O ainda quente
imbróglio na questão dos cursos de direção defensiva e primeiros
socorros mostra que o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) não está
cumprindo seu papel, como se espera do órgão máximo que rege a matéria
no País. Baixar uma resolução, que por si só se reveste de alguma coisa
que resultou de muito estudo, e depois dizer que não é bem assim
decepciona e preocupa. Evidencia-se o descontrole e a falta de preparo.
Para quem não acompanhou o desenrolar dos fatos, a imprensa veiculou
nesta quarta-feira (19) a declaração do diretor do Departamento Nacional
de Trânsito (Denatran), Aílton Brasiliense Pires, de que os cursos não
mais seriam necessários para a renovação da Carteira Nacional de
Habilitação. Bastaria ao candidato ser aprovado em uma prova teórica,
tendo ou não estudado a distância — o que seria, a meu ver, uma ótima
medida.
No mesmo dia, porém, o diretor contestou a notícia, manteve a
obrigatoriedade dos cursos e admitiu ter cometido "uma gafe" na véspera.
Foi tragicômico vê-lo na TV tentando dar explicações, falando de
"interpretação errônea" da resolução que trata do assunto, a 168/04. Uma
confusão como essa desorienta todos os envolvidos no processo, de
cidadãos motoristas a Centros de Formação de Condutores. Positivamente,
isso não faz nada bem a um sistema de trânsito já conturbado, num país
com elevados índices de acidentes viários.
Aparentemente, as autoridades nada aprenderam com a palhaçada de 1998,
quando kit de primeiros socorros, encostos de cabeça no banco traseiro
e cintos de três pontos tornaram-se obrigatórios para todos os carros em
circulação, mas as exigências foram logo revogadas. Além da compra
apressada de kits de péssima qualidade, só para cumprir a legislação,
viam-se absurdos — as conhecidas "gambiarras" — para instalar cintos e
encostos, sem o menor critério de segurança. Tudo jogado no ralo em
pouco tempo, não antes de gerar boa despesa aos proprietários de
veículos e alto faturamento aos fabricantes dos produtos.
Causa espécie também o fato de o presidente do Contran acumular a função
de diretor do Denatran. Como seria inadmissível o ministro da Fazenda
ser também o presidente do Banco Central. Não dá para alguém desempenhar
os dois papéis, uma vez que o Contran é normativo (legislativo) e o
Denatran, executivo. São conflitantes.
A resolução em si tem causado grande polêmica. Há quem aprove os cursos,
como o colunista do BCWS Bob Sharp (leia
coluna), e quem os considere mais um dispêndio de tempo e de
dinheiro — ambos escassos para quase todos nós hoje — sem a perspectiva
de resultados concretos. Incluo-me no segundo caso, com base no fracasso
que sempre foi a formação de motoristas no Brasil, por maiores os
esforços da lei.
Basta observar o comportamento dos jovens habilitados já dentro das
novas regras, introduzidas pelo Código de Trânsito Brasileiro (CTB) em
1998. A não ser por um cuidado especial em evitar multas durante o
período de permissão provisória, que pode ser comprometida se pegos em
infração grave (ou em reincidência de infração média), eles dirigem tão
bem — ou tão mal — quanto os formados em períodos anteriores.
Trânsito nas sociedades modernas reveste-se de capital importância e tem
de ser tratado com seriedade. É inadmissível, por exemplo, que o CTB
tenha levado cinco anos para ser compilado, discutido e aprovado, e que
tenham sido necessárias 168 resoluções do Contran — praticamente metade
do número de artigos do Código — para esclarecer e regulamentar os mais
diversos pontos.
E, depois de tantas emendas, ainda há muito a ser definido. A urgente
inspeção dos veículos em circulação às vezes parece que nunca será
implantada. Outro assunto que há tempos adormece nas mesas do Contran é
a proibição do uso de engate protuberante sem o acoplamento de reboque,
como se vê todo dia e o dia todo em qualquer cidade brasileira.
Enquanto isso, assuntos sem a menor importância ganham prioridade, a
exemplo das novas normas para extintores de incêndio. Ora, esse
equipamento não é exigido por mais que uma meia dúzia de países no
mundo, todos subdesenvolvidos (ah, sim: "emergentes"). Será que não
estamos tapando o sol com a peneira, ou seja, equipando-nos para apagar
o fogo gerado em veículos malcuidados, em vez de exigir de seus
proprietários manutenção correta?
Mais competência e menos erros das autoridades de trânsito brasileiras
são
o mínimo que se pode esperar.
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