Lagonda Rapide, o lado sofisticado da Aston Martin

Lagonda Rapide 1963

 

David Brown somou o motor dos esportivos a um interior
luxuoso nesse sedã de reduzida produção e grande significado

Texto: Fabrício Samahá – Fotos: Bonhams e divulgação

 

Com sua combinação de formas elegantes e motor V12 com potência de 560 cv, o Aston Martin Rapide é hoje um dos carros de quatro portas (cinco, no caso) mais desejados do mundo. Para clientes especiais do Oriente Médio, a marca inglesa prepara o retorno da denominação Lagonda em um sedã retilíneo e megaluxuoso de 600 cv, inspirado no homônimo dos anos 70 e 80. O que poucos conhecem, entre os muitos que admiram esses carros, é o antepassado que combinava os dois nomes: o Lagonda Rapide.

A marca inglesa Lagonda foi fundada em 1906 em Staines, Middlesex, por Wilbur Gunn (1859-1920), um norte-americano de família escocesa, que usou o nome do Lagonda Creek, próximo de sua cidade natal, Springfield, no estado de Ohio. Começou pela construção de motocicletas, mas já no ano seguinte fazia seu primeiro automóvel, com motor de seis cilindros e 20 cv. Em 1911 já oferecia um motor de quatro cilindros com 4,6 litros.

No período entre guerras a Lagonda adotou soluções técnicas elaboradas, como compressor no modelo Speed de 1930, câmbio de oito marchas (três anos mais tarde), freios com comando hidráulico e o potente motor de 4,5 litros e seis cilindros do M45R Rapide, carro que alcançava 160 km/h em 1935. Com a participação de W.O. Bentley, que havia deixado a Rolls-Royce, a empresa desenvolvia um vigoroso V12 de 4,5 litros e 180 cv para um modelo apresentado em 1938, que levava o nome de Rapide.

 

 

 
As linhas elegantes da carroceria de alumínio do Rapide contrastavam com
os estranhos quatro faróis; na última foto, o modelo Rapide V12 de 1938

 

Esse Rapide, porém, teve a vida abreviada pela Segunda Guerra Mundial e foram fabricados 189 carros até 1940. Após o conflito, a Lagonda passava em 1947 ao controle de David Brown, que a instalou em Feltham, Middlesex, junto da também adquirida Aston Martin. Um novo modelo de 2,6 litros (depois ampliado a 3,0) foi feito de 1948 a 1958, ano em que muitos acreditavam que a marca seria extinta, mas no Salão de Paris de 1961 surgia no mercado um novo Lagonda Rapide.

 

O Rapide usava um motor de seis cilindros e
4,0 litros com duplo comando e 236 cv,
que permitia velocidade máxima de 210 km/h

 

O sedã de 4,78 metros de comprimento e 2,78 m de distância entre eixos impressionava bem pelas linhas elegantes, com três volumes equilibrados e uma grade que lembrava a “ferradura” da Bugatti ou a de “duplo rim” usada na época pela BMW. Algo controversos eram os quatro faróis, sendo os externos maiores. A carroceria era feita de alumínio pela Carrozzeria Touring, de Milão, Itália, com base em um chassi tubular de aço ampliado a partir do que servia ao esportivo Aston Martin DB4. Apesar da técnica Superleggera (superleve), o carro pesava expressivos 1.715 kg.

O Rapide era considerado um desejo pessoal de David Brown, que assinava o catálogo do modelo com a frase: “Era uma antiga ambição construir um carro que fosse igualmente apropriado para se conduzir ou ser conduzido”. O interior sofisticado usava bancos revestidos de couro, carpetes Wilton e painel de madeira com seis instrumentos em quatro módulos, o mesmo do DB4. Entre as comodidades estavam controle elétrico de vidros, mesas dobráveis de madeira junto aos encostos dianteiros e apoio de braço central traseiro. Ar-condicionado, rádio Motorola com antena elétrica e volante do lado esquerdo, em vez do direito que é padrão britânico, estavam entre as opções. Sua produção dava-se sob encomenda.

 

 

 
No interior luxuoso, bancos de couro e painel de madeira; sob o capô, o motor de
seis cilindros e 4,0 litros que a Aston Martin passaria a usar apenas no DB5

 

Ao contrário do antepassado de motor V12, o novo Rapide usava um motor de seis cilindros em linha e 4,0 litros, derivado do 3,7-litros do DB4, que seria compartilhado com a Aston Martin apenas no posterior DB5 — famoso pelo uso pelo agente secreto James Bond. Com duplo comando de válvulas em cada cabeçote e dois carburadores, fornecia potência de 236 cv e torque de 40 m.kgf, o que permitia acelerar de 0 a 100 km/h em cerca de 10 segundos e alcançar a velocidade máxima de 210 km/h.

 

 

Apesar da maior cilindrada, ele obtinha 4 cv a menos que o do DB4 a fim de favorecer o torque em baixas e médias rotações. Consta que alguns carros do período final tenham saído da fábrica com três carburadores, como no DB5, o que traria 24 cv adicionais. A caixa de câmbio mais comum era a automática Borg Warner de três marchas, com alavanca na coluna de direção, embora alguns carros tenham recebido a manual de quatro marchas.

Requintes técnicos para seu tempo eram os freios a disco nas quatro rodas, com assistência e duplo circuito, e a suspensão traseira De Dion, inédita em modelos de rua da Aston Martin (fora usada até então apenas em carros de corrida, incluindo um Fórmula 1 de 1959) e que empregava barras de torção transversais em vez de molas helicoidais. A dianteira era independente por braços sobrepostos, como no DB4, mas recalibrada para maior conforto. Havia um tanque de combustível em cada para-lama traseiro, com entrada única, e os pneus diagonais tinham a medida 7,10-15. De acordo com a fábrica, a distribuição de peso entre os eixos ficava em ideais 50%-50%.

 

 
Depois do Lagonda de 1974 (à esquerda) a Aston Martin fez outro entre 1976
e 1990; abaixo, os conceitos Lagonda Vignale de 1994 e Lagonda de 2009

 

 

Com preço para poucos — compatível com o de modelos Bentley e Rolls-Royce —, o Rapide teve apenas 55 exemplares fabricados até 1964, cinco deles com volante à esquerda. Um deles foi convertido em uma refinada perua (shooting brake, diriam os ingleses) pela Carrosserie Company Ltd., de Barnard Castle, Inglaterra, que teria seguido o projeto original da fábrica, arquivado por inviabilidade comercial e mais tarde oferecido no Ebay. Como se espera de um modelo com tão reduzida produção, hoje exemplares em ótimo estado alcançam valores elevados, como as 147.100 libras esterlinas (cerca de R$ 600 mil atuais) que o sedã azul de 1963 desta página obteve em leilão da Bonhams, no ano passado.

Depois do Rapide, o nome Lagonda manteve-se fora do mercado por nove anos até reaparecer em 1974 em um sedã quatro-portas com motor V8, feito por apenas dois anos. Em 1976 surgia o mais famoso Aston Martin Lagonda, com linhas retas e o motor V8 de 5,3 litros e 280 cv dos esportivos ingleses, oferecido ao mercado por 13 anos.

No Salão de Turim de 1994 a Aston revelava o conceito Lagonda Vignale, com formas arredondadas e motor V12 de 400 cv, que não chegou à produção. Levaria mais 15 anos para uma nova tentativa ser feita por meio do utilitário esporte de luxo Lagonda, que usava motor V12 e comemorava o centenário da marca. Embora a Aston visse no mercado de SUVs a opção ideal para retomar o nome, foi com outro sedã de linhas imponentes que o logotipo Lagonda enfim ressurgiu no mercado de luxo, ainda que fora da Europa.

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