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A novela dos cursos

Enquanto o Denatran faz uma grande confusão sobre as regras para
renovação da CNH, assuntos relevantes continuam em espera

por Fabrício Samahá

Fabrício Samahá, editor

O ainda quente imbróglio na questão dos cursos de direção defensiva e primeiros socorros mostra que o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) não está cumprindo seu papel, como se espera do órgão máximo que rege a matéria no País. Baixar uma resolução, que por si só se reveste de alguma coisa que resultou de muito estudo, e depois dizer que não é bem assim decepciona e preocupa. Evidencia-se o descontrole e a falta de preparo.

Para quem não acompanhou o desenrolar dos fatos, a imprensa veiculou nesta quarta-feira (19) a declaração do diretor do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), Aílton Brasiliense Pires, de que os cursos não mais seriam necessários para a renovação da Carteira Nacional de Habilitação. Bastaria ao candidato ser aprovado em uma prova teórica, tendo ou não estudado a distância — o que seria, a meu ver, uma ótima medida.

No mesmo dia, porém, o diretor contestou a notícia, manteve a obrigatoriedade dos cursos e admitiu ter cometido "uma gafe" na véspera. Foi tragicômico vê-lo na TV tentando dar explicações, falando de "interpretação errônea" da resolução que trata do assunto, a 168/04. Uma confusão como essa desorienta todos os envolvidos no processo, de cidadãos motoristas a Centros de Formação de Condutores. Positivamente, isso não faz nada bem a um sistema de trânsito já conturbado, num país com elevados índices de acidentes viários.

Aparentemente, as autoridades nada aprenderam com a palhaçada de 1998, quando kit de primeiros socorros, encostos de cabeça no banco traseiro e cintos de três pontos tornaram-se obrigatórios para todos os carros em circulação, mas as exigências foram logo revogadas. Além da compra apressada de kits de péssima qualidade, só para cumprir a legislação, viam-se absurdos — as conhecidas "gambiarras" — para instalar cintos e encostos, sem o menor critério de segurança. Tudo jogado no ralo em pouco tempo, não antes de gerar boa despesa aos proprietários de veículos e alto faturamento aos fabricantes dos produtos.

Causa espécie também o fato de o presidente do Contran acumular a função de diretor do Denatran. Como seria inadmissível o ministro da Fazenda ser também o presidente do Banco Central. Não dá para alguém desempenhar os dois papéis, uma vez que o Contran é normativo (legislativo) e o Denatran, executivo. São conflitantes.

A resolução em si tem causado grande polêmica. Há quem aprove os cursos, como o colunista do BCWS Bob Sharp (leia coluna), e quem os considere mais um dispêndio de tempo e de dinheiro — ambos escassos para quase todos nós hoje — sem a perspectiva de resultados concretos. Incluo-me no segundo caso, com base no fracasso que sempre foi a formação de motoristas no Brasil, por maiores os esforços da lei.

Basta observar o comportamento dos jovens habilitados já dentro das novas regras, introduzidas pelo Código de Trânsito Brasileiro (CTB) em 1998. A não ser por um cuidado especial em evitar multas durante o período de permissão provisória, que pode ser comprometida se pegos em infração grave (ou em reincidência de infração média), eles dirigem tão bem — ou tão mal — quanto os formados em períodos anteriores.

Trânsito nas sociedades modernas reveste-se de capital importância e tem de ser tratado com seriedade. É inadmissível, por exemplo, que o CTB tenha levado cinco anos para ser compilado, discutido e aprovado, e que tenham sido necessárias 168 resoluções do Contran — praticamente metade do número de artigos do Código — para esclarecer e regulamentar os mais diversos pontos.

E, depois de tantas emendas, ainda há muito a ser definido. A urgente inspeção dos veículos em circulação às vezes parece que nunca será implantada. Outro assunto que há tempos adormece nas mesas do Contran é a proibição do uso de engate protuberante sem o acoplamento de reboque, como se vê todo dia e o dia todo em qualquer cidade brasileira.

Enquanto isso, assuntos sem a menor importância ganham prioridade, a exemplo das novas normas para extintores de incêndio. Ora, esse equipamento não é exigido por mais que uma meia dúzia de países no mundo, todos subdesenvolvidos (ah, sim: "emergentes"). Será que não estamos tapando o sol com a peneira, ou seja, equipando-nos para apagar o fogo gerado em veículos malcuidados, em vez de exigir de seus proprietários manutenção correta?

Mais competência e menos erros das autoridades de trânsito brasileiras são o mínimo que se pode esperar.

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Data de publicação: 22/1/05

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