Carros: como está o Brasil no cenário mundial

Estamos em 16°. na relação veículos/habitante, descontados pequenos países; conheça outros números

 

Tenho notado que, sempre que se discute a indústria automobilística brasileira, a comparação recai sobre países nominalmente, considerando-se como tal Luxemburgo ou mesmo o Vaticano, que tem o tamanho do Parque do Ibirapuera em São Paulo, SP. Números de produção e consumo de automóveis também não satisfazem a argumentação porque, com a crise, nossa indústria encolheu 30%, de sorte que qualquer coisa que digamos a seu respeito nos últimos três anos não reflete o mercado.

Números europeus também contêm vieses estatísticos inaceitáveis, como o fato de San Marino, com seus 30 mil habitantes, ter 1.287 carros por cada mil habitantes — mais de um carro por cabeça. Nesse caso, há que se considerar que moradores da Itália têm carros licenciados lá, mas não circulam pelo território. Então, cabe as perguntas: quem somos? Onde estamos? Será que estamos assim tão vulneráveis?

Este artigo só se interessa pelo ponto de vista da indústria e se nosso mercado é ou não importante em termos mundiais. Há que se considerar a escala de produção e se manter-se nesse mercado é ou não relevante. Para todo o texto, a fonte de informação foram as páginas de estatísticas do Banco Mundial e, para elaborar as conclusões, usaram-se mais de 10 tabelas diferentes.

 

Segundo a ONU, 2,3 bilhões de pessoas nunca andaram de carro. Se a África tivesse tantos carros por habitante quanto os EUA, não sobraria um leão ou elefante

 

O estado de São Paulo, se fosse um país, estaria no 29º lugar com 609 carros/1.000 habitantes e uma população equivalente à da Espanha, país que tem 593 carros/1.000 hab. Em termos econômicos, o estado seria a 20ª economia do mundo, à frente do Irã.  A cidade de São Paulo, por sua vez, ocuparia o 55º lugar no mesmo ranking (com 631 carros/1.000 hab) e, em termos econômicos, estaria à frente da Grécia. Equivalente em população à capital paulista, a Síria tem apenas 73 carros/1.000 hab.

Com a terceira maior frota motorizada do mundo, o Brasil é muito importante para a indústria

O Brasil como um todo tem 382 carros/1.000 hab. Descontando os países irrelevantes, com menos de 10 milhões de habitantes (como Hungria, Noruega, Suécia, Suíça e outros), o nosso está em 16º lugar no ranking de carros por habitante. China e Índia, tão impressionantes em termos de população, estão muito menos motorizadas que nós: 83 carros/1.000 hab. para o primeiro e somente 18 no segundo. O brasileiro ainda tira o chapéu para mexicanos, com seus 274 carros/1.000 hab, e argentinos, com seus 314.

Não é à toa que a Organização das Nações Unidas (ONU) afirma que 2,3 bilhões de pessoas nunca andaram de carro na vida. Ainda bem! Se a densidade na África, que é de 23 carros/1.000 hab, subisse para os 797 dos Estados Unidos, não sobraria um leão ou elefante para contar a estória — no mínimo, teriam sido atropelados. O fato é que somos um país altamente motorizado, muito acima da média mundial, que fica ao redor de 145 carros por mil habitantes.

Para a indústria, o que importa é que a China conta com 112 milhões de veículos automotores e a Índia tem 21 milhões, dois mercados para não se jogar fora. Mercados muito maiores que o da Bélgica (6 milhões) ou o da Suécia (2,4 milhões). Mesmo o da Índia é pequeno se comparado a nossos 78,1 milhões, incluindo utilitários e veículos de transporte coletivo e de carga.

Se o México, com sua frota de 29 milhões, ultrapassa o Brasil em produção de automóveis quando estamos em crise, é porque 38% da sua produção é exportada, por conta de acordos com os Estados Unidos e conosco. Da mesma forma, a Argentina não teria uma indústria automobilística em escala sustentável não fossem os acordos comerciais com o Brasil. Certamente sua frota de 12,9 milhões de carros não supriria as necessidades de escala da indústria. Isso leva a crer que estejamos subsidiando pelo menos dois países com nível semelhante de desenvolvimento.

 

 

Metropolização e transportes alternativos

Mas o leitor poderia perguntar: por que países com quatro vezes nosso PIB per capita, como Alemanha, França e Inglaterra, têm somente 30% mais automóveis por habitante que nós? E os Estados Unidos, por que têm pouco mais que o dobro, apesar da renda semelhante à dos europeus? A respostas repousam sobre dois fatores básicos: extensão territorial e variedade de meios de transporte.

Os Estados Unidos têm um território continental de 7,8 milhões de km² e 80% da população vive em cidades de até 20 mil habitantes. Como no nosso caso, existe uma tendência muito forte à metropolização — comércio e serviços desenvolvem-se em núcleos maiores nas proximidades. Isso leva a uma dependência muito maior do transporte motorizado individual que na Europa, cujos 4,3 milhões de km² se dividem em pequenos países, onde ainda se viaja muito de trem. Ao mesmo tempo, existe uma tendência europeia para o transporte alternativo.

 

China e Índia, impressionantes em termos de população, são muito menos motorizadas que nós: 83 e 18 carros/1.000 habitantes, na ordem, contra 382 do Brasil

 

A Índia tem 21 milhões de veículos, mas apenas 18 para cada 1.000 habitantes (foto de Jaipur feita por Vincent-Desjardins)

Uma amiga que dá aulas em uma universidade em Lion, no sul da França, usa o passe-bicicleta em tradução livre. Trata-se de um pagamento anual de 25 Euros ao ano para usar uma bicicleta por até uma hora, deixando-a em outro bicicletário, quantas vezes quiser. As pessoas saem até mesmo para passear no fim de semana por horas a fio, trocando a bicicleta a cada hora para não ter de pagar pelo tempo extra. Isso se repete por cidades de pequeno e médio porte por grande parte da Europa de sorte que, mesmo com alta renda, as pessoas não se veem obrigadas a possuir um automóvel.

Com a terceira maior frota motorizada do mundo, o Brasil, mesmo que tivesse a mesma margem de 9% atribuída aos Estados Unidos, seria um país muito importante para a indústria automobilística mundial. Não é possível afirmar que, com os 23% de margem atribuídos a nosso mercado, nossa indústria tenha uma contribuição total maior que a da norte-americana pelo fato de os produtos vendidos lá serem, a preço líquido, superiores aos vendidos aqui — e nesse ponto a diferença de renda pesa muito.

É que o que se vende aqui seria menos que popular naquele mercado tão mais exigente que o nosso. De qualquer forma, parece ingênuo acreditar que estejamos sempre à beira de perder nossa indústria caso o governo não atenda a suas exigências. Parece igualmente ingênuo que tenhamos de abrir exceções tributárias para que elas se instalem por aqui, mesmo que não tenhamos acesso a seus números.

Angus Deaton, economista escocês radicado nos Estados Unidos, cita em sua obra The Great Escape (2004), usando dados do Banco Mundial e pesquisas do instituto Gallo, que a renda deve quadruplicar para que a percepção de qualidade de vida suba um ponto. O que fica claro neste artigo é que carros fazem parte da qualidade de vida, mas não são os itens mais importantes: seu consumo, apesar de crescente, está longe de ser preponderante no portfólio dos desejos da população, perdendo para segurança, saúde, habitação e lazer.

Isso indica que os automóveis, em um país de renda mediana, suprem a necessidade de locomoção. Em países de alta renda, porém, estão mais ligados ao gosto por dirigir, que não é compartilhado por parcela crescente da população.

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A coluna expressa as opiniões do colunista e não as do Best Cars

 

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