Rural Willys, valente e familiar, foi precursora dos SUVs

Nascida nos EUA, mas com desenho próprio no Brasil, a perua combinava espaço e muita robustez para qualquer terreno

Texto: Fabrício Samahá – Fotos: divulgação

Ao término da Segunda Guerra Mundial, a Willys-Overland Company, empresa fundada em 1907 nos Estados Unidos, buscava novas aplicações para seu famoso utilitário Jeep. A ideia era aplicar uma carroceria mais convencional sobre a mecânica do modelo fora de estrada, dando origem ao que os anúncios apresentavam como o Victory Car, o Carro da Vitória.

O projetista Brook Stevens definiu-se por uma inovação: uma perua com o máximo de componentes comuns ao Jeep e carroceria integralmente fabricada em aço. Isso ainda não existia nos EUA, onde as peruas eram elaboradas com estruturas de madeira adicionadas a sedãs. Como a Willys não fabricava carrocerias e os fabricantes do setor estavam sobrecarregados pela demanda, Stevens assegurou-se de que as chapas de aço da perua, por suas linhas retas e simples, pudessem ser estampadas por fábricas do setor de eletrodomésticos.

Mais conforto e espaço que no Jeep, mantendo sua valentia, era a proposta da Willys com a Station Wagon, que de início simulava uma carroceria de madeira

Lançada em julho de 1946, a Jeep Station Wagon era montada sobre um chassi de 104 polegadas (2,64 metros) de distância entre eixos, importantes 61 cm a mais que no CJ-2A. Os para-lamas dianteiros retilíneos eram os mesmos do Jeep e, para criar a impressão das conhecidas carrocerias de madeira, de início as laterais vinham em cor creme com painéis em marrom-claro.

Simplicidade, robustez e economia eram seus pontos altos. A Station Wagon levava sete pessoas com um comprimento total de 4,78 metros ou, se os bancos traseiros fossem retirados, mais de 2.700 litros de carga. O compartimento de bagagem tinha piso plano e a porta de acesso dividida na horizontal, uma parte se abrindo para cima e outra para baixo. A ausência de madeira facilitava a conservação da carroceria.

O motor era o mesmo do sedã Americar de antes da guerra, de quatro cilindros, 134 polegadas cúbicas (2,2 litros) de cilindrada e cabeçote em “F”, ou seja, com válvulas de admissão no cabeçote e de escapamento no bloco. Potência de apenas 63 cv e torque de 14,5 m.kgf em valores brutos mostravam-se subdimensionados para o peso 300 kg maior da perua, levando-a com esforço a 105 km/h de velocidade máxima. Pela primeira vez na Willys a suspensão dianteira era independente, com um feixe de molas transversal de sete lâminas chamado de Planadyne pela marca.

No começo a Station tinha tração traseira e apenas 63 cv, mas a tração total e um motor mais potente vieram logo

A transmissão de três marchas logo recebia sistema overdrive, mas a tração permanecia apenas traseira — só em 1949 aparecia a versão 4×4 com eixo dianteiro rígido. Antes, o Sedan Delivery vinha em 1947: uma versão furgão sem as janelas laterais posteriores, com duas portas traseiras que se abriam para os lados e banco apenas para o motorista. A versão de luxo Station Sedan, com melhor acabamento e bancos mais confortáveis, surgia em 1948 ao lado da opção do motor Lightning (relâmpago) de seis cilindros em linha, 161 pol³ (2,65 litros) e 72 cv brutos, que melhorava o desempenho.

Na pioneira Jeep Station Wagon, para criar a impressão das conhecidas carrocerias de madeira, de início as laterais vinham em cor creme com painéis em marrom-claro

Nova grade frontal com barras horizontais em vez dos vãos verticais era adotada em 1950. Após a absorção da Willys pela Kaiser-Frazer Corporation, em 1953, vinham novos detalhes de acabamento, pintura em dois tons (“saia e blusa”) e o motor Super Hurricane (superfuracão) de seis cilindros, 226 pol³ (3,7 litros), 115 cv e 26,2 m.kgf brutos, como nos automóveis da Kaiser, para a versão 4×4. Versões para fins específicos passaram a ser oferecidas como a ambulância e a de seis portas, entre-eixos longo e três fileiras de bancos para serviços de hotéis e aeroportos.

A perua convencional mudava de nome em 1955 para Utility Wagon, pois a Willys deixava o segmento de carros de passeio, e perdia recursos como os bancos suplementares, a suspensão independente e a caixa overdrive. Três anos depois a versão Maverick Special — alusão a um seriado de TV patrocinado pela Willys e do qual a perua participava — trazia melhor acabamento, pintura em dois tons e rádio, mas só podia ter o motor de quatro cilindros. O para-brisa vinha em única peça em 1960 e, dois anos após, o motor Tornado de seis cilindros, 230 pol³ (3,8 litros) e 140 cv brutos era adotado.

O motor 3,7 de 115 cv melhorava bastante o desempenho; ambulância e perua longa de seis portas eram outras opções

A revista Hemmings Classic Cars, ao avaliar uma Station Wagon de 1951, relembrou sua importância: “Em 1946 não havia nada parecido. Era um veículo baseado no famoso Jeep militar que era confortável, espaçoso e elegante, mas prático. Ele atendeu a uma necessidade real e ajudou a nutrir um sonho que muitas pessoas tiveram naquela época. Enquanto a Chevrolet foi a primeira a construir uma perua toda em metal em 1935, a Suburban, as peruas Willys foram os primeiros SUVs reais construídos para uso na cidade e também no campo”.

Com o motor 161 “a aceleração dificilmente é a força de um furacão, mas adequada. A transmissão com alavanca na coluna é tão precisa quanto essas unidades podem ser, e a embreagem não é mais dura do que a de um carro da época. A visibilidade é excelente, graças ao grande para-brisa e às janelas. A Station Wagon era muito bem pensada, confortável e agradável de dirigir. Não era apenas um meio de transporte bom e prático, mas também utilizável como um veículo de entrega para uma pequena empresa ou como um pequeno ônibus de turismo para resorts nas montanhas”.

Perua e furgão foram produzidos até 1964 em total superior a 300 mil unidades. Cederam espaço ao Jeep Wagoneer, outro modelo de longa produção e considerado um dos precursores do conceito moderno de utilitário esporte (SUV).

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Na Argentina


A Rural teve uma “irmã” fabricada aqui perto, na Argentina: a Estanciera da IKA, Indústrias Kaiser de Argentina, empresa fundada em 1954 em uma associação da Kaizer-Frazer norte-americana com a IAME (Industrias Aeronáuticas y Mecánicas del Estado) argentina. A perua foi lançada por lá em 1957, um ano depois do Jeep, em versões Rural para passageiros e Utilitario, um furgão, além da picape Baqueano.

O desenho era o mesmo do original vendido nos EUA, mas com suspensão elevada e pneus maiores. Em 1966 a IKA adotava a frente larga do modelo brasileiro (com grade própria, porém) e novos painel e volante, um ano depois do para-brisa inteiriço. Foram usados os motores Continental de 3,7 litros e 115 cv, Tornado de 3,0 litros e 117 cv e Tornado Special de 3,8 litros e 132 cv, todos de seis cilindros em linha e com transmissão de três marchas.


A tração podia ser traseira ou integral na perua e apenas traseira na picape. A empresa Talleres Igarreta adaptava a perua para três portas, duas delas à direita, para servir de táxi ou veículo oficial de órgãos do governo. A Baqueano saía de linha já em 1963, mas a Estanciera durou até 1970 e teve mais de 71 mil unidades produzidas.

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Rural era o nome da perua Jeep por aqui, onde estreava com peças importadas e motor 2,6 de 90 cv

Versão brasileira

A versatilidade e a robustez da Jeep Station Wagon chamavam a atenção da Willys-Overland do Brasil S.A., fundada em São Bernardo do Campo, SP em 26 de abril de 1952. A empresa montava desde 1954 o Jeep Universal (já com capô alto, devido ao motor com cabeçote em “F”) e oferecer uma perua dele derivada, mantendo suas qualidades de resistência, seria ideal para um país com vias de tráfego tão precárias quanto as do Brasil da época.

Renomeada Rural-Willys (assim mesmo, com o modelo antes da marca), a perua começava a ser montada aqui em julho de 1956 com peças importadas e o mesmo desenho do modelo norte-americano. A pintura “saia e blusa” — verde e branca, vermelha e branca ou azul e branca — dava um toque de charme ao utilitário rústico, com suspensões dianteira e traseira de eixo rígido com molas semielípticas, caixa de três marchas com redução e tração nas quatro rodas. O motor a gasolina de seis cilindros em linha e 2,6 litros tinha 90 cv brutos.

Tração 4×4, espaço para seis pessoas nos bancos inteiriços e grande compartimento de carga eram argumentos da Rural; a tampa traseira abria-se em duas partes

No interior da Rural havia dois bancos inteiriços, de modo a dar lugar a até seis pessoas. A parte do banco destinada aos passageiros da frente era toda rebatida, incluindo o assento, para dar acesso ao espaço traseiro ou mesmo para o transporte de cargas maiores na cabine. No espartano painel havia apenas velocímetro no centro com os marcadores de temperatura do motor e nível de combustível. O acesso ao compartimento de carga dava-se por duas tampas, uma aberta para cima e outra para baixo. O estepe ficava em pé na lateral direita.

Um motor fabricado em Taubaté, SP, o primeiro a gasolina de produção brasileira, era adotado em 1959. No ano seguinte, aproveitando a oportunidade da nacionalização completa dos componentes, a Willys redesenhava sua frente com estilo exclusivo para o Brasil, mais largo e imponente, concebido pelo mesmo Brooks Stevens que criou o modelo original. Há quem diga que ela se parece com a estrutura frontal do Palácio da Alvorada, em Brasília, DF, se vista invertida. Vinham também o para-brisa e o vidro traseiro inteiriços, como nos EUA.

Em teste da versão 4×4 na revista Mecânica Popular, Mauro Salles — mais tarde um famoso publicitário — anunciou-a como “o mais brasileiro dos veículos nacionais”, pois já alcançava 97% de conteúdo local, incluindo a fundição do bloco do motor. Era “um carro ideal para o fazendeiro que pode usá-la toda brunindo, para passear, depois de fazê-la como ferramenta de produção. Onde passa uma charrete, um carro de boi, ela também passará”.

Mostrada na publicidade em cenas urbanas ou em terrenos difíceis, a Rural ganhava em 1960 uma frente mais larga e imponente, exclusiva para o Brasil

Outras qualidades apontadas: “A Rural tem ótima visibilidade. O espaço para carga foi aumentado e o banco é facilmente dobrável, deixando 4 m³ à disposição. Os freios são excelentes, não demonstram fadiga. O motor se mostrou valente em todas as provas, mesmo com esforços violentos”.

A Willys redesenhava a frente em 1960 com estilo exclusivo para o Brasil, mais largo e imponente, concebido pelo mesmo Brooks Stevens que criou o modelo original

Claro que a velocidade máxima medida de 107 km/h e a grande altura impunham limitações, “mas só o imprudente terá histórias a contar sobre sua instabilidade” e “o motor dá um ótimo rendimento nas velocidades reduzidas”, defendia a revista. Como críticas havia o pedal de acelerador e a alavanca de transmissão pesados, “os bancos incômodos e duros, como se o fazendeiro fosse transportar novilhos na boleia”, e o distribuidor em posição baixa, desprotegido em trechos alagados.

A fábrica chegou a estudar uma versão da Rural com três bancos para até oito pessoas, terceira porta do lado direito e estepe externo junto à tampa traseira. As novidades estavam previstas para 1961, mas não chegaram ao mercado, da mesma forma que o Saci. O que saía nesse ano era a Pickup Jeep, que ampliava a gama de opções (leia quadros abaixo sobre esses modelos).

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O Jeepster e o Saci


Dentro da proposta de expandir a linha Jeep, a Willys colocava no mercado norte-americano em 1948 o Jeepster, modelo de perfil esportivo e voltado ao lazer. As linhas básicas do Jeep tornavam-se mais atraentes com a baixa altura de rodagem, a frente emprestada pela Station Wagon e a traseira de formas mais refinadas, com os para-lamas da picape.


Trazia ainda pneus de faixa branca, calotas e o estepe na parte posterior em posição inclinada. Com desempenho modesto fornecidos pelos 63 ou 72 cv brutos — de acordo com o motor de quatro ou seis cilindros — e tração somente traseira, não agradou: apenas 19 mil unidades foram vendidas em quase três anos.


A ideia foi recuperada em 1962 pela marca no Brasil, tendo como principais diferenças a maior distância entre eixos, a frente da Rural e o estepe na parte traseira. Denominado Saci, o “jipe esportivo” (projeções acima) foi apresentado no Salão do Automóvel daquele ano até com sugestão de preço, mas não chegou à produção.


Para marcar o cinquentenário do Jeepster, em 1998, a Chrysler — detentora da marca Jeep — apresentou um carro-conceito com o mesmo nome e proposta, mas dotado de motor V8 de 4,7 litros e 275 cv, transmissão automática e enormes pneus em rodas de 19 polegadas. Não passou do estudo.

A picape


Tradicional na produção de caminhões leves, a Willys lançava nos EUA já em 1946 uma versão do Jeep com caçamba, a Pickup Willys. Da aparência frontal à distância entre eixos, passando pela mecânica, a picape era muito similar à Station Wagon e podia transportar 500 kg de carga. No ano seguinte aparecia uma versão de entre-eixos longo apta a uma tonelada.


No Brasil ela foi lançada em 1961 como Pickup Jeep, com tração 4×2 ou 4×4, banco para três pessoas e a frente mais larga da Rural brasileira. Podia transportar 800 kg de carga e vir com caçamba de aço ou carroceria de madeira. Versatilidade não faltava com as versões furgão, ambulância, de cabine dupla, bombeiro e carro-forte. Foi por muito tempo a única picape nacional a reunir tração 4×4, reduzida e roda-livre — e a mais barata delas.


A proposta de uma versão Luxo (fotos acima em preto e branco) era revelada em 1963. A Pickup ganhava para-choques e grades cromados e pintura em dois tons: apenas o teto e a parte superior da frente, mas não o capô, vinham em branco. A ideia não chegou à produção. Depois da compra da Willys, a picape era renomeada Ford F-75 (acima em laranja) em 1972. Ganhava opção do motor de 2,3 litros em 1975 e mais tarde a versão a álcool. Deixou de ser produzida apenas em 1982.


A versão militar F-85 (acima), criada em 1962, substituiu picapes Dodge da Segunda Guerra Mundial e foi muito usada pelo Exército, a Marinha e os Fuzileiros Navais, além de exportada para Portugal. Recebia para-choques reforçados, grades protetoras nos faróis, guincho mecânico, gancho para reboque na traseira e para-brisa rebatível. Uma capota de lona substituía o teto e não havia portas. Para transporte de pessoal podia chegar a 10 lugares. Algumas foram equipadas com metralhadoras, outros com canhões. E ganharam um curioso apelido: “Cachorro Louco”.

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Se faltava conforto à suspensão da Rural 4×4 , sua valentia em terrenos difíceis tinha poucos competidores

Para o trabalho e o lazer

O sucesso da Rural não demorou a acontecer, tornando-se um veículo muito desejado para as condições de uso locais. Atendia bem ao fazendeiro que buscava certo conforto para a família e ao morador das cidades que precisava de deslocamentos pela área rural. Tornou-se comum ver a perua da Willys em frotas de serviços. A concorrente mais direta para esses fins era a Volkswagen Kombi, que também podia transportar uma grande família ou um grupo de trabalho por terrenos acidentados, apesar da tração em apenas duas rodas.

Outra competidora era a perua Toyota Bandeirante, lançada em 1962 com a vantagem do robusto motor a diesel. Já a Chevrolet Amazona (derivada da picape 3100 “Brasil), embora espaçosa, não se comparava em pisos severos ao combinar motor dianteiro e tração traseira. É preciso considerar o bom posicionamento de preços da Rural. Em janeiro de 1963, por exemplo, a versão 4×2 custava 1,48 milhão de cruzeiros e a 4×4 saía por 1,63 milhão. A Kombi básica ficava entre elas (1,53 milhão) e o Bandeirante partia de 1,5 milhão na versão jipe, mas a Amazona era bem mais cara (2,91 milhão).

O interior era simples, mas havia espaço de sobra; a versão 4×2 trazia suspensão dianteira independente para um rodar mais suave

Em seu primeiro teste, em 1963, a revista Quatro Rodas observou: ” A condução da Rural é agradável. A posição do motorista permite amplo domínio do veículo. O assento do motorista é bastante confortável. A ausência do pisca-pisca se faz sentir, especialmente em mau tempo. Veículo de muitas aplicações, a Rural é robusta e potente. Grande motor, freios eficientes, boa visibilidade e consumo relativamente baixo”.

“O motor permite boas arrancadas e velocidades elevadas”, acrescentou. Tudo em termos da época, claro: o teste apontou máxima de 117 km/h e aceleração de 0 a 100 km/h em 21,5 segundos. Como ressalvas, a revista apontou: “A direção esterça pouco. O molejo duro maltrata o condutor. Nas estradas asfaltadas a traseira, jogando muito, torna perigosa a condução em altas velocidades. A estabilidade não é das melhores”. O consumo variou de 5,5 a 7,8 km/l.

Lançamento importante vinha em 1964: a versão 4×2 da Rural, com tração apenas traseira, que tinha a alavanca de transmissão na coluna de direção e suspensão dianteira independente com molas helicoidais, para um rodar mais confortável e melhor estabilidade. “Curva fechada não existe para ela”, exagerava a publicidade.

Propagandas da Rural em 1964: apelos ao conforto e a detalhes de acabamento em um veículo de origem rude

Em 1965 a Willys adotava limpador de para-brisa elétrico (não mais a vácuo), outra grade na versão 4×2 e caixa de três marchas com a primeira sincronizada — uma vantagem nos subidões, por não ser mais preciso usar dupla debreagem para o engate quando a segunda não desse conta do recado. Agora havia duas versões, Standard (básica) e Luxo, sempre em duas cores.

A versão 4×2 da Rural ganhava suspensão dianteira independente para melhor estabilidade: “curva fechada não existe para ela”, exagerava a propaganda

A Standard mostrava acabamento espartano, com eliminação dos cromados em frisos e para-choques, mas podia receber diferencial autobloqueante como opcional para ajudar em terrenos difíceis. A Luxo 4×2 vinha com calotas, melhor revestimento interno e vários detalhes cromados, além de receber volante e coluna de direção do Aero-Willys. Um ano depois vinham alternador no lugar do dínamo, carburador recalibrado para menor consumo e roda-livre para a versão 4×4.

Sob nova direção

Novo painel de instrumentos, trava de direção, nova grade e transmissão de quatro marchas sincronizadas chegavam em 1967. Apesar da aquisição da Willys pela Ford no mesmo ano, a linha Jeep foi mantida por longo tempo — bem mais que os sedãs Aero e Itamaraty. Em 1968 era introduzido o motor do Itamaraty, de 3,0 litros e carburador de corpo duplo, ainda com cabeçote em “F”. Com potência bruta de 132 cv, levava-a a cerca de 140 km/h.

Alternador, roda-livre e quatro marchas eram evoluções da Rural, que mantinha a imagem de valentia e lazer na publicidade

Em teste, a Quatro Rodas empolgou-se com o novo desempenho: “A aceleração do veículo vazio é excepcional. Lembra até um carro esportivo, de 0 a 100 km/h em menos de 16 segundos. A retomada também é excelente, evidenciando o grande torque do motor. A velocidade máxima foi de 142,8 km/h com toda a firmeza possível. Longos percursos podem ser vencidos sem cansaço, tanto para o possante motor como para o motorista, com reserva de potência suficiente para subir ladeiras e efetuar ultrapassagens”.

No restante, apesar da idade do projeto e de suas limitações, a Rural continuava competente: “A suspensão dianteira proporciona um conforto de marcha realmente bom, não o que se poderia esperar de um utilitário. Em altas velocidades, a direção mantinha-se firme e precisa. Nas baixas, nunca chegou a ser excessivamente pesada. Mas a forma do veículo e sua altura dificultam freadas seguras em velocidades elevadas”.

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Em outros países


A Mitsubishi fez o Jeep e a perua no Japão. O Mitsubishi Jeep J-3 aparecia em 1953, montado a partir de conjuntos importados, e logo ganhava amplo conteúdo nacional e variações mais longas. A perua estreava em 1962 como Jeep J-30 e teve versões como J-32, J-34, J-38 e J-44, incluído opções com quatro portas e três fileiras de lugares.


Com a frente original da norte-americana, a “Rural” japonesa usou motores a diesel de 2,2 e 2,7 litros e a gasolina de 2,2 e 2,4 litros, todos de quatro cilindros. A tração nas quatro rodas era padrão. A empresa anunciava capacidade de carga de 400 kg mais três pessoas no banco dianteiro ou 250 kg mais seis pessoas em dois assentos. Embora a perua tenha sido produzida por poucos anos, o Jeep teve longa sobrevida por lá: até 1998.


Na Índia, a Mahindra & Mahindra começou a fabricar o Jeep em 1947, um dos primeiros casos de fabricação de veículos sob licença em todo o mundo — e praticamente o faz até hoje, embora os direitos de uso do desenho sejam discutidos pelos donos mais recentes da marca norte-americana. A partir do conhecido CJ-5 com entre-eixos longo, a marca indiana aplicou em 1987 uma carroceria de perua e criou os modelos Wagonette e, mais tarde, Commander e Armada.

Motores a diesel de 2,1 e 2,6 litros da Peugeot com até 62 cv foram empregados no utilitário, que se diferenciava bastante em desenho dos equivalentes feitos em outros países. Em versões sem portas rígidas e com teto de lona, a Commander chega a lembrar o “Bernardão”, o Jeep alongado da Willys brasileira.

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Depois do novo painel, o motor de 3,0 litros do Itamaraty trouxe ganho importante em desempenho em 1968

A Rural 4×4 com motor 2,6-litros foi comparada — também pela Quatro Rodas — em 1970 ao Bandeirante e à Kombi, veículos valentes de concepções diversas. A perua da Willys foi claramente a mais rápida (0 a 100 km/h em 25,5 segundos contra 45,2 s da Volkswagen e 56,7 s do Toyota) e freou em menor espaço de 80 km/h em diante, mas obteve o consumo mais elevado.

“Para uso misto, a Rural oferece mais vantagens: na cidade é quase um automóvel e nas estradas asfaltadas pode fazer médias horárias elevadas. A máxima real foi de 131 km/h. Sua aceleração é boa e compara-se à de muitos automóveis, mas nas curvas ela deve ser dirigida com cuidado, pois a suspensão com quatro feixes de molas semielípticas prejudica a estabilidade. Os bancos são largos e macios. Ela anda com suavidade e seu nível de ruído interno é baixo”, a revista comentou.

Após a absorção da Willys, a Ford deu sua marca à Rural em 1970 e mais tarde adotaria um motor quatro-cilindros

A Rural tornava-se um modelo Ford em 1970. Fato interessante na publicidade da marca nesse período era propor o utilitário para o uso urbano por mulheres, com motes como “o carro que mamãe queria” e “mulher tem mania de segurança”, assim como fotos da perua em meio ao tráfego de veículos pesados nas grandes cidades. Antes voltado a qualquer terreno, o veículo agora parecia uma solução para as motoristas se sentirem mais seguras no trânsito.

A versão Luxo saía de produção após o modelo 1972. Com a crise do petróleo deflagrada no ano seguinte, a Ford teve de desenvolver um motor mais econômico para o Maverick, adotado também nos utilitários para a linha 1975. O quatro-cilindros de 2,3 litros com comando de válvulas no cabeçote era bem mais leve e oferecia melhor desempenho geral, mesmo com potência reduzida na nova aplicação de 99 para 91 cv.

A alteração visava, de um lado, maior durabilidade e de outro uma curva de torque mais plana (o máximo subia pouco, de 16,9 para 17 m.kgf), coerente à finalidade de uso dos utilitários. Nesse caso o carburador era de corpo simples, ante o duplo do Maverick. Junto ao novo motor vinha uma transmissão mais moderna e com lubrificação permanente (nunca precisava de troca de óleo). Um retrocesso era a adoção de eixo dianteiro rígido, como o da 4×4, na versão de tração simples.

A Rural em meio a sua nova “família” e a publicidade, que antecipava o gosto das mulheres pela posição de dirigir e a imponência no trânsito dos SUVs

O teste da revista Auto Esporte comentou que “o motor que ela herdou do Maverick melhorou o desempenho geral, tornando-a econômica, mais ágil e com reserva de força para qualquer serviço. Ela vence com facilidade os piores caminhões e mesmo os lugares onde não há caminho”, embora se tratasse da versão 4×2. “A carga útil declarada é de 609 kg. Seis pessoas podem viajar nela e ainda assim o espaço para bagagem é bastante grande”.

O motor de 2,3 litros do Maverick, mais econômico, foi adotado também nos utilitários e oferecia melhor desempenho, mesmo com potência reduzida

Já a Quatro Rodas apontou que “o desempenho é bom: a velocidade máxima de 129 km/h é superior às reais necessidades, as acelerações e retomadas são normais. O tempo médio para chegar a 100 km/h foi de 22 segundos, um pouco elevado em relação aos dados de fábrica (19 segundos). O câmbio tem funcionamento silencioso e preciso”.

Embora a revista julgasse que “a Rural continua sendo uma boa ferramenta de trabalho, que deve ser entendida e utilizada adequadamente”, a idade do projeto cobrava seu preço: “A suspensão, se projetada agora, seria inaceitável. Como uma velha herança, o motorista deve adaptar-se a ela, tomando muito cuidado nas curvas. A direção ficou com a velha caixa de atrito elevado. Os bancos não têm preocupação com a anatomia das pessoas”, além de o consumo ter continuado alto, com média de 7,5 km/l.

Trinta anos depois do lançamento nos Estados Unidos, a Rural estava superada mesmo para os padrões brasileiros. Sua produção chegava ao fim em 1977, permanecendo a picape e o Jeep por mais cinco anos.

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Ficha técnica

  Rural 2,6 4×4 (1963) Rural 3,0 (1968) Rural 2,3 (1975)
Motor
Posição e cilindros longitudinal, 6 em linha longitudinal, 6 em linha longitudinal, 4 em linha
Comando e válvulas por cilindro no bloco, 2 no bloco, 2 no cabeçote, 2
Cilindrada 2.638 cm³ 3.014 cm³ 2.300 cm³
Potência máxima* 90 cv a 4.400 rpm 132 cv a 4.400 rpm 91 cv a 5.000 rpm
Torque máximo* 18,6 m.kgf a 2.000 rpm 22,3 m.kgf a 2.000 rpm 17,0 m.kgf a 3.000 rpm
Alimentação carburador de corpo simples carburador de corpo duplo carburador de corpo simples
Transmissão
Tipo de caixa e marchas manual, 3 manual, 4 manual, 4
Tração integral traseira traseira
Freios
Dianteiros a tambor a tambor a tambor
Traseiros a tambor a tambor a tambor
Antitravamento (ABS) não não não
Suspensão
Dianteira  eixo rígido independente, braços sobrepostos eixo rígido
Traseira eixo rígido eixo rígido eixo rígido
Rodas
Pneus 7,10-15 7,10-15 7,75-15
Dimensões
Comprimento 4,47 m 4,47 m 4,47 m
Entre-eixos 2,64 m 2,64 m 2,64 m
Peso 1.530 kg 1.480 kg 1.420 kg
Desempenho
Velocidade máxima 120 km/h 140 km/h 130 km/h
Aceleração de 0 a 100  km/h 22 s 16 s 22 s 
* Método bruto; dados de desempenho aproximados
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