O que define SUV? Uma discussão de difícil consenso

Para o Inmetro até hatches altos são utilitários esporte, outros requerem tração 4×4 — e você, o que pensa a respeito?

 

Qual a definição de utilitário esporte (SUV)? Tenho pensado sobre isso nos últimos tempos, motivado pela frequência com que são lançados modelos com esse título, mas que — a meus olhos e aos de muitos — não parecem merecer tal classificação. E imaginei que seria interessante debater o tema com os leitores.

Antes de mais nada, cabe explicar que o sport em sport utility vehicle (veículo utilitário esporte em inglês) não indica esportividade no sentido de desempenho ou de aptidão para curvas rápidas: tem o sentido de casual, feito para o lazer e não para serviço, assim como em traje esporte. Não se sabe com exatidão quanto o rótulo de SUV começou a ser usado, mas modelos como o Ford Bronco (1966) e o primeiro Chevrolet Blazer (1969) estão entre os primeiros enquadrados como tais.

 

Toyota RAV4 e Honda CR-V, mais parecidos com automóveis em sua arquitetura, colocaram em xeque o conceito de SUV usado até então

 

O Toyota RAV4 de 1994 começou a contestar a definição tradicional de SUV

Até a década de 1990, não havia dúvidas sobre o que era um SUV. O Chevrolet Blazer fabricado aqui, o Mitsubishi Pajero e o Toyota Hilux SW4, entre outros, seguiam a definição tradicional com carroceria sobre chassi, suspensão traseira de eixo rígido e tração nas quatro rodas ao menos como opcional. Quem começou a contestar a definição foram modelos compactos como o pioneiro Toyota RAV4 (1994), o Land Rover Freelander e o Honda CR-V: mais parecidos com automóveis em sua arquitetura, tinham estrutura monobloco, suspensão traseira independente e alguns usavam tração apenas dianteira, o que os diferenciava de SUVs pequenos “à moda antiga” como Kia Sportage e Suzuki Vitara e Grand Vitara.

As coisas foram-se complicando desde então. Na medida em que os SUVs ganhavam adeptos, crescia o interesse dos fabricantes em participar da categoria, mesmo que com características diversas. Nosso Ford Ecosport (2003) nada mais era que um visual “aventureiro” sobre o Fusion europeu, um derivado do Fiesta com jeito de perua alta. Mais tarde surgiram os que fundem elementos de hatches e utilitários, como o Citroën C4 Cactus, o Renault Captur francês e o Fiat 500X, “primo” do Jeep Renegade com desenho mais urbano.

 

 

Qualquer um vira SUV

Nos últimos anos, carros de todo tipo tornaram-se SUVs no Brasil. Os hatches com suspensão elevada Hyundai HB20X, JAC T40, Honda WR-V (o Fit com traje “aventureiro”) e Caoa Chery Tiggo 2 (o mesmo processo a partir do Celer) são classificados assim pelo Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia), que dita parâmetros para a tabela de consumo de combustível do Programa Brasileiro de Etiquetagem (PBE). O mesmo vale para a perua Fiat Weekend Adventure, a minivan Citroën Aircross e o furgão de passageiros Fiat Doblò Adventure.

Afinal, para ser um SUV na visão do órgão basta atender a pelo menos quatro de cinco requisitos: ângulos de ataque (mínimo de 22º), de saída (mínimo de 19°) e de rampa (mínimo de 9°), altura livre do solo entre os eixos (mínima de 180 mm) e altura livre sob os eixos (mínima de 160 mm), de acordo com a portaria 522 de 2013 do instituto.

 

Hatches com suspensão elevada, como HB20X e WR-V, são classificados como SUVs pelo Inmetro e o mesmo vale para perua, minivan e furgão “aventureiros”

 

Regras controversas para classificar os veículos não são exclusivas do Brasil. Nos Estados Unidos, desde 1975, o programa Corporate Average Fuel Economy (CAFE) estabelece limites de consumo para os carros vendidos por um fabricante, separando automóveis (cars) e utilitários (trucks) com permissão de maior consumo para a segunda categoria. Utilitários são SUVs, picapes, furgões e minivans, mas de vez em quando aparecem nessa classe modelos que não são uma coisa nem outra.

Chrysler PT Cruiser era enquadrado como utilitário pelo banco traseiro removível

Foi o caso do Chrysler PT Cruiser, sob a justificativa de que a remoção do banco traseiro formava uma plataforma de carga plana como a de uma minivan — a versão conversível, sem tal arranjo, era qualificada como carro. Com isso, cada PT Cruiser vendido ajudava a marca a alcançar sua meta de consumo médio, habilitando-a a colocar nas ruas outros modelos nada econômicos.

Se os padrões do Inmetro parecem sujeitos a distorções, quais seriam ideais? Boa pergunta. Mas alguns requisitos, às vezes citados em argumentos sobre o tema, não me parecem relevantes. Exemplo 1: chassi separado da carroceria, hoje quase extinto, ainda em uso no Toyota SW4 e no Chevrolet Trailblazer. Se fosse essencial, modelos como Jeep Cherokee — desde o “quadrado” de 1983 —, Mitsubishi Pajero Full e até Range Rover Vogue não seriam SUVs. Exemplo 2: tração nas quatro rodas. Exigi-la levaria à situação inusitada de um mesmo carro, como o SW4, ser SUV na versão 4×4 e não na 4×2. A meu ver, isso é confundir SUV com veículo fora de estrada.

Alguns propõem como solução chamar de crossover, palavra inglesa para cruzamento de raças, todo veículo que combina elementos de automóvel e de SUV tradicional. Na linha Chevrolet, por exemplo, o Trailblazer seria SUV, mas Equinox e Tracker são crossovers. Por esse critério, como fica o WR-V ou o JAC T40? Entram na mesma categoria do Equinox? Mesmo porque, muito antes desses “SUVs urbanos”, já havia carros que mesclavam categorias como a linha Eagle (1979) da American Motors, nos EUA, com sedã, cupê e perua com tração integral e grande altura de rodagem. Por esse prisma, até nossa Ford Belina 4×4 (1984) seria crossover.

É mesmo um tema complexo, que rende bom debate e não permite conclusões fáceis. Por isso, convido o leitor a opinar pelo espaço de comentários.

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