Com a moeda, a exportação de açúcar e o valor do milho em alta, parece inevitável o álcool subir, levando consigo a gasolina
Esta semana, a Organização Mundial de Comércio (OMC) anunciou que haverá um inesperado déficit no fornecimento de açúcar. É aguardada uma falta de 24 milhões de toneladas nos próximos três anos, indicando uma alta de preço considerável, visto que se trata de produto de baixa elasticidade-preço da demanda.
Elasticidade baixa significa que ninguém vai encher de açúcar o cafezinho porque o preço caiu; da mesma forma, ninguém vai deixar de pôr açúcar no refrigerante porque o preço subiu. Assim, uma pequena variação da quantidade ofertada provoca uma grande variação de preço. Ao mesmo tempo, por conta da enorme fuga de capital que o Brasil enfrenta (US$ 45 bilhões em 2019), o dólar está subindo como um foguete, aproximando-se muito rapidamente dos R$ 5,00.
O Renovabio pretende atrair capital para substituir hidrocarbonetos por fontes renováveis, mas a bolsa cai dia a dia: que combustível teremos e a que preço?
Câmbio favorável à exportação de commodities e falta anunciada do produto, no qual ainda somos hegemônicos, faz antever uma grande escassez de álcool de cana para queimar, enquanto os usineiros tendem a dirigir a produção para açúcar a ser exportado. Em sentido contrário, o Renovabio pretende, via papéis negociados em bolsa (C-Bios), atrair capital para a substituição dos hidrocarbonetos por fontes renováveis de energia, só que a bolsa está caindo dia a dia, mais no Brasil do que no resto do mundo. Qual será o combustível que teremos disponível? A que preço?
O IAA (Instituto do Açúcar e do Álcool) foi criado em 1933, por Getúlio Vargas, para atender as reivindicações do setor sucroalcooleiro. Desde a grande crise do café, que desembocou no acordo de Taubaté (SP), os empresários mais responsáveis como Henrique Santos Dumont, irmão do aviador, e Martinho Prado, ambos da região de Ribeirão Preto (SP), já substituíam a cultura do grão pela cana de açúcar, naquele momento, visando o mercado interno. Não demorou muito para que o álcool fosse tentado como combustível com patrocínio da própria Ford. É que, em 1923, um Modelo T vertido para etanol participou de uma corrida entre Santos (SP) e São Paulo.
Em 1934, o IAA já impunha a adição de 5% de álcool na gasolina importada como meio de queimar o excedente de açúcar não exportado por conta da crise de 1929. Logo em seguida a parcela subiu para 20%, chegando a 43% durante a Segunda Guerra Mundial. Depois dela, o IAA deixou de intervir e cada estado fazia a mistura que mais lhe conviesse, chegando aos 54% no Nordeste entre 1955 e 1960.
Apelo ambiental
Com o embargo a Cuba, o Brasil assumiu a quota de importação dos Estados Unidos e preço e produção dispararam até 1973, quando Nixon sobretaxou nosso produto e fez uma campanha seriíssima contra o consumo de açúcar. Foi quando a adição esteve no nível mais baixo, somente 3% da gasolina refinada, com a consequente queda de octanagem. A retração nas exportações, de 3,6 milhões para 1,9 milhão de toneladas entre 1973 e 1975, fez com que — de novo — o álcool entrasse em cena para salvar o setor, aproveitando-se da subida do preço do petróleo, no Proálcool, como combustível independente. O álcool não passou a concorrer com o hidrocarboneto, mas as versões dos motores, sim, dividindo o mercado entre carros a álcool e a gasolina.
Essa divisão permaneceu até 2003, com o primeiro carro flexível em combustível. Foi quando os automóveis passaram a servir de garantia para as usinas, tendo a percentagem de álcool variando de acordo com o preço internacional do açúcar e a taxa de câmbio. Quanto maior a oferta mundial da commodity, maior a percentagem; quanto mais elevado o preço do dólar, menor ela fica.
O aumento do preço dos combustíveis em função do dólar é inexorável, seja pela atratividade da exportação de açúcar, seja pela esperada valorização do milho
Álcool assumiu apelo ambiental muito forte perante o aquecimento global. O Renovabio, que prevê a descarbonização da matriz energética, tenderia a mitigar o desabastecimento de álcool porque, caso a percentagem caia, as distribuidoras se veriam obrigadas a adquirir C-Bios, cuja oferta é função direta da produção de álcool pelas usinas. Dá para imaginar que o valor das C-Bios subiria, apesar de a bolsa estar em trajetória de queda. Mas, de onde viria o hidrato de carbono para ser transformado em álcool, visto que as usinas tendem a refinar açúcar? Do amido de milho, é claro.
Se o Brasil se mantém hegemônico na produção de açúcar, a cana já não o é como matéria-prima para o álcool. O milho passou a ter custo de produção significativamente mais baixo pelo aproveitamento do preparo de solo advindo da cultura da soja. Isso se chama safrinha — que de “inha” não tem mais nada, visto que atinge produção quase igual à da safra. Tudo isso, no entanto, é teórico porque as destilarias de álcool proveniente do milho são dedicadas, o que representa risco maior de negócio, fazendo o investidor pensar duas vezes antes de abrir uma. Ademais, o milho pode ser exportado in natura, consoante a taxa de câmbio e a demanda no resto do mundo, o que aumenta o risco. Como se toda essa complexidade não bastasse, a emissão de C-Bios ainda é muito tímida, porque são poucas as usinas certificadas pela Agência Nacional do Petróleo (ANP).
Na Economia, as variáveis tendem a ser muito mais rápidas do que a resposta dos investidores. Amortecer essas variações é o papel dos especuladores, que já devem estar esfregando as mãos. O aumento do preço dos combustíveis em função do dólar é inexorável, seja pelo aumento da taxa de atratividade da exportação de açúcar, seja pela perspectiva de valorização do milho, tudo isso aliado à política de preços da Petrobras. A grande incógnita é se haverá ou não variação na percentagem de álcool adicionado à gasolina, graças à introdução do milho na matriz energética do País e à expectativa criada ao redor do Renovabio.
Longe de flertar com a futurologia, a possibilidade de queda da percentagem adicionada é muito pequena em curto prazo. Já há papéis lastreados em álcool emitidos pelas usinas e os contratos de açúcar não costumam ser de prazo tão curto, assim como parte das safras de milho costuma ter venda antecipada, por ocasião do plantio. Por causa disso, se houver variação de percentual, será passageira — e, provavelmente, não anunciada. Só nos resta olhar com amargor os mostradores das bombas dos postos de combustível.
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