Mercedes 190 SL, o “patinho feio” da linha esportiva

Mercedes 190 SL

 

Bem-construído e atraente, o conversível viveu à sombra do
300 SL de “asas de gaivota” e seu potente motor de seis cilindros

Texto: Fabrício Samahá – Fotos: divulgação

 

Qual a família na qual um dos irmãos não se destaca sobre o outro, os ou outros, em algum aspecto e acaba recebendo mais atenção das pessoas com que eles convivem? Com os automóveis isso também pode acontecer — e foi o caso do Mercedes-Benz 190 SL, o conversível apresentado pela marca da estrela de três pontas em 1954.

Na época, as atenções dos entusiastas por modelos esporte estavam voltadas ao 300 SL, o belíssimo cupê com portas abertas para cima (“asas de gaivota”) e soluções técnicas derivadas do carro de competição 300 SLR, como o chassi tubular. O 300 SL seria suplantado por sua versão conversível em 1957, mas antes dela a Mercedes ofereceu outro modelo aberto com motor menos potente e construção mais simples, o 190 SL.

Assim como o irmão maior e mais prestigiado, esse modelo teve como “pai” o importador de automóveis Max Hoffman, sediado em Nova York, nos Estados Unidos, que reivindicava da Mercedes dois modelos esportivos para rejuvenescer a imagem conservadora da marca. Hoffman queria aproveitar a fama conquistada pelo 300 SL de competição, na prova Carrera Panamericana de 1952, para vender Mercedes a um público menos interessado em conforto e solidez e mais em estilo e desempenho.

 

 
Um protótipo do 190 SL, exposto no Salão de Nova York de 1954, e o
modelo de produção: capô e para-lamas traseiros estão entre as diferenças

 

Para atendê-lo, os alemães passaram a trabalhar em dois projetos distintos: o cupê 300 SL, com chassi tubular inspirado no dos carros de pista e motor de seis cilindros em linha, e o conversível 190 SL, com a carroceria montada sobre o chassi de um pacato sedã — o “Ponton” ou série W120, lançado em 1953 — e motor de quatro cilindros. No Salão de Nova York, em fevereiro de 1954, um protótipo de cada modelo era revelado ao público. Causaram sensação.

 

Como o 300 SL, ele teve como “pai” o
importador Max Hoffman, que reivindicava
esportivos para rejuvenescer a imagem da marca

 

Como seu projeto estava mais avançado, o 300 SL pôde chegar ao mercado já em agosto seguinte. O 190 SL exigiu mais tempo de maturação, pois a Mercedes preferiu redesenhar grade, para-choques e painel, remover a tomada de ar do capô e aplicar aos para-lamas traseiros o mesmo vinco e forma de sobrancelha do dianteiro — o 300 SL tinha ambos desde o estilo inicial. Feitos os acertos, o irmão menor estava pronto para ser reapresentado no Salão de Genebra em março de 1955, com produção iniciada dois meses depois na mesma fábrica de Sindelfingen que fazia o 300 SL.

Era um belo carro — só que ofuscado por um irmão ainda mais elegante e imponente. Embora os estilos se parecessem bastante, o 190 SL era mais modesto nas proporções e mais simples em elementos como o capô, com um ressalto central único em vez de dois, e os para-lamas dianteiros, que não traziam as charmosas saídas de ar do cupê. Claro, foi preciso abrir mão das “asas de gaivota”, mas o mesmo valeria para o 300 SL conversível lançado mais tarde — para alívio de muitos compradores, incomodados com a ginástica necessária a cada entrada e saída do cupê.

 

 
Embora sem o charme das “asas de gaivota” ou o desempenho dos seis
cilindros, 
o 190 SL foi bem recebido pela imprensa e obteve relativo sucesso

 

Suas medidas eram de 4,29 metros de comprimento, 1,74 m de largura e 2,40 m de distância entre eixos. A carroceria de aço era complementada por portas, suas soleiras, capô e tampa do porta-malas em alumínio, que contribuíam para o baixo peso de 1.180 kg. Também por dentro o 190 SL era parecido ao 300 SL. Embora diferenciados, o painel mantinha o velocímetro e o conta-giros em destaque e o grande volante trazia um aro para acionar a buzina. A alavanca de câmbio vinha no assoalho, entre os dois únicos bancos individuais, embora um assento transversal para uso temporário pudesse ser montado atrás deles.

A capota macia ficava recolhida atrás dos ocupantes, protegida por uma capa, e havia opção por um teto rígido na cor do carro (de início com vidro traseiro plano; de 1960 em diante com um envolvente, para melhor visibilidade). Outras alternativas eram o revestimento dos bancos em couro natural em vez do sintético MB-Tex, rádio, aquecimento, pneus com faixa branca, faróis de neblina e malas de viagem sob medida para o carro.

Além da construção do chassi, o 190 SL era mais modesto que o 300 SL sob o capô, onde trazia o primeiro motor de quatro cilindros com comando de válvulas no cabeçote da Mercedes. A unidade de 1,9 litro, montada em posição vertical (não foi preciso incliná-la como no 300 SL), usava dois carburadores e desenvolvia potência de 105 cv e torque de 14,5 m.kgf. Com tamanha diferença para os 215 cv do irmão de seis cilindros, o desempenho só poderia ser modesto em comparação, com aceleração de 0 a 100 km/h em cerca de 14 segundos e velocidade máxima de menos de 170 km/h.

 

 
Com 105 cv para quase 1,2 tonelada, sua aceleração não entusiasmava, mas
o conversível foi elogiado pelo conforto, praticidade e qualidade de fabricação

 

O assoalho do conversível seria compartilhado com o sedã 190 da série “Ponton”, lançado em 1956 — por isso a denominação interna W121 B II do SL, que indicava uma variação do projeto do sedã W121 —, enquanto o motor seria aproveitado no modelo de quatro portas com a alteração para um único carburador. Motor, câmbio (manual de quatro marchas) e suspensão dianteira vinham montados em um subchassi removível. A tração era traseira e a suspensão posterior, independente, seguia o conceito de semieixos oscilantes do 300 SL. Freios a tambor, padrão na época, paravam as rodas com pneus 6,40-13.

 

 

Apesar de comedido em comparação ao 300 SL, o 190 SL foi bem recebido pela imprensa. Nos EUA, o teste da revista Road & Track  descreveu: “Dirigido vigorosamente marcha após marcha, ele acorda e se mexe, sendo difícil pensar que seja um quatro-cilindros. Em rodovias, manter 130 km/h é extremamente confortável e bem dentro das capacidades do carro”. O maior destaque do modelo, entretanto, era “sem dúvida a qualidade de construção e de acabamento: ele transmite uma forte sensação de solidez”.

O ADAC (Allgemeiner Deutscher Automobil-Club e.V.), maior automóvel-clube alemão e europeu, também o aprovou: “A conveniência e o aproveitamento de espaço para um carro de turismo, um nível particular de segurança ao dirigir, consumo de combustível de um carro de turismo mediano, com a elegância de linhas sofisticadas e elevado equipamento”. No mesmo país, a revista Auto Motor und Sport  explicou que “a reputação do 190 SL não vem apenas de sua aparência elegante, mas também de sua robustez, confiabilidade e do comportamento dinâmico preciso. Segurança, estabilidade e desempenho são à prova de falhas e o acabamento é excelente”.

 

 
O 190 SL tinha comando de válvulas no cabeçote e suspensão traseira
independente; o teto rígido ganhava vidro traseiro envolvente para 1960

 

Pouco foi modificado na aparência do 190 SL durante sua produção, além da mudança citada no vidro da capota rígida, embora a Mercedes tenha feito numerosos pequenos ajustes. Eles incluíram adoção de eixo traseiro mais curto para privilegiar as acelerações (1955) e de freios servoassistidos, aumento das lanternas traseiras (1956), motor revisto e instalação de pontos de ancoragem para cintos de segurança (1961).

Cerca de 26 mil unidades do 190 SL foram produzidas até 1962 (10 mil exportadas aos EUA), quando a Mercedes preparou sua substituição pelo SL “Pagoda”, assim conhecido pelo teto côncavo, inspirado nas construções asiáticas de mesmo nome. Terminava ali o único período no qual a marca ofereceu carros diferentes em concepção com a mesma denominação SL — só com o lançamento do SLK, em 1996, voltariam a coexistir dois conversíveis esporte na linha Mercedes.

Embora tenha feito o papel de “patinho feio” durante sua produção, convivendo com um modelo mais charmoso e prestigiado, o 190 SL ganhou adeptos como carro de coleção e hoje recebe o devido respeito. O patinho acabou encontrando-se como um bonito cisne.

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