Um roadster espartano como o Corvette de primeira geração, equipado com um motorzinho desses, ainda é — quase 50 anos depois — uma aventura para os bravos apenas. Muitos, acostumados com carros modernos, ficariam espantados com a excelência do motor em flexibilidade, suavidade e potência. E o desenvolvimento não parou: em 1960 o 283 injetado já oferecia 310 cv. Os Corvettes se consolidavam como a melhor vitrine para os fantásticos small-block, posto que ocupam até hoje.

No belo Corvette StingRay de 1963, a segunda geração do carro, surgia o small-block de 327 pol3, ganho importante em cilindrada

Com a segunda geração, os famosos StingRay, lançados em no fim de 1962, veio também o 327 (5.359 cm³), um salto considerável em deslocamento para o motor. Avanços nas técnicas de fundição com paredes finas permitiram um aumento do diâmetro para 101,6 mm (4 pol), complementado por um aumento de curso para 82,5 mm. Mantinha-se, portanto, superquadrado. Desta segunda geração em diante, o "único carro esporte americano" podia ser equipado também com os enormes V8 big-block, de bloco grande, mas eles prejudicavam o equilíbrio do StingRay, que era fantástico com o small-block.

A versão com injeção, agora com 327 pol³ e 375 cv, suspensão independente nas quatro rodas e uma leve e belíssima carroceria de plástico, é coisa de sonho: os Beach Boys imortalizaram-no descrevendo um eletrizante duelo de arrancada com um Dodge 413 (6.768 cm³, motor Wedge de bloco grande, 410 cv) em sua famosa música Put it up or shut it up.
Continua

O chassi do StingRay com o motor de 5,35 litros: até 375 cv  na versão a injeção, transmitidos a um notável conjunto com suspensão traseira independente
Pensando alto
Um simples memorando interno (o ancestral do e-mail, para os mais jovens) de um engenheiro pode mudar o rumo de um empresa.

Zora Arkus-Duntov era um russo de nome estranhíssimo, que construiu fama na subcultura de preparação de veículos na Califórnia do pós-guerra. Sua maior criação, antes de assumir o posto de engenheiro chefe do Corvette, foi o famoso cabeçote Ardun (ARkus-DUNtov), que podia ser montado em motores Ford V8 cabeça-chata. Transformava-os não só em motores com válvulas no cabeçote, mas com válvulas engenhosamente dispostas em posição simétrica num corte transversal da câmara, fazendo uma câmara de combustão hemisférica. É impossível não ver a influência deste motor "de fundo de quintal" no famoso Hemi da Chrysler. Inclusive, nosso Simca Emi-Sul era praticamente uma cópia do Ardun, derivado que era o V8 franco-brasileiro de uma versão menor do Ford cabeça-chata.

Conhecendo as ruas americanas muito bem, Zora andava preocupado com os rumos futuros da empresa que o contratou. O que ele fez a respeito? Apenas apresentou sua visão sobre o assunto, de forma clara e honesta, a seu superior imediato. Este desabafo escrito tomou proporções de lenda entre os chevymaníacos desde então. Ler este manifesto, hoje, é imaginar como a GM tinha sorte de ter uma pessoa tão eficaz em analisar o presente, prever o futuro e bolar uma saída quanto Duntov.
Vamos a ele, na íntegra, então:

"Pensamentos acerca de juventude, hot-rodders e Chevrolet

O movimento hot rod e o interesse em assuntos relacionados com a preparação e a velocidade ainda continua a crescer. Uma indicação clara: as publicações devotadas aos hot rods e preparação, meia dúzia delas com uma circulação enorme e distribuição nacional, não existiam seis anos atrás.

Da capa à contracapa, elas estão cheias de Fords. Não é surpresa, então, que a maioria dos hot-rodders está comendo, dormindo e sonhando com Fords modificados. Eles conhecem as peças Ford de cima a baixo, melhor do que as pessoas da própria Ford. Um jovem, comprando uma revista pela primeira vez, imediatamente é introduzido à Ford. É razoável presumir que, quando os hot-rodders e pessoas influenciadas pelo movimento compram transporte, eles compram Ford. Eles progridem de velhos carros para Fords de segunda-mão, e finalmente Fords novos.

Devemos considerar, então, se seria desejável fazer esses jovens pensar em Chevrolet. Eu sinceramente acho que estamos em posição de fazer uma tentativa de sucesso. Existem, porém, vários fatores que podem nos atrapalhar: 1) lealdade e experiência com Fords; 2) a indústria de preparação está pronta para os Fords; 3) números: milhares estão e continuarão a
trabalhar em Fords de competição; 4) o lançamento do motor Ford V8 de válvulas no cabeçote.

Quando nossa linha de V8 superior em qualidade apareceu [Cadillac e Oldsmobile], houve poucas tentativas de desenvolvê-los, e nenhuma com sucesso. A aparição do V8 Chrysler também encontrou relutância, apesar do sucesso dos Ardun-Fords condicioná-los a aceitar o Firepower [Hemi]. Este ano é o primeiro em que desenvolvimentos isolados de Chryslers tiveram sucesso. Os recordes de Bonneville se dividiram entre Ardun-Fords e Chryslers.

Como todo mundo, os hot-rodders são atraídos por novidades. Mas experiências amargas os ensinaram que desenvolvimento é caro e demora muito tempo, e portanto eles são conservadores ao extremo. Pela minha experiência, demora cerca de três anos para os hot-rodders finalmente chegarem a um desenvolvimento de sucesso de um novo motor. O novo Ford V8 estará neste estágio entre 1956 e 1957.

O potencial de nosso RPO V8 [Regular Production Option, opcional normal de produção] é extremamente alto, mas deixar as coisas seguirem o seu ritmo natural vai nos colocar um ano atrás — e então poucos tentarão desenvolver os Chevrolets. Uma maneira de acabar com este problema é a oferta de peças de preparação prontas já no lançamento, desenvolvidas pela própria Chevrolet.

Se o uso do motor Chevrolet se tornar fácil, e as primeiras tentativas tiverem sucesso, o apelo do RPO V8 será mantido; ele não ganhará o estigma de alto preço, como os da Cadillac e da Chrysler; e o balanço do pêndulo para o nosso lado pode ser antecipado. Isto significa o desenvolvimento de uma linha de peças especiais: comandos, válvulas, molas, coletores, pistões e outros. E estas peças devem estar disponíveis ao público.

Agora, se estas peças puderem ser oferecidas como RPO no Corvette, e a existência do Corvette nos dá esta chance, estas peças serão reconhecidas pelos hot-rodders como as que eles precisam para preparar seus Chevrolets. E já que não podemos proibir os hot-rodders de competir com os Chevrolets e o Corvette, vamos ajudá-los então a fazer um bom trabalho!

Para se sair bem nesta área, as peças RPO não devem se limitar ao motor, mas devem chegar a componentes de chassis também. O uso de metais leves e desenvolvimentos na área de freios já estão na agenda do Departamento de Pesquisa e Desenvolvimento.

Esses pensamentos são oferecidos pelo que são: um homem pensando alto sobre o assunto."

Z. Arkus Duntov, 16 de dezembro de 1953

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