No sábado passado, dia
19, passei por uma experiência que me deu o que pensar. Estava
dirigindo um carro de teste por uma rua com certa circulação de
pedestres, crianças inclusive, e por isso rodava bem devagar, abaixo
de 20 km/h. Quando passava a algo como dois metros de uma calçada à
minha esquerda, fui surpreendido pelo alerta da passageira ao lado,
que disse algo como "olhe o garoto!". A reação de frear foi imediata
e, pela baixa velocidade, o carro parou imediatamente. O menino de uns
cinco anos, que a mãe ou (ir)responsável não segurava naquele momento,
vinha da calçada em nossa direção, pela esquerda.
Seja pela prudência de estar devagar, seja pela sorte de minha
passageira olhar na direção certa na hora certa, seja pela soma dos
fatores, tudo não passou de um susto — para nós e para o garoto, com
certeza. Mas algo me incomodou em particular: mesmo atento aos
pedestres ao redor, só pude ver o menino quando ele já estava à frente
do carro, visível pelo pára-brisa. Até então, para mim ele continuava
na calçada onde estava antes.
Distração? Óculos de laterais fechadas? Nada disso: o problema era o
carro em questão, uma Fiat Idea, cuja avaliação logo estará no BCWS.
Como poderia ser uma Chevrolet Meriva ou uma Citroën Xsara Picasso.
O que têm essas minivans com a situação de risco descrita? As colunas
dianteiras. O projeto da carroceria dos três modelos previu duas
colunas de cada lado da frente, com um vidro triangular no meio. Essa
duplicidade fez-se necessária porque o estilo definido pelos
fabricantes colocou o pára-brisa bem à frente, de modo que uma mesma
coluna não serviria como apoio desse vidro e recorte da porta
dianteira, como acontece em qualquer automóvel e também na primeira
das minivans compactas, a Renault Scénic (na Zafira, também da GM, a
coluna separa-se em duas na parte inferior com um pequeno vidro
triangular, solução intermediária que não compromete).
Se no lado direito as duas colunas não prejudicam tanto, pela posição
e distância em relação ao motorista, no esquerdo a situação é bastante
grave. De acordo com o biótipo do condutor e a posição em que ajusta
seu banco, as duas colunas esquerdas quase se fundem em um largo
bloco
(veja a foto tirada na Idea com a câmera junto ao rosto). Pronto: está
criado um enorme ponto cego, uma parede fixa ao lado do motorista,
pronta a esconder pedestres, condutores de veículos de duas rodas e,
com algum azar, até mesmo um carro que venha daquela direção a certa
distância.
O risco não aparece só em situações como a do garoto que atravessou à
minha frente, mas em toda condição em que a visão ligeiramente à
esquerda seja decisiva. Pode ser um cruzamento em rua estreita ou uma
curva para esse lado, por exemplo. Em estradas sinuosas de mão dupla,
costumo buscar apoio no vidro lateral esquerdo para ver se não há um
veículo em sentido contrário na mesma curva — que pode até ter
invadido minha faixa, exigindo pronta reação. E vidro lateral não tem
limpador para os dias chuvosos.
Esse problema não é novidade para quem acompanha o BCWS, pois
há anos o mencionamos nas avaliações de Picasso e Meriva, as primeiras
a trazer tamanho prejuízo à visibilidade. Algum tempo atrás,
conversando a respeito com um grupo de amigos, um deles sugeriu que se
tornassem as colunas translúcidas de alguma forma. A Volvo chegou a
apresentar em 2001 um carro-conceito, o
Safety Concept Car, em que as
colunas dianteiras eram vazadas por elementos triangulares, de modo a
diminuir o ponto cego. Cabe notar que era um hatch comum, com uma só
coluna de cada lado do pára-brisa — ou seja, a marca sueca buscava
aprimorar o que já estava dentro do padrão aceitável.
Aplicar tal recurso em uma minivan, porém, seria procurar a solução
para um problema que não precisa existir. O ponto cego das colunas
nunca representou grave risco até que, nos últimos 10 anos, muitos
novos carros passaram a ter o pára-brisa mais à frente e quase plano,
em nome do desenho arrojado. Sem a curvatura nas laterais do vidro,
foi preciso avançar as colunas, que então invadiram uma área preciosa
da visibilidade. O exato oposto da tendência da década de 1950, quando
os pára-brisas com laterais bem envolventes fizeram recuar as colunas,
para uma visão ampla e desimpedida.
Muito já discutimos neste site sobre vantagens e desvantagens das
minivans, mas esta representa um grave problema de segurança, que
nenhum comprador deve desprezar. Antes de se preocupar com as reações
do carro em uma situação de emergência — a chamada segurança ativa —
ou a proteção oferecida em caso de acidente — segurança passiva —,
cada consumidor deveria ter certeza de que o projeto do carro permite
boa visibilidade, sobretudo no campo à frente. Afinal, o que ninguém
deseja é dirigir como se tivesse as laterais dos olhos vendadas. |