Salão do Automóvel, uma tradição questionada

Fabricantes ao redor do mundo têm avaliado se vale a pena continuar a participar de eventos como esse

 

Salões do Automóvel, tal qual conhecemos, provavelmente não mais existirão. Ou, se resistirem com esse formato de exposição, terão de repensar o tamanho, a abrangência, o sentido. Ao menos parece ser a tendência ao se analisar a trajetória dos últimos salões mundo afora e, mais especificamente, o Salão de Paris deste ano, um dos mais tradicionais do mundo, com a ausência de marcas como Ford, Infiniti, Mazda, Mitsubishi, Nissan, Opel, Subaru, Volkswagen e Volvo. Há alguns fenômenos da atualidade que explicam, ao menos em parte, o decrescente interesse das marcas pelos megaeventos do tipo.

Em primeiro lugar, custos. Estar em eventos como esses é caríssimo. Estandes, mão-de-obra especializada, comunicação, preparação de carros-conceito — um dinheiro vultuoso. Geralmente a lógica desse investimento se encaixava como verba de marketing. Faz sentido num formato de mídia do século passado, no qual uma marca podia se expor comprando espaço em jornais, revistas ou formatos eletrônicos, como a TV, ou gerando publicidade “espontânea” de seus produtos por meio de grandes eventos como os salões, amplamente cobertos pela imprensa especializada.

 

As fábricas hoje usam incríveis tecnologias e dão visibilidade a seus modelos por meio das redes: não está sobrando dinheiro para o resto, como salões

 

Ford, Mitsubishi, Nissan, Opel e Volkswagen, entre outras, ficaram de fora do Salão de Paris este ano

Daí entramos no segundo lugar: a mudança do perfil dos consumidores. É um fato que o comportamento digital transgrediu a tradicional lógica centralizada de informação. Os indivíduos buscam as informações por si próprios, nas fontes que bem entendem, na palma da mão em seus celulares e nas redes sociais, onde se conectam aos assuntos que lhes interessam. É o que os estudiosos chamam de “poder horizontal”, ou seja, a informação circula horizontalmente entre os indivíduos, e não mais de cima para baixo. A imprensa como conhecemos, com seu poder de contar as versões da história, morreu. Feliz ou infelizmente.

Atentas que são, as marcas estão mobilizando seus investimentos de comunicação no mundo digital, que já consome enorme parte da verba. Criam inovadoras experiências de compra usando as mais incríveis tecnologias e dão visibilidade a seus modelos por meio das redes. E não está sobrando dinheiro para o resto — como a participação em salões. A Volkswagen alegou falta de sincronia nos lançamentos para estar fora do Salão de Paris. Ao mesmo tempo, seus perfis nas redes sociais fervilham com anúncios prévios de novidades no campo dos SUVs, como o T-Cross.

Aposto que boa parte desse movimento de esconder-se esteja no campo da administração da reputação, ainda manchada com os escândalos ambientais de manipulação de motores Diesel. Outras marcas, como Ford e Opel, desdenharam o Salão sem dó, deixando claro que o rico dinheiro que lhes sobra irá para repensar as narrativas do futuro.

 

 

Perseguição

Então entramos no terceiro lugar: a perseguição à indústria automobilística. Se há 40 anos os Salões eram um fértil campo para se discutir progresso, desenvolvimento da tecnologia e a relevância da pujante indústria do carro, nos dias de hoje os ativistas — alimentados pelo tal poder horizontal que cito acima — aproveitam as reuniões de fabricantes para criticar a indústria, sua lenta reação à destruição ambiental, associam os carros a toda sorte de problemas e acusam o automóvel de ser símbolo de um padrão de vida individualista e insustentável.

 

Como os carros nacionais mais populares, o Salão de São Paulo demorou a ganhar ar-condicionado de série — só depois de se livrar do Anhembi

 

O Salão de São Paulo, às vésperas do início, é muito tradicional dada sua relevância na previsão de lançamentos e tendências para a indústria da América Latina. Como os carros nacionais mais populares, demorou a ganhar ar-condicionado de série — só depois de se livrar do infernal Anhembi, há dois anos, quando se mudou para o São Paulo Expo. Ainda assim, esse ano ficará sem Citroën, JAC, Jaguar, Land Rover, Peugeot e Volvo. Os ingressos são caros: quem só pode ir durante o feriado e as emendas terá que desembolsar R$ 74, sem falar em estacionamento ou transporte e demais despesas corriqueiras. Isso para ter uma experiência não muito diferente de visitar diversas concessionárias — com a desvantagem de ficar-se acotovelando com uma multidão enquanto tentar fazer uma selfie com aquele Ferrari.

No entanto, assim como na edição de 2016, algumas marcas oferecem experiências mais imersivas, como testes, inclusive de carros elétricos, o que para alguns pode significar uma diversão a mais. Devo assumir que tive momentos muito prazerosos em salões na adolescência, como ver o lançamento da segunda geração do VW Gol, em 1994, e me sentir arrebatado pela traseira futurística do primeiro Ford Focus, em 2000. Para mim, só isso já teria justificado a existência de um evento daquele porte. Sim, sim, as lindas modelos também justificariam, mas o mundo mudou tanto que, do jeito que vão as coisas, esse pode virar mais um motivo para o fim dos salões como conhecemos.

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A coluna expressa as opiniões do colunista e não as do Best Cars

 

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