Etios: como anda o Toyota dos emergentes

 

Da Índia para o Brasil, sedã e hatch de linhas antiquadas
vêm convencer que um carro vai muito além das aparências

Texto: Fabrício Samahá e Paulo de Araújo – Fotos: divulgação

 

Um carro compacto da Toyota no Brasil é tema do qual se fala há cerca de 15 anos, desde que a marca japonesa, até então mais associada aos robustos e ultrapassados jipes Bandeirante fabricados por mais de três décadas, passou a produzir em Indaiatuba, SP, o Corolla de duas gerações atrás. Muito se cogitou sobre a vinda do Yaris, seu representante nesse segmento em mercados desenvolvidos, ao lado de alternativas feitas no Japão — algumas pela marca subsidiária Daihatsu.

A opção da Toyota, porém, foi por um “carro de emergentes”, projetado para países em desenvolvimento. Em 2009 foi confirmado o nome Etios — que remete à palavra grega ethos, traduzível como essência — e no ano seguinte começava sua produção da versão sedã em Bidadi, Karnataka, na Índia, seguida em 2011 pelo hatch Etios Liva. Agora, depois de inaugurar uma fábrica construída para ele em Sorocaba, SP, os japoneses apresentam o Etios brasileiro.

Ele chega com as mesmas carrocerias oferecidas aos indianos, mas o hatch não usa o sufixo Liva adotado por lá. Existem quatro versões de acabamento para o cinco-portas e três para o sedã de quatro portas, enquanto os motores — de quatro válvulas por cilindro e flexíveis em combustível — oferecem duas cilindradas.

 

 
Estilo não é o ponto alto do Etios; a versão hatch tem motores de 1,3 e 1,5
litro e parte de R$ 30 mil, bastante despojada, mas com bolsas infláveis de série

 

O Etios hatch básico, que tem motor de 1,3 litro e custa R$ 30 mil, vem bastante despojado, cabendo mencionar as bolsas infláveis frontais, luzes de alerta para uso do cinto e para porta mal fechada, comandos internos para porta-malas e tanque de combustível, aquecimento interno e porta-luvas ventilado. A versão X, de mesmo motor e preço de R$ 33.490, acrescenta freios com sistema antitravamento (ABS) e distribuição eletrônica de frenagem entre os eixos (EBD), direção com assistência elétrica, volante com regulagem de altura, defletor traseiro, grade na cor da carroceria, espelhos nos para-sóis e lavador, limpador e desembaçador do vidro traseiro (de ausência lamentável no básico). Com ar-condicionado opcional, o X vai a R$ 36.190.

 

Não é fácil se apaixonar pelo estilo do Etios, que lembra modelos dos anos 80 a 90; o sedã se parece com o Logan, algo longe de ser um mérito

 

Por R$ 38.790 leva-se o hatch XS, ainda com motor 1,3, que traz os equipamentos do X e mais ar-condicionado, controle elétrico dos vidros (todos) e travas, rádio/CD com função MP3 e entrada USB, conta-giros e maçanetas e retrovisores na cor da carroceria. A versão de topo é a XLS, de R$ 42.790, a única no hatch a contar com motor de 1,5 litro. Ela vem ainda com faróis de neblina, rodas de alumínio (de 15 pol contra 14 dos demais), comando elétrico da tampa traseira, travamento das portas a distância, revestimento interno superior, alarme antifurto, aplique de tecido nas portas e acabamento cromado na grade e na tampa do porta-malas.

O sedã repete os equipamentos do hatch (com pequenas diferenças, como a ausência de limpador e defletor traseiros), mas deixa de fora a versão básica e usa o motor 1,5 em todas elas. Seus preços: X por R$ 36.190 (R$ 38.890 com ar), XS por R$ 41.490 e XLS por R$ 44.690. Todo Etios mantém a garantia usual na Toyota, de três anos sem limite de quilometragem. A expectativa da fábrica é de vender 70 mil unidades por ano.

 


As linhas antigas do sedã lembram as do Logan; ele vem sempre com o motor de 1,5
litro e oferece três versões de acabamento com freios antitravamento de série

 

Concorrentes, não vão faltar no caminho do novo modelo. O hatch enfrentará Chery S18 e Cielo, Chevrolet Agile (e o futuro Onix), Citroën C3, Fiat Palio, Ford Fiesta (nacional), Hyundai HB20, JAC J3, Nissan March, Peugeot 207 (e 208 no ano que vem), Renault Sandero e Volkswagen Gol e Fox, enquanto para o sedã ficam oponentes como Cielo, Chevrolet Cobalt, Fiat Grand Siena, Fiesta, J3 Turin, Nissan Versa, Peugeot 207 Passion, Renault Logan e Symbol e VW Voyage.

Longe de apaixonar

Não é fácil se apaixonar pelo estilo do Etios, em qualquer das versões. O conjunto lembra modelos dos anos 80 a 90, com detalhes um tanto discutíveis como a grade dianteira e as lanternas traseiras, seja no hatch ou no sedã — que se parece com o Logan, algo longe de ser um mérito. Mesmo na versão XLS, com as bonitas rodas de 15 pol e apliques cromados, o novo Toyota não esconde que seu projeto visou a mercados menos desenvolvidos e exigentes, nos quais o desenho costuma não ser importante. Ao menos os coeficientes aerodinâmicos (Cx) são atuais, 0,31 no sedã e 0,33 no hatch.

 

Mostradores analógicos não se aplicam bem à posição central, e quase se precisa de um binóculo para ver o marcador de nível de combustível

 

No interior, as sensações se dividem. Bancos, portas e acabamento geral impressionam bem para um carro de seu segmento, com materiais de bom gosto no XLS e plásticos que, embora rígidos, transmitem aspecto de qualidade e montagem cuidadosa. Mas não há quem não estranhe o painel, tanto pela colocação central dos instrumentos quanto pela disposição de outros elementos.

A estranheza acontece mais porque mostradores analógicos não se aplicam bem à posição central e mais distante do motorista que o usual, opção que não incomoda em painéis digitais como o do Citroën C4. Se o enorme velocímetro não compromete, quase se precisa de um binóculo para ver o marcador de nível de combustível. O mais curioso é que o quadro não vem ali para evitar a necessidade de alterações conforme a montagem do volante à esquerda ou à direita (caso da Índia), como imaginamos de início: os instrumentos são invertidos no caso de direção pelo padrão inglês.

 


O interior espaçoso e com acabamento adequado causa estranheza pelo painel
analógico central e os difusores de ar; porta-malas de 562 litros do sedã é destaque

 

Já os difusores de ar centrais, um sobre o outro e quase de frente para o passageiro, parecem ter sido lembrados na última hora pelo projetista — ainda bem que são de um tipo prático que pode ser ajustado para uma distribuição razoável do ar. Repete-se aqui a observação anterior de não haver relação com o volante à direita, pois nessa versão os difusores vão para o lado esquerdo. E a tampa do porta-luvas, imensa a ponto de ter um furo para o difusor de ar, ocupa espaço exagerado quando aberta.

Apesar dos instrumentos, o motorista encontra posição cômoda no Etios, com relação adequada entre volante (um três-raios bem desenhado), banco e pedais, mas com ressalvas: faltam apoio para o pé esquerdo e regulagens de altura do banco e do cinto de segurança. O controle elétrico dos vidros está em posição ideal, nas portas, e são vários os espaços para objetos. O limpador de para-brisa tem braço único, a exemplo do Fiat Mille, e as luzes de direção contam com repetidores laterais, itens de segurança ausentes de carros mais caros.

Próxima parte

 

 

Com 4,26 metros de comprimento e 2,55 m de distância entre eixos, o Etios sedã está bem situado entre os compactos, enquanto o hatch (3,77 e 2,46 m, na ordem) fica mais abaixo da média de sua classe; a largura de 1,69 m em ambos é mediana. De qualquer modo, a altura expressiva de 1,51 m e as formas retilíneas da carroceria permitem que o interior seja arejado, com sensação ampla, e ofereça espaço adequado para quatro adultos mesmo no caso do hatch — já um quinto ocupante tem acomodação precária, além de não contar com encosto de cabeça ou cinto de três pontos em qualquer versão.

 

 


Controles de vidros têm boa posição; limpador de para-brisa é um só; sistema de
áudio traz conexão USB; leitura do marcador de combustível precisa melhorar

 

No cinco-portas o porta-malas é apenas razoável, de 270 litros, enquanto o sedã oferece um latifúndio de 562 litros (curiosamente, a capacidade do primeiro aumentou e a do segundo diminuiu em relação aos dados disponíveis no exterior). Embora o banco traseiro seja rebatível, não é bipartido e, no caso de sedã, o vão destinado a cargas longas fica prejudicado por chapas de reforço estrutural. O estepe em tamanho integral fica sob o assoalho do compartimento, mas o macaco vai ser difícil de encontrar de imediato: vem debaixo do banco do motorista, em posição pouco acessível, que deveria ser revista.

 

A suspensão macia absorve bem as irregularidades e sem ruídos, lembrando carros de segmentos superiores: nesse aspecto a decisão de trazer um carro “de emergentes” rende dividendos

 

Embora dois motores — que por enquanto são importados do Japão — tenham sido definidos para o Etios brasileiro, é difícil entender por que a Toyota não escolheu um só deles. Um com 1,35 litro, outro com 1,5, eles usam quatro válvulas por cilindro mas não recorrem ao sistema de variação do tempo de abertura das válvulas tão comum nos carros da empresa. A taxa de compressão elevada, pouco acima de 12:1, promete bom aproveitamento do álcool como combustível.

O 1,3 fornece potência de 84/90 cv e torque de 11,9/12,8 m.kgf, na ordem gasolina/álcool, enquanto o 1,5 vai a 92/96,5 cv e 13,9 m.kgf (mesmo torque com qualquer combustível): são valores muito próximos para justificar dois motores. Mais que isso, os números revelam-se modestos para cada cilindrada, havendo motor 1,5 de 16 válvulas no mercado com 125 cv (JAC J5). Contudo, como os carros não pesam muito — de 915 a 980 kg, conforme a versão —, o desempenho anunciado é bom para a categoria: aceleração de 0 a 100 km/h em 12,2/11,8 s no hatch de 1,3 litro, em 11,5/11,1 s no de 1,5 litro e em 11,8/11,3 s no sedã, sempre naquela ordem de combustíveis.

 


Com motores próximos em potência e torque, o hatch 1,3-litro surpreende mais
pelo desempenho; acerto da suspensão concilia conforto e estabilidade

 

No restante da mecânica, nada diferente do que vários concorrentes oferecem. As suspensões seguem o arroz-com-feijão (dianteira McPherson e traseira com eixo de torção), sendo que o hatch básico vem sem estabilizadores para reduzir custos. Os freios dianteiros são sempre a disco ventilado, cuidado que a Renault não teve nem nas versões de 1,6 litro, e a direção usa a eficiente assistência elétrica. Curioso que o câmbio usa as mesmas relações de marcha e de diferencial para ambos os motores. Os pneus em medidas 175/65 R 14 e 185/60 R 15 estão bem escolhidos, mas faltou prever um tanque de combustível maior no Brasil: a capacidade de 45 litros está abaixo da ideal.

Suspensão é destaque

O evento de imprensa previa uma boa avaliação em rodovias, com mais de 200 quilômetros entre dois motoristas partindo da fábrica de Sorocaba. Com um hatch XLS, a versão de 1,5 litro (não foi possível rodar no sedã), a sensação é de um carro justo ou pouco menos, cuja faixa de preço faz esperar algo mais. O motor funciona com relativa suavidade e nível de ruído contido, mas falta um pouco de vigor — talvez a fábrica tenha preferido uma calibração voltada à economia, o que o deixou menos pronto nas respostas do que o esperado.

O câmbio de engates precisos não chega a ser seco, enquanto a direção mostra peso adequado em diferentes faixas de velocidade. Mas o ponto alto do Etios é a suspensão: macia, absorve bem as irregularidades e sem ruídos, lembrando carros de segmentos superiores. Nesse aspecto a decisão de trazer um carro “de emergentes” rende dividendos, pois em geral são projetados para países com baixa qualidade de piso e garantem resistência nessas condições. O nível de conforto não prejudica a estabilidade, que mostrou comportamento sempre neutro e bem controlável, mesmo quando o provocamos.

 


O sedã é maior também no entre-eixos e agrada pelo espaço interno, mas

o motor 1,5, ainda que silencioso, poderia sobressair mais em potência

 

O hatch XS de 1,3 litro impressionou melhor em termos de motor. É claro que oferece desempenho inferior ao do 1,5, mas a diferença é mais sutil do que se esperava: o motor menor traz vivacidade e consegue acompanhar bem o tráfego sem precisar de altas rotações. Como as versões mais simples concorrerão em uma faixa na qual a concorrência usa motor de 1,0 litro — exceto o 207 e o C3 —, a Toyota fica em efetiva vantagem nesse particular. Além disso, a rotação do motor em viagem mantém patamar moderado, por volta de 3.500 rpm a 120 km/h em quinta.

Conseguirá o Etios vencer a conhecida preocupação brasileira com as aparências e estabelecer a Toyota em um segmento de volume de vendas bem maior que qualquer outro no qual a fábrica hoje atua?

Tudo indica que sim. Primeiro porque há uma grande massa de consumidores que vem de carros usados e tem critérios de escolha mais parecidos com, digamos, os dos indianos. Segundo porque a empresa japonesa desfruta elevada reputação no mercado, que pela primeira vez vem associada a um modelo acessível. E terceiro porque, entre erros e acertos, o saldo ainda parece positivo para esse “emergente” que veio se instalar em solo nacional.

 

Ficha técnica

Versões 1,3 Versões 1,5
Motor
Posição transversal
Cilindros 4 em linha
Comando de válvulas duplo no cabeçote
Válvulas por cilindro 4
Diâmetro e curso ND 72,6 x 90,6 mm
Cilindrada 1.329 cm³ 1.496 cm³
Taxa de compressão 12,2:1 12,1:1
Alimentação injeção multiponto sequencial
Potência máxima (gas./álc.) 84/90 cv a 5.600 rpm 92/96,5 cv a 5.600 rpm
Torque máximo 11,9/12,8 m.kgf a 3.100 rpm 13,9 m.kgf a 3.100 rpm
Transmissão
Tipo de câmbio e marchas manual / 5
Tração dianteira
Freios
Dianteiros a disco ventilado
Traseiros a tambor
Antitravamento (ABS) sim (exceto versão básica)
Direção
Sistema pinhão e cremalheira
Assistência elétrica (exceto versão básica)
Suspensão
Dianteira independente, McPherson
Traseira eixo de torção
Rodas
Dimensões 5 x 14 pol (básico, X e XS) 5,5 x 15 pol (XLS)
Pneus 175/65 R 14 (básico, X e XS) 185/60 R 15 (XLS)
Dimensões Hatch Sedã
Comprimento 3,777 m 4,265 m
Largura 1,695 m
Altura 1,51 m
Entre-eixos 2,46 m 2,55 m
Capacidades e peso
Tanque de combustível 45 l
Compartimento de bagagem 270 l 562 l
Peso em ordem de marcha 965 kg (XLS) 980 kg (XLS)
Desempenho e consumo Hatch 1,3 Sedã 1,5
Velocidade máxima ND
Acel. 0 a 100 km/h (gas./álc.) 12,2/11,8 s 11,8/11,3 s
Cons. cidade (gas./álc.) 12,5/8,5 km/l 11,9/8,4 km/l
Cons. rodovia (gas./álc.) 13,0/9,0 km/l 14,0/9,3 km/l
Dados do fabricante; ND = não disponível

 

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