, ao comprar um modelo usado ou pedir o
emplacamento de um novo, escolher um número final de placa que não
coincida com o de outro(s) carro(s) da família, para que com algum
deles se possa rodar livremente em qualquer dia e hora. E quem gosta
de viajar nas sextas-feiras logo após o trabalho nem pensa em ter um
veículo com placa terminada em nove ou zero, sujeito a restrição
nesse dia até as 20h.
Assim, é claro que o objetivo do rodízio de reduzir em 20% a frota
em circulação nos horários de pico (excluindo veículos que não
precisam segui-lo, como táxis e os de certos serviços) deixou de ser
atingido há muito tempo. Mas a prefeitura acomodou-se com os
resultados, e a população, com os transtornos causados por ele. Seja
de 10% ou 15% a redução efetiva, parece melhor do que nada...
sobretudo para quem tem uma alternativa para rodar no horário
proibido.
Agora, o governo federal autoriza os municípios a adotar o pedágio
urbano, ou seja, cobrar pela circulação de veículos na cidade como é
feito em Londres, na Inglaterra. A ideia é desestimular o uso do
carro particular e incentivar o recurso a transportes coletivos ou a
meios como a bicicleta.
No papel, parece bom. Mas, seja para o rodízio, seja para o pedágio,
vale a pergunta: o que as prefeituras de São Paulo e de outras
grandes cidades têm feito para oferecer como alternativa? Como anda
o transporte por ônibus, trem, metrô na cidade do leitor? Em regra,
os investimentos nesse setor no Brasil andam
— há décadas —
muito aquém do que seria necessário para oferecer ao cidadão um
transporte digno, com um mínimo de conforto, pontualidade e
segurança.
O poder público deve imaginar que todo dono de automóvel tem prazer
em passar horas de seus dias em congestionamentos, sair de casa cada
vez mais cedo e chegar cada vez mais tarde, sacrificar seu período
com a família e ter dificuldades em cumprir horários de
compromissos. Ora, é claro que o cidadão se submete a isso porque as
alternativas do transporte coletivo são muito piores.
Quanto às bicicletas, são uma ótima opção para algumas cidades ou
para determinadas regiões das cidades: usá-las faz bem à saúde, não
polui o ambiente, quase não ocupa espaço. Mas não representam uma
solução para a maioria das pessoas, seja pela brutalidade do
trânsito — como recentes acidentes comprovam — ou pela inviabilidade
de se chegar ao trabalho após longa pedalada debaixo de um sol
tropical.
O que esses senhores comodamente instalados em seus gabinetes, e
transportados em carros oficiais com motoristas, precisam mesmo é
passar um único dia à mercê do transporte coletivo — e outro na
boleia de um caminhão, fazendo malabarismos para tentar cumprir
entregas em São Paulo — para saber pelo que passa um cidadão comum
antes de despachar suas canetadas inconsequentes. |
A prefeitura
percebeu que poderia amenizar os congestionamentos, a custo
praticamente zero para os cofres públicos |