por
Fabrício Samahá - Edição n°. 157 - 23 de agosto de 2003 |
O
editorial de hoje será, com a devida permissão do autor, de um grande
jornalista: Carlos Alberto Di Franco, diretor do Master em Jornalismo
para Editores, professor de Ética Jornalística e representante da
Faculdade de Comunicação da Universidade de Navarra no Brasil.
É a transcrição integral de artigo publicado em O Estado de S. Paulo de
18/8. Embora trate especificamente dos jornais e da concorrência
imposta pela televisão e pela internet
―
chega a falar numa previsão
de Bill Gates
―, o texto encerra justamente os pontos
editoriais que norteiam o BCWS desde sua concepção e criação, há
praticamente seis anos. Por isso achei que valeria a pena reproduzi-lo
aqui.
"Acreditar nos jornais
A melhor arma do jornal para se adaptar às novas tecnologias digitais é
a qualidade do seu conteúdo. Há poucos anos, falando do alto da tribuna
da Associação Mundial de Jornais, Bill Gates fez um exercício de
premonição. O dono da Microsoft previu que no ano 2000 não haveria mais
jornais impressos.
Hoje, ao contrário da sombria profecia de Gates, os diários continuam
vivos.
Impõe-se, no entanto, um salto de qualidade, uma autêntica reinvenção.
Foi disso que se falou no 4.º Congresso Brasileiro de Jornais, promovido
pela Associação Nacional de Jornais (ANJ). O encontro foi bastante
enriquecedor.
Gostaria, caro leitor, de sintetizar algumas das sadias inquietações que
compartilhei com inúmeros colegas.
Os diários, não obstante a grave crise do setor, têm conseguido
preservar seu maior capital: a credibilidade. A confiança da população
na qualidade ética dos seus jornais tem sido um inestimável apoio para o
desenvolvimento de um verdadeiro jornalismo de buldogues. O combate à
corrupção e o enquadramento de históricos caciques da política nacional,
apeados do poder e sem o respaldo de antigas impunidades, só foi
possível graças à força do binômio que sustenta a democracia: imprensa
livre e opinião pública informada.
Os jornais brasileiros têm cumprido um papel singular. Transformaram-se,
de fato, numa instância decisiva de uma sociedade abandonada por muitas
de suas autoridades. O Brasil, graças também à qualidade dos seus
jornais, está experimentando uma profunda mudança cultural. A corrupção,
infelizmente, sempre existirá. Faz parte da natureza humana. Mas uma
coisa é a miséria do homem; outra, totalmente diferente, é a indústria
da negociata e a certeza da impunidade. Estas, sem dúvida, devem e podem
ser combatidas com os instrumentos de uma sociedade civilizada. A
transparência informativa é o elemento essencial na renovação dos nossos
costumes políticos.
Mas o cidadão que confia na integridade dos jornais é o mesmo que nos
envia alguns recados: quer menos frivolidade e mais profundidade.
Tradicionalmente forte no tratamento da informação, alguns diários têm
sucumbido às regras ditadas pelo mundo do entretenimento. Ao atribuírem
à televisão a responsabilidade pelo emagrecimento de suas carteiras de
leitores, partiram, num erro estratégico, para um perigoso empenho de
imitação. Acabamos, freqüentemente, imobilizados por uma falácia. A
força da imagem, indiscutível e evidente, gerou um perverso complexo de
inferioridade em algumas redações. Perdemos a coragem de sonhar e a
capacidade de investir em pautas criativas. É hora de proceder às
oportunas retificações de rumo.
A revalorização da reportagem e o revigoramento do jornalismo analítico
devem estar entre as prioridades estratégicas. É preciso atiçar o leitor
com matérias que rompam a monotonia do jornalismo de registro. Menos
aspas e mais apuração. O leitor quer menos show e mais informação de
qualidade. O sensacionalismo, embora festejado num primeiro momento, não
passa pelo crivo de uma visão retrospectiva. Curiosidade não se confunde
com aprovação. O prestígio de uma publicação não é fruto do acaso. É uma
conquista diária. A credibilidade não se constrói com descargas de
adrenalina.
O leitor não quer receber o noticiário do telejornal da véspera. Quer
análise, interpretação, explicação. Quer, no fundo, algo que sirva para
a sua vida. O que vai conquistar novos leitores é uma ágil e moderna
prestação de serviços, é a matéria que ultrapassa a superficialidade
eletrônica, é a denúncia bem apurada, é o texto elegante e bem escrito.
Há muito espaço para o jornalismo impresso. Trata-se de ocupá-lo. Com
competência, ousadia, criatividade e, sobretudo, com ética. A percepção
do cidadão a respeito do papel do jornal é um inequívoco reconhecimento
do seu vigor editorial e da força da sua credibilidade. Isso é bom. Mas
não pode se esgotar num mero reforço da auto-estima. Deve, sim, ser um
ponto de partida.
Não podemos deixar a peteca cair. O Brasil depende, e muito, da
qualidade técnica e ética dos seus jornais."
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