De olhos vendados

O projeto infeliz das colunas da minivan quase provoca um
acidente, sinal de que um conceito precisa ser revisto

por Fabrício Samahá

Fabrício Samahá, editorNo sábado passado, dia 19, passei por uma experiência que me deu o que pensar. Estava dirigindo um carro de teste por uma rua com certa circulação de pedestres, crianças inclusive, e por isso rodava bem devagar, abaixo de 20 km/h. Quando passava a algo como dois metros de uma calçada à minha esquerda, fui surpreendido pelo alerta da passageira ao lado, que disse algo como "olhe o garoto!". A reação de frear foi imediata e, pela baixa velocidade, o carro parou imediatamente. O menino de uns cinco anos, que a mãe ou (ir)responsável não segurava naquele momento, vinha da calçada em nossa direção, pela esquerda.

Seja pela prudência de estar devagar, seja pela sorte de minha passageira olhar na direção certa na hora certa, seja pela soma dos fatores, tudo não passou de um susto — para nós e para o garoto, com certeza. Mas algo me incomodou em particular: mesmo atento aos pedestres ao redor, só pude ver o menino quando ele já estava à frente do carro, visível pelo pára-brisa. Até então, para mim ele continuava na calçada onde estava antes.

Distração? Óculos de laterais fechadas? Nada disso: o problema era o carro em questão, uma Fiat Idea, cuja avaliação logo estará no BCWS. Como poderia ser uma Chevrolet Meriva ou uma Citroën Xsara Picasso.

O que têm essas minivans com a situação de risco descrita? As colunas dianteiras. O projeto da carroceria dos três modelos previu duas colunas de cada lado da frente, com um vidro triangular no meio. Essa duplicidade fez-se necessária porque o estilo definido pelos fabricantes colocou o pára-brisa bem à frente, de modo que uma mesma coluna não serviria como apoio desse vidro e recorte da porta dianteira, como acontece em qualquer automóvel e também na primeira das minivans compactas, a Renault Scénic (na Zafira, também da GM, a coluna separa-se em duas na parte inferior com um pequeno vidro triangular, solução intermediária que não compromete).

Se no lado direito as duas colunas não prejudicam tanto, pela posição e distância em relação ao motorista, no esquerdo a situação é bastante grave. De acordo com o biótipo do condutor e a posição em que ajusta seu banco, as duas colunas esquerdas quase se fundem em um largo bloco (veja a foto tirada na Idea com a câmera junto ao rosto). Pronto: está criado um enorme ponto cego, uma parede fixa ao lado do motorista, pronta a esconder pedestres, condutores de veículos de duas rodas e, com algum azar, até mesmo um carro que venha daquela direção a certa distância.

O risco não aparece só em situações como a do garoto que atravessou à minha frente, mas em toda condição em que a visão ligeiramente à esquerda seja decisiva. Pode ser um cruzamento em rua estreita ou uma curva para esse lado, por exemplo. Em estradas sinuosas de mão dupla, costumo buscar apoio no vidro lateral esquerdo para ver se não há um veículo em sentido contrário na mesma curva — que pode até ter invadido minha faixa, exigindo pronta reação. E vidro lateral não tem limpador para os dias chuvosos.

Esse problema não é novidade para quem acompanha o BCWS, pois há anos o mencionamos nas avaliações de Picasso e Meriva, as primeiras a trazer tamanho prejuízo à visibilidade. Algum tempo atrás, conversando a respeito com um grupo de amigos, um deles sugeriu que se tornassem as colunas translúcidas de alguma forma. A Volvo chegou a apresentar em 2001 um carro-conceito, o Safety Concept Car, em que as colunas dianteiras eram vazadas por elementos triangulares, de modo a diminuir o ponto cego. Cabe notar que era um hatch comum, com uma só coluna de cada lado do pára-brisa — ou seja, a marca sueca buscava aprimorar o que já estava dentro do padrão aceitável.

Aplicar tal recurso em uma minivan, porém, seria procurar a solução para um problema que não precisa existir. O ponto cego das colunas nunca representou grave risco até que, nos últimos 10 anos, muitos novos carros passaram a ter o pára-brisa mais à frente e quase plano, em nome do desenho arrojado. Sem a curvatura nas laterais do vidro, foi preciso avançar as colunas, que então invadiram uma área preciosa da visibilidade. O exato oposto da tendência da década de 1950, quando os pára-brisas com laterais bem envolventes fizeram recuar as colunas, para uma visão ampla e desimpedida.

Muito já discutimos neste site sobre vantagens e desvantagens das minivans, mas esta representa um grave problema de segurança, que nenhum comprador deve desprezar. Antes de se preocupar com as reações do carro em uma situação de emergência — a chamada segurança ativa — ou a proteção oferecida em caso de acidente — segurança passiva —, cada consumidor deveria ter certeza de que o projeto do carro permite boa visibilidade, sobretudo no campo à frente. Afinal, o que ninguém deseja é dirigir como se tivesse as laterais dos olhos vendadas.

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Data de publicação: 26/11/05

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