Na semana passada o
importador Porsche para o Brasil fez-nos um convite irrecusável:
dirigir, ainda que brevemente, o novo carro esporte da marca, o cupê
Cayman S. O assessor de imprensa — Luiz Alberto Pandini, nosso amigo e
ex-colunista — avisou que o carro não poderia se afastar muito da sede
da empresa, na Av. Europa, em São Paulo, mas disse que seria possível
"dar umas aceleradas" e sentir um pouco do automóvel.
Como o BCWS não recusaria tal oportunidade, foi dirigir o
Cayman, na pessoa do colunista e consultor técnico Bob Sharp. A
"avaliação", porém, foi um tanto mais limitada do que poderíamos
imaginar: poucos quarteirões ao redor da
importadora, com tráfego intenso e lombadas. Ao conversarmos mais
tarde, Bob ponderou que "seria ofensa aos leitores escrever sobre ter
andado nele". Assim, tendo em vista que uma ampla apresentação havia
sido publicada em dezembro, quando o carro chegou ao Brasil, decidimos
— e informamos ao assessor — que nada publicaríamos sobre a "volta no
quarteirão". E pedimos outra oportunidade em lugar apropriado, como um
campo de provas, o que Pandini disse não ser possível por enquanto.
A Porsche não foi a única a realizar uma apresentação à imprensa sem
as mínimas condições de avaliação. Nestes oito anos de BCWS
passamos por várias situações semelhantes, embora a do Cayman tenha
potencial para se estabelecer como recorde.
Em abril de 2002 o importador da Maserati levou jornalistas ao
autódromo José Carlos Pace, no bairro de Interlagos, em São Paulo,
para conhecer os modelos Coupe e Spyder. O percurso? Algo como 800
metros, delimitados com cones, onde quase nada podia ser analisado. E
o que dizer da Honda que, ao apresentar o Fit em 2003, só permitiu a
direção nas dependências da fábrica de Sumaré, SP?
Em
outros tempos a Audi cometia esses erros com freqüência, como
no A3/S3, em 2000, no autódromo de Goiânia, GO. Além das condições
inadequadas à avaliação de carros de rua, havia tantos jornalistas e
tão poucos carros (um S3 e três A3) que o modelo mais potente teve
lista VIP, à qual era preciso se inscrever. Imagino que alguns colegas
menos atentos podem ter voltado para casa, depois de dirigir só o A3,
sem saber que um dos carros ali era bem diferente dos outros... Além
disso, podia-se dar uma só volta na pista com o S3. Mas a empresa
aprendeu com a falha e tem propiciado melhores condições nos últimos
anos.
Numa conversa tempos atrás, Bob contou-me um caso semelhante e
curioso, de quando era editor técnico e de testes da revista
Autoesporte. Em 1994 a Chrysler do Brasil convidou-o para uma
apresentação da linha, inclusive o Dodge Viper, na Flórida, EUA. Foram
ao Autódromo de Moroso. O traçado de teste consistia em um percurso de
1,1 km, estreito e travado, também mal dando para usar a segunda
marcha. Bob conta que chamou os responsáveis da empresa num canto e
lhes disse que não poderia escrever sobre o Viper se fosse para
dirigi-lo naquela circunstância. Seguiu-se uma breve reunião e,
minutos depois, um dos homens de imprensa da companhia disse a Bob que
ficasse por ali quando o grupo voltasse para o hotel, quando poderia
usar a pista completa. Desse modo, foi possível sentir o fabuloso
Dodge e escrever honestamente a respeito dele.
Voltando a casos brasileiros, vê-se que outras marcas ainda precisam
melhorar nesse aspecto. No evento do Toyota Hilux SW4, em outubro
passado, o trecho "fora-de-estrada" previsto no roteiro era uma rua de
terra de cerca de 200 metros. Escolha infeliz para um modelo com
sofisticada tração integral e bons atributos para vencer terrenos
difíceis. Em maio, a Volvo havia lançado os novos S40 e V50 em um
kartódromo em Aldeia da Serra, SP, onde não se conseguia sequer
esticar a segunda marcha. Embora útil para sentir o comportamento em
curvas fechadas, teria de ser complementado com um percurso urbano e
rodoviário, o que não aconteceu.
Quando comento essa questão com colegas, às vezes escuto reações
contrárias. "Evento é só para umas impressões; o verdadeiro teste é
depois, na sua cidade", comentam alguns. Concordo com a segunda parte,
mas não com a primeira. Apresentação à imprensa pode — e deve —
oferecer condições mínimas para se conhecer o veículo, em especial nos
tipos de piso e nas faixas de velocidade onde seu público-alvo vai
trafegar. Além disso, é preciso considerar que em muitos casos o
veículo demora a ser cedido a toda a imprensa para uma avaliação
completa — e, em outros, isso jamais acontece para a maior parte dos
jornalistas. Não se espera, por exemplo, que a Porsche e a Maserati
possam nos emprestar seus modelos por alguns dias, já que sequer têm
veículos destinados a esse fim, embora devessem.
Por isso, o evento deve obedecer a alguns requisitos. Percursos em
rua, estrada plana e serra são importantes em qualquer caso. Para
modelos esportivos, vale a pena recorrer a um campo de provas, como os
das fábricas de pneus Pirelli e Goodyear — que se prestam bem a
qualquer tipo de carro como complemento. Nos fora-de-estrada,
indispensável incluir no programa um trajeto com terra, lama e
obstáculos, como algumas assessorias já fizeram muito bem — até em
pista preparada no Parque do Ibirapuera, em São Paulo, caso do BMW X3,
severa a ponto de um ou outro colega ter atolado.
Colocar um carro esporte para uma volta no quarteirão ou pista
limitada artificialmente, um valente 4x4 em um roteiro só de asfalto
ou um sedã de luxo em um kartódromo é brincadeira de mau gosto. Um
veículo mal avaliado significa, para o fabricante ou importador,
perder a oportunidade de demonstrar seu produto; para o jornalista,
jogar tempo fora e ter de se basear em impressões incompletas ao
escrever; e para o leitor, ficar sem embasamento para eventualmente se
decidir pela compra. Uma falha com que todos perdem. |