Na semana passada, a
caminho de São Paulo para Pindamonhangaba, tive uma má surpresa ao
tomar a via Dutra, ao final da Carvalho Pinto, já na região do Vale do
Paraíba. Apesar do cuidado habitual que tenho em acessos a rodovias,
percebi por uma buzinada intensa que devia ter fechado outro carro, um
Kadett, que trazia a bordo alguns tipos não muito simpáticos.
Eu não estava a menos de 100 km/h ao assumir a faixa da estrada (há
uma razoável pista marginal para aceleração) e o Kadett não aparecia
no retrovisor esquerdo biconvexo, de
ótimo campo visual, da Renault Scénic que eu dirigia. Talvez ele
viesse bem acima do limite de velocidade (110 km/h no caso); além
disso, já era quase noite e seus faróis estavam apagados. O fato é que
aquele motorista se irritou e passou a vir atrás da Scénic, de faróis
altos e tentando ultrapassar pela direita quando eu já estava na faixa
esquerda, mantendo o melhor ritmo que o tráfego da rodovia permitia.
Acabei me afastando do Kadett impondo uma velocidade que seu
motorista, por alguma razão, deixou de acompanhar.
O incidente, que felizmente terminou por ali sem maiores
conseqüências, me levou a trazer o tema a este Editorial. O que
presenciei foi uma pequena parte do que em inglês se tem chamado de
road rage, ou ira da estrada. As atitudes típicas de um motorista
acometido por esse problema começam em gestos e buzinadas excessivas,
passam por perseguições e fechadas e, em alguns casos, chegam à
violência física e ao uso de armas. E o que desperta essa ira muitas
vezes é algo banal e sem riscos à segurança — algo como a gota d'água
que faz transbordar a taça, que no caso é a paciência de alguém já
abalado por outros fatores.
E como prevenir esse tipo de situação? Uma vez que não é possível
conhecer o perfil psicológico de outros motoristas, saber se estão em
seu juízo normal ou se têm passado por estresse, algumas dicas podem
ajudar muito:
> Redobre a atenção em toda mudança de faixa (o que inclui sair de sua
pista para ultrapassar) de modo a ter certeza de não fechar outro
veículo. Sinalize sua intenção, olhe os retrovisores e procure ouvir o
tráfego abrindo parte do vidro. Esta é uma das causas mais comuns de
violência por motociclistas nos grandes centros, pois eles se deslocam
rápido pelos corredores entre os carros.
> Deixe livre, tanto quanto possível, a faixa ou as faixas da
esquerda. Rodar no limite de velocidade da via não autoriza ninguém a
ser dono da faixa, que só deve ser usada para ultrapassagem.
> Mantenha sempre velocidade compatível com o tráfego. Vêem-se muitos
motoristas lentos demais, seja passeando distraídos, seja falando ao
celular, seja por receio e inexperiência — tenho visto isso com grande
freqüência na descida de serra de Campos do Jordão, SP, onde esse tipo
de condutor gera longas filas e muita irritação. Se quiser ou precisar
andar devagar, mantenha a atenção: dê passagem e sinalize a quem vem
atrás para que ultrapasse se for o caso. Da mesma forma, não obstrua o
tráfego para conversar, pedir informação e coisas do gênero: faça-o
sempre fora da via.
> Na situação inversa, em que o motorista à frente é que está lento
demais, peça passagem com a seta esquerda ou piscando brevemente os
faróis altos (evite-os à noite, porém). Nada de "colar" no outro carro
ou exagerar nos faróis e na buzina. Se ultrapassar, faça-o com
tranqüilidade e não ofenda o motorista lento — até um olhar de
reprovação pode despertar a ira. Também não queira "punir" quem força
a ultrapassagem de vários veículos e acaba entrando à sua frente por
não a completar: em geral o motorista não quis incomodar ninguém ou
colocar a segurança dos outros em risco. E você não sabe as razões de
quem está dirigindo com pressa.
> Tenha paciência com condutores de veículos pesados. Um motorista de
caminhão não vai querer perder o embalo para evitar que você perca o
seu, pois a retomada dele é bem mais lenta. No caso de frenagem a
situação é pior, pois ela requer muito mais espaço que a de um carro:
fechar um caminhão é uma aposta em problemas.
> Seja cortês nos menores detalhes. Peça passagem; agradeça a quem lhe
facilita algo no trânsito; não dispute vagas de estacionamento; só use
faróis e luz traseira de neblina enquanto houver nevoeiro; deixe o
farol alto para as estradas desertas; apague os baixos se estiver
ofuscando quem está no sentido contrário, como ao parar em certos
cruzamentos e, sobretudo, se precisar estacionar no lado oposto da
via; não use adesivos cujas mensagens possam irritar outras pessoas.
> Peça desculpas se fizer algo errado. Um aceno ou leve buzinada pode
ser o bastante para encerrar a questão de maneira pacífica. E em
hipótese nenhuma responda a uma ofensa: a coincidência de humores é
muitas vezes o que estimula o motorista nervoso a persistir.
> Às autoridades, o colunista Bob Sharp deu ótimas sugestões em
coluna sobre o mesmo tema,
publicada há dois anos. Comandos policiais, manifestações, obras e
interrupções de tráfego em geral devem ser feitas com critério para
minimizar os prejuízos aos motoristas.
A ira da estrada não vai acabar com essas medidas, mas pode diminuir
bastante, um objetivo que interessa a todos. |