O coronavírus e os tempos difíceis que serão superados

Efeitos à economia e ao mercado de automóveis preocupam, mas já vencemos outras crises, agudas ou prolongadas

 

Posso apostar que você responderá sem muito ânimo se eu perguntar como têm sido as últimas semanas. Em meio à pandemia de coronavírus, vivemos angústias variadas — da incerteza financeira ao isolamento social — que vão muito além do risco em si de contrair a Covid-19. Falando de nosso assunto com um volante e quatro rodas, o cenário não é mais animador: lançamentos, avaliações e o próprio uso do automóvel estão muito escassos.

É de se imaginar o desafio que tem sido, para nós, manter atraente o Best Cars. Se antes podíamos escolher quatro ou cinco bons temas para notícias de segunda a sexta, agora passamos dias inteiros sem encontrar alguma novidade, mesmo no exterior, que realmente lhe queremos contar. Eventos de lançamento estão suspensos há cerca de um mês — houve apenas apresentações online, como a do Chevrolet Tracker e a da Ford Ranger Storm.

 

Nunca enfrentei um período assim nos 22 anos de site, mas estou certo de que colegas mais experientes já viveram situações semelhantes na atividade

 

Eventos de lançamento de relevo, como o da nova Fiat Strada, estão adiados sem data

O evento da Fiat Strada foi adiado para o segundo semestre, a depender do quadro da pandemia. Há semanas os fabricantes suspenderam também os empréstimos de carros para avaliação. Apesar de termos alguns “na gaveta” para escrever, analisados antes, pode ser que eles acabem antes que outros cheguem a nossas mãos.

Posso dizer que nunca enfrentei um período assim nos 22 anos de site, mas estou certo de que colegas mais experientes já viveram situações semelhantes em seu trabalho em tempos que acompanhei como leitor.

Comecei a ler revistas de automóveis em 1983, no meio da longa crise econômica que resultou na “década perdida”. Apesar de o mercado nacional ter sido renovado com importantes lançamentos naquela época — Chevrolet Monza, Fiat Uno e Ford Escort são exemplos —, era fácil perceber os efeitos da economia em baixa e da exigência de manter os postos de combustível fechados nos fins de semana, que reduziam em muito o uso dos carros e o interesse em comprar ou trocar o seu.

 

 

Década de reestilizações

Projetos de longa data eram infinitamente “maquiados” para parecerem atuais, diante da inviabilidade de colocar novos produtos em seu lugar. Chevrolet Chevette e Opala, Ford Corcel II (por meio do Del Rey) e F-100/F-1000, Volkswagen Gol e (quase) Passat começaram e terminaram os anos 80 na mesma geração, para não falar na Kombi, que duraria mais 23 anos.

Faróis redondos mudavam para retangulares, painéis quadrados ficavam arredondados, mas a segurança ativa e passiva obsoleta e os carburadores continuavam lá — apenas o Gol GTI, raro e caro, entrou em 1990 com injeção. Muitos “segredos” das fábricas revelados pelas revistas não se concretizaram, do Opel Corsa ao Ford Sierra, do Fiat Ritmo ao Volkswagen BY.

 

Faróis redondos mudavam para retangulares, painéis quadrados ficavam arredondados, mas a segurança obsoleta e os carburadores continuavam

 

Velhos projetos, como o Opala, atravessaram a “década perdida” com poucas evoluções

Mal entramos em 1990, veio um impacto à economia talvez maior que o sentido agora: o governo Fernando Collor bloqueava as cadernetas de poupança por um ano e meio, enxugando a liquidez do mercado — um “economês” para dizer que, da noite para o dia, ninguém tinha dinheiro para comprar um automóvel. Lembro-me bem da chamada “para onde vai o carro” na revista Quatro Rodas de maio daquele ano, resumindo a situação de bloqueio do mercado. De qualquer forma, o efeito da medida não foi tão duradouro, pois as pessoas aos poucos voltaram a consumir.

Como será dessa vez? Quando a pior fase da pandemia passar, reabrindo as concessionárias e recolocando as pessoas nas ruas, teremos uma recuperação gradual das vendas de carros, do turismo, da economia como um todo? Ou estaremos todos com bem menor condição de consumir automóveis, serviços, viagens? Quais serão os impactos desse período nos próximos anos? Projetos serão cancelados? Teremos outra década de reestilizações sobre velhos carros?

É cedo para responder. Mas já atravessamos outras crises e estamos aqui. Por ora, cuide-se — não é uma gripezinha! — e faça o que estiver a seu alcance para manter a economia girando. Mesmo que cortar despesas seja imperativo para muitos de nós, há pessoas em maior complicação que outras, impedidas de trabalhar ou seriamente afetadas em sua renda. Se cada um puder olhar ao redor, poderemos relembrar juntos esse período como só mais uma fase que superamos.

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