Primeiro ato   O carro exposto no salão não era o mesmo mostrado à imprensa, dias antes, em clima de peça de teatro. No lugar do modelo vermelho a Alfa apresentava um Giulietta azul Capri. A cor diferente não seria problema, não fosse a ausência da tampa do porta-malas e da tampa do bocal de abastecimento. Com cara de desleixada improvisação, a unidade do salão desperdiçou a chance de multiplicar a boa impressão inicial. Felizmente, isso nem de longe arranharia a trajetória do carro: mais de 700 encomendas foram feitas durante o evento.

Ghia e Bertone dividiam o trabalho de desenhar esse charmoso Alfa Romeo, até que Nuccio Bertone assumiu o controle dos estudos -- e fez um brilhante trabalho

Além da origem do nome, é controversa também a autoria do desenho do pequeno Alfa. É fato que a carroceria do Giulietta levava a assinatura da Carrozzeria Bertone, mas não foi o talento de somente um estilista que deu brilho ao projeto. Inicialmente, Giuseppe Scarnati, um projetista da Alfa Romeo, elaborou a concepção geral do carro junto a um grupo comandado pelo engenheiro Orazio Satta Puliga, no fim de 1951. Entre aquele ano e 1953, Scarnati produziu o primeiro protótipo no departamento de carrocerias especiais.

O diretor geral da Alfa na época, Francesco Quaroni, esperava um algo mais do resultado. Para isso convocou Mario Boano, da Ghia, e Franco Scaglione, da Bertone. Os dois teriam trabalhado sobre o primeiro protótipo, até que Boano deixou o projeto para fazer parte do recém-inaugurado Centro de Estilo da Fiat. Foi então que entrou em cena Nuccio Bertone, filho do fundador do estúdio Bertone, Giovanni.

No interior do Giulietta, fartos opcionais, do revestimento em couro dos bancos ao volante de madeira, passando por um jogo de malas com alças

Nuccio perguntou a Quaroni se poderia prosseguir com o desenvolvimento do projeto por conta própria de seu estúdio. Foi o que ele conseguiu para, então, Scaglione utilizar o Alfa 1900 Sprint 1951 e o Super Sprint de 1954 como modelos. Este último destacou-se por ser o mais veloz automóvel com motor de 2,0 litros da época, com máxima de 190 km/h. Bertone fez questão de manter as características mais fortes do 1900: a boca simbolizada pela grade central e o bigode que as duas grades inferiores representavam. Eram ícones do pedigree esportivo da Alfa Romeo.

Nos bastidores do espetáculo   Por dentro, o painel de aço era completo, incluindo conta-giros e medidores de pressão e de temperatura do óleo. Os opcionais eram inusitados. Revestimento em imitação de couro no painel e de couro legítimo nos bancos eram usuais, mas ainda havia um jogo de malas com alças, para ser atadas a um dos bancos traseiros ou a ambos. Um assento ao estilo de um divã também estava disponível para a parte de trás. Rádio, defletor lateral de ar, volante de três raios em alumínio com aro de madeira e faróis de neblina eram outros itens do catálogo. Ao escolher um ou mais opcionais, o proprietário ganhava um anel cromado no logotipo da marca na tampa do porta-malas. Continua

Nas telas
Apesar de suas raízes teatrais, de vez em quando o Giulietta também dá o ar da graça nas telas da sétima arte — de preferência no cinema francês. Não há muitos registros, mas é razoável supor que nas produções de Cinecittá ele também tenha figurado mais de uma vez. Entretanto, sabe-se que o filme O desprezo (Le Mépris), do aclamado diretor franco-suíço Jean-Luc Godard, mostra Michel Piccoli, o mito Brigitte Bardot e Jack Palance envolvidos numa releitura cinematográfica da Odisséia de Homero, tendo a sempre charmosa participação de um Spider. O franco-italiano Gângsters de casaca (Melodie en sous-sol, de Henri Verneuil, 1963) tinha no elenco Alain Delon e um Giulietta Sprint.

Em 1965, o francês As coisas da vida (Les choses de la vie), de Claude Sautet, trazia a lindíssima Romy Schneider e Michel Piccoli, que bate e capota com seu Sprint para então reviver alguns episódios de sua vida. A cena do carro capotando com Piccoli sendo visto, em câmera lenta, jogado de um lado para o outro (não havia cintos ainda), cigarros caindo do maço, é antológica. No italiano Banditi a Roma (1968), de Alberto De Martino e com John Cassavetes, um Giulietta Sprint branco é perseguido por Alfas Giulia e um raro Ferrari 250 GTE de polícia.

Em Viaggio con Anita, dirigido por Mario Monicelli em 1979, Goldie Hawn contracena com Giancarlo Giannini e pode-se ver um Giulietta em cena. La 7ème cible, filme policial francês de Claude Pinoteau rodado em 1984, conta com um Sprint. No mesmo ano o também francês Feliz Páscoa (Joyeuses Pâques), de Georges Lautner, estrelando Sophie Marceau e Jean-Paul Belmondo, também exibe um Giulietta.

Patrice Leconte dirigiu o francês Une chance sur deux em 1999, filme estrelado pela bela cantora Vanessa Paradis e também os monstros sagrados do cinema Alain Delon e Jean-Paul Belmondo. Também de 1999 é o americano O talentoso Ripley (The Talented Mr. Ripley), de Anthony Minghella, com Matt Damon, Gwyneth Paltrow e Jude Law. Numa cena, o sortudo Philip Seymour Hoffman pula de dentro de um Spider vermelho para encontrar o amigo interpretado por Law. A ambientação da Itália em seu auge no século 20 é perfeita para se entender o quanto o Giulietta simbolizava a prosperidade e o charme daquele momento.

Um Alfa no jet set
A imagem de prosperidade da Itália no final dos anos 50 e início dos 60 ficava evidente nas grandes cidades do país. Esse apogeu econômico e cultural se refletia no charmoso estilo de vida cosmopolita italiano, que mesclava elegância e irreverência. O luxo, o status e a esportividade compacta do Giulietta traduziam esse espírito com exatidão.

Antes um símbolo de prestígio restrito à elite, a marca Alfa Romeo já era um sonho mais próximo, possível e compartilhado com muitos. Além de estrelar em vários filmes da época, o Giulietta também transportava estrelas de cinema longe das câmeras. Sophia Loren, Gina Lollobrigida, Vittorio Gassman, a americana Esther Williams e a inglesa Diana Dors estavam entre os fãs do modelo.

A reputação do Giulietta era tal que servia para dar mais credibilidade a outros produtos em comerciais de TV. Num deles, o festejado cantor Domenico Modugno gritava With API you flyyyyy! (com API você pode voaaar!), após abastecer seu Giulietta Spider e sair a toda a velocidade. Até o Rei Hussein da Jordânia apresentou os prêmios aos competidores de uma corrida especialmente organizada para o Giulietta Sprint na África, em 1956. Na Inglaterra e nos Estados Unidos eram criados clubes que congregavam admiradores da marca, mais uma prova de que o fenômeno Alfa Romeo ultrapassava as fronteiras da Itália para ganhar o mundo.

Carros do Passado - Página principal - Escreva-nos

© Copyright - Best Cars Web Site - Todos os direitos reservados - Política de privacidade